IV Encontros de Cascais: as reservas de gás natural em Portugal estão a 100%... mas podemos deixar de estar bem de um dia para o outro
Imagem da sala na Cidadela de Cascais onde decorreu a iniciativa do Expresso, que já vai na sua quarta edição
Os Encontros de Cascais são uma iniciativa do Expresso com o apoio da AON, Deloitte e Câmara de Cascais, e decorreram na Cidadela de Cascais entre sexta-feira e sábado. Os Encontros são um evento anual, exclusivo e com um número restrito de participantes. Para que a liberdade de debate seja a maior possível, o evento é fechado ao público e à comunicação social e são adotadas as Chatham House Rules, ou seja, tudo o que for dito em cada sessão pode ser citado e utilizado, mas sem identificar o autor.
SEGURANÇA ENERGÉTICA, AMBIENTAL E ACESSO A RECURSOS - IMPACTO NA GEOPOLÍTICA
O segundo painel dos IV Encontros de Cascais, que decorreram entre sexta-feira e sábado na Cidadela de Cascais, começou com uma referência à candura dos europeus em acreditar em coisas pouco plausíveis, como pensar em ter paz sem investir na defesa própria. Esta certeza cândida foi um incentivo à invasão da Ucrânia pela Rússia. Em paralelo, países da Europa Central e de Leste quiseram acreditar que as suas opções sobre energia não eram opções do domínio da geopolítica, o que se revelou uma ficção. Todos os contratos de aquisição de energia representam consequências geopolíticas.
Da mesma maneira, se os europeus quiserem acreditar que Putin se vai deter na Ucrânia e ficar por aí, sem incomodar mais as fronteiras da Europa, voltarão a estar enganados.
Putin pode ser um incompetente como comandante militar, ouviu-se na sala, mas a contornar as sanções económicas é um vencedor: desde o início da guerra, até agora, a Europa já pagou mais 89 por cento pelas importações de energia da Rússia do que no mesmo período do ano passado, mesmo que as quantidades tenham sido 15 por cento menores.
O problema da eficácia das sanções é muito relevante - só faz sanções quem não quer fazer a guerra (à Rússia)… mas o grau de falibilidade desta estratégia é muito elevado.
Por um lado, Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido não se conseguem entender nos detalhes das sanções. E assim, as empresas europeias de transporte de petróleo e gás continuam a garantir o escoamento desta energia da Rússia para o resto do mundo e a facultar os respetivos seguros de carga.
Por outro lado, Europa e Estados Unidos são incapazes de perceber as economias emergentes e por isso não conseguem garantir que o hemisfério sul atue em conformidade com as sanções, o que lhes retira eficácia. Assim, as decisões da OPEP continuam a estar mais próximas dos interesses da Rússia do que do Ocidente.
O mesmo se passa com grandes economias, como por exemplo a Índia. Esta que é agora a quinta maior economia do mundo depende em 60 por cento do equipamento militar da Rússia e não pode cortar esta ligação de um dia para o outro, sob pena de perder a assistência técnica e a própria renovação dos equipamentos.
Neste cenário difícil, a decisão que pode ajudar a União Europeia é produzir mais energia mais limpa, garantindo financiamento adequado para os novos projetos. Mas como essa decisão demora tempo a dar resultados é preciso acorrer à urgência de garantir gás suficiente para o mês seguinte. Este sentido de urgência está na origem da mudança de opinião da própria ativista sueca Greta Thunberg, referiu-se, que acaba de dizer publicamente que é melhor a Alemanha assegurar o funcionamento das suas centrais nucleares do que voltar às centrais a carvão.
Em conclusão: para assegurar a transição é preciso garantir um mix energético eficaz: mais renováveis; maior aposta no hidrogénio verde cuja tecnologia ainda não está madura; mais reatores nucleares de menor dimensão e mais limpos; e ainda a garantia de acesso a GNL, gás natural liquefeito, em quantidades suficientes para assegurar o curto prazo, garantir a estabilidade dos sistemas elétricos e o funcionamento das empresas industriais.
Numa abordagem mais setorial, um orador sublinha a importância de se evitar apagões no processo de transição energética. O risco existe, desde logo porque a produção de eletricidade hídrica caiu para níveis próximos de 1/3 do que já seria um ano mau.
Este orador do painel evitou entrar na discussão sobre se o encerramento das centrais a carvão foi ou não antes do tempo, mas sempre foi dizendo que o funcionamento das centrais a carvão, muito encarecido por causa das taxas de carbono, não resolvia o problema da intermitência das renováveis; o ciclo de compra da matéria-prima e de funcionamento dos fornos era demasiado longo. As centrais de ciclo combinado a gás natural resolvem melhor este problema e a segurança do sistema está assegurada por esta via.
Quanto a Portugal, a notícia é esta: As reservas de gás natural em Portugal estão a 100 por cento e garantem 27 dias, como nos outros países da Europa.
Mas se estamos agora bem, podemos deixar de estar de um dia para o outro. É necessário continuar a garantir o fornecimento de gás natural em contratos de longo prazo e diversificar as fontes. É também necessário reforçar as ligações de gás e eletricidade com Espanha e a Europa. Ainda no ano passado, houve um incidente junto à fronteira da Espanha e as autoridades portuguesas tiveram de pedir aos grandes consumidores de eletricidade para fazer uma pausa no consumo, para evitar um apagão geral.
Na primeira fila, vêem-se Carlos Gomes da Silva, que esteve seis anos à frente da GALP, e Pedro Siza Vieira, advogado e ex-ministro da Economia. Também lá estavam Jorge Moreira da Silva e António Costa Silva, atual ministro da Economia
Aqui, ouviu-se o apoio ao acordo de construção de um novo gasoduto entre Portugal e Espanha, outro entre Barcelona e Marselha por via marítima, e mais linhas elétricas de alta tensão transfronteiriças.
O gasoduto português entre Celorico da Beira e a fronteira, numa extensão de 136 km, deverá custar entre 200 e 300 milhões de euros e ser pago na totalidade ou em boa parte pela União Europeia. Não podemos ficar isolados senão não podemos contar com a ajuda da Europa nem ajudar quando for necessário, nomeadamente com a exportação de energia renovável.
Portugal tem também de continuar a apostar nas energias renováveis que são cada vez mais eficientes e de custo mais baixo. Para facilitar os novos investimentos, o Governo tem de reduzir rapidamente a burocracia na aprovação dos projetos.
Na fase de perguntas e respostas deste painel, vários participantes levantaram a questão da inter-relação entre água e energia. Para ter acesso a água é preciso gastar energia e para produzir energia é preciso ter água armazenada. A gestão dos dois recursos tem de passar a ser feita de forma muito mais integrada do que até agora. Face às mudanças climáticas e à diminuição da pluviosidade média em Portugal, várias vozes se levantaram em defesa da construção de centrais de dessalinização em Portugal, uma aposta já feita e ganha por Israel, apontado como exemplo.
Outra questão levantada pelos participantes e pelos oradores é a da atribuição de incentivos públicos ao consumo de energia (o que mantém o desperdício e alimenta a inflação de preços), em contraste com a ausência de incentivos à poupança. Embora um especialista tenha alertado para a reduzida margem das famílias e das empresas para poupar num país onde a pobreza energética é alta.
Também o desalinhamento das respostas dos vários países europeus à atual crise energética foi alvo de reparos dos participantes.
Tal como no início da pandemia, foi cada país por si, como se não houvesse União. Por exemplo, a Itália rapidamente procurou substituir a Espanha na sua relação conturbada com a Argélia, que é um grande fornecedor de gás natural.
A União Europeia deveria olhar em conjunto para África e estabelecer acordos com terceiros que beneficiassem todos os países em vez de assistirmos a uma competição bilateral desenfreada. Até o chanceler alemão se multiplica em viagens por vários países produtores para firmar acordos, enquanto as compras conjuntas propostas pela Comissão Europeia ainda não saíram do papel…
Para garantir o processo de transição energética é ainda necessário ter acesso a metais ou terras raras. A China tem já uma posição preponderante neste mercado, estando a Europa em clara desvantagem.
Por último, um participante levantou a questão da exploração de gás natural em Portugal, nomeadamente no Algarve, onde foi gasto muito dinheiro em estudos de prospeção. Mas no nosso país, tal como na Europa em geral, as preocupações e regras ambientais relevam sobre os projetos de exploração de energias fósseis. Já os Estados Unidos mostram muito menos preocupações ambientais e a China está mesmo a desrespeitar as metas dos acordos de Paris com a queima maciça de carvão para produzir eletricidade, (ao mesmo tempo que aposta em força em novas centrais nucleares).
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