Transportes

Mais vale um (carro) híbrido na mão do que dois eléctricos a voar

Mais vale um (carro) híbrido na mão do que dois eléctricos a voar
SEBASTIEN MAUROY

Na 7ª edição do Fórum Nissan da Mobilidade Inteligente falou-se de carros movidos a bateria ou capazes de se moverem sem intervenção de condutor. Mas se o futuro será eléctrico, o presente (ainda) é híbrido

Um cisma divide os fabricantes de automóveis. Uns, como a Volvo, converteram-se aos carros 100% eléctricos e renunciaram a qualquer tipo de motor térmico. Outros, como as principais marcas japonesas, apostam no meio-termo, apresentando as tecnologias híbridas (associando motores térmicos e eléctricos) como o caminho mais sensato para a futura electrificação.

A Nissan, que nesta terça-feira, 9 de Maio, realizou em Lisboa a 7ª edição do seu Fórum Mobilidade Inteligente, é um caso curioso. É uma pioneira da electrificação, para a qual começou a olhar em 1947 quando criou os furgões e pick-ups Tama, concebidos num pós-guerra em que os combustíveis eram escassos. Depois, em 2010, lançou o Leaf, primeiro carro 100% eléctrico produzido em massa, que dominou o mercado durante uma década. Agora, não renunciando ao desígnio da electrificação (basta ver, por exemplo, o Ariya, concorrente a esta edição do Carro do Ano), aposta num caminho complementar: a tecnologia híbrida como a aplicada nos modelos Juke, Qashqai e X-Trail.

Com isto, e como explicou Paul Johnson, responsável pelo planeamento avançado de produto, a marca tenta uma espécie de quadratura do círculo: dar ao condutor a “parte boa”, ou seja, todas as sensações da condução 100% eléctrica (silêncio, suavidade, prontidão de resposta do motor) sem a “parte má”, isto é, a angústia do carregamento na tomada e da falta de autonomia. Trata-se, portanto, de um sistema híbrido recarregável em andamento em que o motor térmico move um gerador e a corrente obtida (armazenada numa bateria pequena de iões de lítio) alimenta os motores eléctricos de tracção. No caso do X-Trail, o sistema complementar e-4orce (um motor eléctrico em cada eixo) proporciona tracção integral e razoável desempenho em todo-o-terreno.

SEBASTIEN MAUROY

O mesmo especialista referiu que a marca japonesa está também a olhar com particular atenção para os carros 100% eléctricos (como o Leaf ou o Ariya), nomeadamente para as baterias que os fazem mover “Estamos a tentar produzir baterias de iões de lítio mais baratas e incorporando menos metais nobres. Mas o futuro serão as baterias de estado sólido capazes de garantir autonomias duas vezes maiores que as actuais e de permitir carregamentos duas vezes mais rápidos”. Entretanto, o problema da reciclagem das baterias actuais está também a ser abordado, seja reutilizando-as para sistemas de apoio a edifícios, seja desmantelando-as e recuperando os componentes mais valiosos.

Gestão inteligente do tráfego

Numa outra vertente, acrescentar inteligência aos automóveis pode ajudar a resolver problemas de trânsito. Foi este o tema abordado por Maarten Sierhuis, do laboratório de inovação da Nissan instalado na zona californiana de Silicon Valley. Foi observado na auto-estrada californiana I 680 que alguns dos piores congestionamentos de tráfego ocorriam num troço onde havia concordâncias com outras vias rápidas. Ora, se fosse possível optimizar remotamente a velocidade de um número significativo de viaturas (nem muito baixa para não engarrafar, nem muito alta para evitar travagens bruscas e consequentes efeitos “de harmónio” à retaguarda) a fluidez aumentaria, diminuindo-se poluição, perdas de tempo e desperdício de combustível. Mas para isso – explicou Sierhuis – “é preciso que os carros ganhem capacidade de processamento de informação, possam comunicar com a infra-estrutura e com os outros veículos, numa palavra que ganhem inteligência”.

Esse acrescento de inteligência pode ajudar a optimizar a gestão da rede eléctrica. Como muitos carros eléctricos já têm baterias bidireccionais (que tanto podem ser carregadas como injectar energia na rede), a comunicação carro-rede permitirá determinar o momento ideal para os automobilistas carregarem os seus automóveis, achatando a curva de consumo e, ao mesmo tempo, devolverem energia em casa ou no emprego, quando esta seja necessária ao equilíbrio do sistema de produção e distribuição de electricidade.

Autonomia ao serviço do planeamento

Dois especialistas da marca nipónica trabalhando em diferentes centros de pesquisa europeia Thomas Tomkin e Robert Bateman, associados ao Projecto ServCity) destacaram um efeito virtuoso da busca pelo carro autónomo, isto é, capaz de se guiar a si próprio sem necessidade de intervenção humana. Se a generalização da condução autónoma, até pelos problemas tecnológicos e de custos que implica, não é já para amanhã, experiências realizadas nos arredores de Londres com veículos experimentais permitiram recolher dados sobre os fluxos de trânsito, os congestionamentos e os troços com maior risco de acidente que, embora não tendo sido recolhidas para esse fim, podem ajudar no planeamento e gestão de tráfego.

Inteligência e integração são, portanto, duas palavras-chave para o futuro da mobilidade, nomeadamente nas grandes cidades. Algo que, como sublinhou Jorge Delgado, secretário de Estado da Mobilidade Urbana, ainda fazemos em Portugal de forma pouco racional e com baixa sustentabilidade social. “O Covid-19 teve um lado positivo, o de nos mostrar que há viagens desnecessárias e que nem todos temos que ir ao mesmo tempo aos mesmos sítios. Sobretudo abusando do transporte individual”. Daí a importância, destacada por este membro do Governo, dos investimentos (1700 milhões de euros) na melhoria das redes e Metro de Lisboa e do Porto.

Contudo, o diabo está muitas vezes nos pormenores: basta andar na Linha Verde de Lisboa para constatar que as entradas e saídas de passageiros na estação do Campo Grande (agora em obras) são morosas, reduzindo a frequência dos comboios e agravando a sobrelotação destes por apenas poderem temporariamente ter três carruagens. Também na linha de Cascais, a interrupção do serviço a partir das 22h30 entre Cais do Sodré e Algés (obras de modernização) é compensada por serviços especiais de autocarros cuja desarticulação com os horários dos comboios tem provocado o desagrado dos passageiros.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: RCardoso@expresso.impresa.pt

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