Economia

Foi você que pediu um estádio de futebol?

25 janeiro 2011 18:03

Abílio Ferreira (www.expresso.pt)

Somague é credora de €34 milhões do Boavista. Na Madeira, o novo estádio do Marítimo será pago depois de 2016

25 janeiro 2011 18:03

Abílio Ferreira (www.expresso.pt)

A transformação dos estádios municipais do Euro 2004 em 'elefantes brancos' estava anunciada à partida: a UEFA exigia uma capacidade mínima de 30 mil lugares e o país sabia que todos eles ficariam desertos nas competições domésticas.

Os casos mais flagrantes verificam-se em Leiria, Aveiro e Algarve. A União de Leiria raramente atrai mais de mil espetadores (o mínimo desta época é 868, com o Nacional). Em 2009, as receitas (€2,7 milhões) cobriram os custos operacionais (€2,6 milhões). No Algarve, o estádio Faro-Loulé nem de equipa residente dispõe. Nesta época, o Portimonense, com a casa em obras, utiliza o recinto - o mínimo 2010/11 está nos 1092 espetadores.

Segundo uma auditoria do Tribunal de Contas, o investimento público aplicado nos estádios do Euro, incluindo as acessibilidades e apoios aos clubes, ficou nos €1,1 mil milhões. As construtoras beneficiaram desta injeção, em especial a Somague que ergueu cinco dos 10 estádios. Mas é, precisamente, a Somague quem mais sofre com a ressaca do Euro. O caso mais infeliz não envolve uma câmara, mas um clube - o Boavista. A construtora é credora de €34 milhões, incluindo juros. Cansada, segundo o seu porta-voz, de "acordos nunca cumpridos e diligências inúteis", apresentou em setembro um pedido de insolvência do clube. O Bessa XXI, palco de jogos da II Divisão, acabará partilhado pelos credores e talvez transformado numa urbanização.

As autarquias sofrem duplamente com a megalomania. Suportam os juros dos empréstimos e os défices de exploração. Em Aveiro, a EDP já chegou a cortar a luz por falta de pagamento, impedindo um treino do Beira Mar. A inutilidade do estádio serviu de tema a um concurso de ideias para os alunos de um instituto local. Entre 25 sugestões, uma defendia a instalação de um casino. A Leirisport queixa-se de atrasos no pagamento da renda acordada com a União de Leiria.

Demolir os estádios, como já sugeriu o ex-ministro Augusto Mateus, está fora dos planos dos autarcas envolvidos que dispensariam esta herança recebida dos antecessores. Entre juros e manutenção cada autarquia suporta custos anuais perto dos €5 milhões. A estratégia, em todos os casos, é acentuar a vocação multifuncional e acolher eventos não desportivos.

O dimensionamento dos estádios é apenas uma das faces do problema. Uma outra é a avaliação custo/benefício, válida também nos casos em que a ocupação média atinge um terço da capacidade, como sucede em Braga ou Guimarães. Em Braga, o custo disparou para €90 milhões (o mais caro dos de iniciativa municipal), forçando a Câmara a pagar €6 milhões de juros, durante 20 anos. A sua gestão é uma forma de a autarquia drenar verbas para o clube local. É o Sporting de Braga que recebe os €4 milhões por três épocas que a seguradora Axa paga pelo naming de um estádio que não é seu.

A Madeira ficou de fora do Euro, mas não do investimento em estádios. Olhando para os €23 milhões aplicados no novo estádio do Nacional e nos €40 milhões para a remodelação dos Barreiros (Marítimo), parece que, afinal, nem sempre se aprende com as ressacas alheias. Um primeiro chumbo do Tribunal de Contas forçou o Governo Regional a alterar o financiamento e a cortar uns milhões nos custos. No novo modelo, €33 milhões serão pagos entre 2016 e 2028.