16 maio 2019 17:04
A eleição de 24 deputados pelo partido de extrema-direita Vox nas eleições de 28 de abril confirma a tendência de crescimento da extrema-direita na Europa. Espanha tornou-se o 22º país da União Europeia (UE) a ter um partido ultranacionalista com representação parlamentar. Entre os 28, só Portugal, Luxemburgo, Irlanda, Reino Unido, Malta e Roménia escapam, até agora, a esta subida (ver infografia), no que toca aos parlamentos nacionais.
A presença da extrema-direita tem sido uma constante no sistema político europeu desde o final da II Guerra Mundial, lembram os analistas contactados pelo Expresso, para quem a atual vaga tem tantas nuances quantas as respetivas realidades nacionais. Porém, não deixará de refletir-se nas eleições para o Parlamento Europeu (PE), marcadas para 23 a 26 de maio.
“Nos últimos 25 anos, pelo menos, há partidos de extrema-direita com êxitos fulgurantes, mas também quedas abruptas, como o Grande Roménia; há os que subiram, desceram e voltaram a subir, como a italiana Liga; há partidos que alcançaram boas percentagens eleitorais, mas a partir daí estagnaram, como o Partido da Liberdade, de Geert Wilders, na Holanda”, diz ao Expresso o investigador Riccardo Marchi, do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa. Existem também partidos que nunca sobressaíram mas estão presentes na arena política há mais de uma década, como é o caso do Partido Nacional Renovador, em Portugal, fundado em 1999, acrescenta este especialista em radicalismo de direita.
“O nacionalismo é o traço comum a todos os partidos de extrema-direita europeus. Há uma ideologia de exclusão de determinadas categorias de cidadãos do corpo nacional”, salienta Madalena Resende, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI). O que os diferencia são as categorias de exclusão. “Existem partidos mais conservadores nos costumes, mais tradicionais, antifeministas, contra as minorias sexuais, que defendem uma sociedade homogénea”, exemplifica. Esta professora da Universidade Nova assinala diferenças dentro do discurso antidemocrático. Se alguns partidos desta ala se apresentam como “verdadeiros herdeiros do liberalismo”, caso da Holanda, outros assumem uma posição “mais autoritária e estatista”, mormente no Leste europeu.
‘NOVOS’ GANHAM FÔLEGO
Apesar de os partidos de extrema-direita terem hoje agendas políticas muito parecidas — eurocéticas, anti-imigrantes, anti-islamismo, discurso populista contra as elites político-económicas —, só a “nova extrema-direita” obtém resultados eleitorais assinaláveis (15%-25%) e consegue chegar à liderança de governos, explica Ricardo Marchi. Para o investigador, foi este indício empírico que levou algumas forças políticas da ‘velha’ extrema-direita — ou que tinham no seu interior fações ligadas ao passado autoritário — a modificar a própria imagem ou expulsar os saudosistas, com maior ou menor sucesso.
Contam-se entre esses casos o Partido da Liberdade (FPÖ) austríaco, os Democratas Suecos ou o húngaro Jobbik. Há também quem não tenha mudado o rumo, como o Aurora Dourada, na Grécia. “Os partidos mais recentes, como é o caso do Vox, mesmo que pertençam à ‘velha’ extrema-direita, assumem desde logo uma iconografia, imagem, discurso e agenda mais moldada na nova extrema-direita”, afirma o historiador. “O Vox assumiu uma posição muito dura contra a Lei da Memória Histórica, em defesa do passado franquista, mas sem recorrer à parafernália clássica da galáxia franquista ou falangista espanhola”, acrescenta.
A tendência de crescimento da extrema-direita vai fazer-se sentir nas eleições europeias, “porque não há uma cláusula mínima no PE para a eleição de deputados”, considera Mónica Dias, professora do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. Isso e um sistema proporcional favorecem a entrada de pequenas formações. Nesta tendência sobressai o grande uso das redes sociais, que fará com que haja mais partidos a conquistar mandatos.
“Isso levará a uma fragmentação total das famílias políticas tradicionais, dificultando o debate construtivo no PE”, que foi pensado para um pequeno número de grupos políticos, prenuncia a docente. “Estas eleições vão ser usadas pelos partidos antieuropeus para criar ainda mais dissonância”, afirma Mónica Dias, salientando que o PE tem cada vez mais vozes antieuropeias, cujo objetivo é pôr areia na engrenagem das instituições: “As ameaças são reais, é necessário aproveitar o momento para refletir sobre reformas profundas da UE.”
CONTÁGIO AINDA NÃO CHEGOU A PORTUGAL
“A entrada do Vox no Parlamento espanhol quebrou o mito da Península Ibérica imune à extrema-direita, mas não creio que haja um efeito direto entre o sucesso de Vox e a subida da extrema-direita em Portugal”, afirma Marchi. Este especialista lembra que o partido de Santiago Abascal surge de uma base de direita dura, presente e organizada dentro do Partido Popular, descontente com os escândalos de corrupção do partido, sendo também uma reação forte aos nacionalismos periféricos, sobretudo o catalão.
“Em Portugal não temos rastilhos parecidos”, acrescenta, referindo-se às ténues cisões e tendências no CDS-PP e no PSD. “A crise económica, os escândalos de corrupção, a crise da elite financeira com a falência dos bancos e as ligações ao mundo político já têm quase uma década, e não produziram efeitos significativos na cena política, mesmo à luz das últimas sondagens para as europeias”, prossegue.
Para Madalena Resende, “o nosso país não tem minorias islâmicas de relevo que os extremistas usem como arma de arremesso; a homogeneidade cristã traduz-se numa relação ainda confortável com a Igreja Católica; não há problemas de nacionalidade”. Situação diferente da que existe em Espanha, França ou Itália, por exemplo.
“Os novos fenómenos de extrema-direita são muito recentes e fruto do sistema que se começou a criar desde o fim da Guerra Fria. Vão manter a matriz inicial do nacionalismo, mas os seu estilo e posição vão alterar-se — no sentido ou não da moderação — devido à interação com os restantes partidos políticos”, acrescenta a investigadora.