Economia

O número que faz tremer o país

9 novembro 2010 23:23

João Silvestre e Jorge Nascimento Rodrigues (www.expresso.pt)

Teixeira dos Santos disse que, com os juros da dívida pública a dez anos nos 7%, começava a colocar-se a hipótese de recorrer ao resgate do fundo europeu e do FMI. Esse nível está mais próximo do que nunca.

9 novembro 2010 23:23

João Silvestre e Jorge Nascimento Rodrigues (www.expresso.pt)

Com ou sem fotografia de Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga a apertarem a mão para selar o acordo entre Governo e PSD, a verdade é que para os mercados o entendimento não parece ter trazido muita confiança. Depois de terem caído abaixo dos 6% na semana passada, os juros da dívida a 10 anos voltaram a disparar e chegaram na quarta-feira ao valor mais alto desde o arranque da moeda única, em 1999. A taxa ultrapassou os 6,7%, bateu o anterior máximo registado no final de setembro e está agora a escassas décimas dos 7%, o valor que o ministro das Finanças disse, em entrevista ao Expresso, ser o limite a partir do qual se começa a colocar a hipótese de Portugal recorrer ao fundo europeu e ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Uma possibilidade que José Sócrates tem insistentemente afastado mas que, para os mercados, parece ser cada vez mais uma inevitabilidade. O próprio FMI, num relatório publicado quinta-feira, referia que, embora o considerasse exagerado, os mercados davam como quase certo um caso de incumprimento (default) nos países da crise - Grécia, Irlanda e Portugal.

Os juros dos dois países bateram os máximos alcançados a 28 de setembro - Dublin está neste momento próximo dos 8% - enquanto a Grécia regressou a níveis superiores a 11%, que eram o 'normal' antes da intervenção do FMI e de Bruxelas em maio.

Mas afinal o que está a motivar esta nova pressão sobre a dívida portuguesa, precisamente na semana em que o Orçamento do Estado foi aprovado na generalidade? O catalisador do nervosismo dos investidores, esta semana, tem sido a Irlanda, devido às dúvidas crescentes sobre a capacidade de lidar com o problema do sistema bancário e em virtude das previsões muito otimistas de crescimento entre 2011 e 2013 que o governo de centro-direita fez e que foram recebidas com muita suspeição. Generalizou-se a convicção, entre muitos analistas, que, caso haja muita turbulência política em torno da discussão em dezembro da proposta de orçamento para 2011, o país poderá ser forçado a ir para eleições antecipadas, e a recorrer ao fundo europeu e ao FMI.

No caso da Grécia, o nervosismo deve-se à expectativa sobre as eleições regionais que decorrem este fim de semana. No caso do partido do governo não alcançar uma vitória expressiva, há o risco de serem convocadas eleições legislativas antecipadas, o que mergulhará, de novo, o país num período de difícil execução do plano de ajustamento.

Aprovação mas com dúvidas

Em Portugal, apesar do sinal político positivo que foi a aprovação do Orçamento na generalidade, o tom do debate deixou dúvidas sobre a capacidade de entendimento dos dois principais partidos. Além disso. o Ministério das Finanças apresentou uma errata ao documento com um agravamento da despesa em mais de 800 milhões de euros face aos valores originais, sem explicar totalmente a razão de muitas das alterações. O défice previsto fica inalterado nos 4,6% do PIB, já que a receita aumenta em igual montante.

Há, no entanto, outros fatores a influenciar a espiral negativa e a sincronia entre os três países que vão para lá das derrapagens internas na gestão da crise da dívida e da turbulência política que ameaça o primeiro semestre de 2011. Há uma convergência de razões externas que autoalimentam a espiral. Desde logo porque o cenário macroeconómico estimado pelos governos poderá não acontecer, uma vez que, como avisou esta semana o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, o crescimento mundial poderá ser mais baixo do que o esperado.

Por outro lado, as últimas decisões do Conselho Europeu, reunido na semana passada, sobre os mecanismos de estabilização financeira no futuro caíram como um choque nos investidores da dívida, em particular sobre a proposta alemã destes terem que suportar parte das perdas em caso de recurso de um país ao resgate.

A pairar sobre estes países está também o facto de o Banco Central Europeu poder, em breve, começar a retirar medidas excecionais de injeção de liquidez, embora Jean-Claude Trichet tenha garantido que a compra de dívida pública irá continuar, e também a notícia de que alguns fundos soberanos - como o norueguês ou o russo - começaram a desinvestir na dívida dos países da zona euro mais afetados pela crise da dívida soberana.

Texto publicado na edição do Expresso de 6 de novembro de 2010