Líder do BCP admite que há famílias em "situações bastante difíceis" para pagar créditos
NUNO BOTELHO
Apesar de não serem muito numerosas, há famílias com grandes dificuldades a pagar créditos com a subida dos juros, admitem os banqueiros portugueses. As empresas, por sua vez, estão mais capitalizadas; e os bancos com menos risco
Apesar de os números globais não serem expressivos, já há famílias com grandes dificuldades para cumprir as suas obrigações de crédito junto da banca nacional com o aumento dos juros, reconheceram os banqueiros presentes na Grande Conferência de Sustentabilidade do Jornal de Negócios, que arrancou esta quarta-feira em Cascais. Mas, apesar de os incumprimentos estarem a aumentar, a situação de solidez dos bancos não é comparável à de anteriores crises, estando hoje menos expostos a riscos de crédito.
No debate sobre o tema “Como gerir os riscos em tempos de guerra?”, Licínio Pina, presidente do Crédito Agrícola, disse que “não se perspetiva maior sinistralidade de crédito do que aquela que existia antes”. E Carlos Brandão, diretor de risco do Novo Banco, concordou: “não estamos também a observar qualquer tipo de acréscimo no nível de delinquência nos nossos clientes, mas estamos separados para o caso de esta conjuntura se mantiver".
As notas dissonantes foram dos líderes dos maiores bancos portugueses, o BCP e a Caixa Geral de Depósitos (CGD). “Não tenho uma visão tão otimista”, disse Miguel Maya, presidente executivo do BCP. Assegurando que “antecipava que esta crise, resultado da guerra da Ucrânia, fosse mais complexa do que a da pandemia”, disse que "já se nota ao nivel das famílias algumas situações difíceis, bastante difíceis, diria”, uma situação “felizmente não generalizada”.
“Se ficarmos pelos grande números diríamos que não há motivo da preocupação, mas de facto temos famílias e empresas em dificuldades”, vincou.
A situação atual da banca para lidar com dificuldades no crédito é outra, porém. “Temos felizmente uma banca bem preparada, capitalizada, escrutinada” e “o facto de a Europa ter encarado o tema da supervisão bancária como um tema europeu de grande preocupação”, com grandes bancos sob supervisão direta do Banco Central Europeu, fez com que “os progressos que foram feitos a nível da exigência junto das instituições financeiras não tenham nada a ver com o período pré-2014”.
Isto “para não haver nem tentação” de pisar o risco, disse Miguel Maya. “Veria com bons olhos menos instituições com supervisão doméstica”, acrescentou, “porque o risco da banca passa rapidamente para a sociedade”.
E criticou a supervisão bancária dos EUA, na mira das autoridades norte-americanas depois do colapso do Silicon Valley Bank e do Signature em março, por ter ”dois níveis: os grandes bancos e os outros, um erro crasso”.
TIAGO MIRANDA
Empresas com liquidez depois de “um dos melhores anos de sempre”
Paulo Macedo, presidente da comissão executiva da Caixa Geral de Depósitos (CGD), nota “um comportamento distinto no cumprimento do crédito da parte das famílias e das empresas”. “Nas famílias, concretizámos uns milhares de pedidos de reestruturação, não foi nenhuma das catástrofes anunciadas”, disse, estimando esse impacto em até 0,2% dos créditos da Caixa.
“Temos vindo a negociar, continuamos a negociar” com os incumpridores, acrescentou, antecipando um aumento nos próximos meses das situações de incumprimento das famílias "até haver alguma descida das taxas em 2024”, como já se antecipa. E acrescenta que “a Caixa face a esta crise não alterou nenhum dos seus parâmetros de concessão de crédito”.
Porém, estas dificuldades são tratadas “esmagadoramente com soluções positivas”, disse Macedo: “há uma redução de spreads às famílias que é visível, e que só não é tão visível pela subida dos indexantes”. E nota que as famílias intervieram rapidamente para limitar o impacto da subida dos juros usando poupanças disponíveis para amortizar créditos.
Sobre a medida aprovada pelo Governo para a bonificação dos juros pagos no crédito à habitação, “é um contributo”, disse Macedo. “Temos de ver na prática que tipo de valores absolutos é que se trata. Positivo é, mas não é com isso que se vai resolver o assunto”, acrescentou.
Já nas empresas, considerou que “a questão é distinta”, descrevendo 2022 “como um dos melhores de sempre para a generalidade dos setores”, e com liquidez. “Algumas que já estavam mal antes da pandemia continuam, mas muitos novos casos [de incumprimento] não temos" considerou. Porque, sublinhou, grande parte dos fatores de pressão sobre o desempenho das empresas - o custo da energia, do transporte, e das matérias-primas - foi mitigado ou desapareceu nos últimos meses.
O que abre espaço a algum otimismo. “Se falar com empresa a empresa, muitas estão com as suas dificuldades, mas muitas têm um horizonte mais positivo”, considerou.
Alberto Ramos, diretor-geral do Bankinter Portugal, é mais cauteloso na sua avaliação do imcumprimento junto das empresas. “As dinâmicas têm vindo a mudar, e alguns sinais são relevantes”, acrescentando que neste contexto de taxas de juro mais elevadas ”do ponto de vista do incumprimento” vêem-se empresas mais frágeis do que antes.
“Subida inédita” dos juros
Cristina Casalinho, diretora executiva da direção de sustentabilidade do BPI, considerou que a velocidade da subida dos juros pelos bancos centrais do dólar e do euro “é uma situação inédita”, já que “o esforço de normalização da política monetária tende a demorar muito mais tempo”.
E recordou que, apesar de as taxas nominais estarem altas, “quando olhamos para o custo efetivo do dinheiro estamos a falar em taxas reais mais baixas do que enfrentávamos quando tínhamos taxas nominais negativas. Estamos a trabalhar com níveis de taxas de juro nominais elevadas, mas reais ainda mas baías do que aquelas que tínhamos há 2, 3 anos”.
Sobre a situação de risco, concordou que em Portugal não é igual à da última crise. Verificou-se “uma alteração muito significativa” deste perfil, com empresas mais capitalizadas e capazes de reinvestir os lucros para financiar o seu próprio desenvolvimento.
“Esta crise poderá facilitar um reequilíbrio setorial dentro da economia, com um ponto de partida muito melhor”, pois “o nível de endividamento privado da economia portuguesa é hoje significativamente mais baixo do que o ponto de partida de crises anteriores”, resumiu.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes