Economia

Ernâni Lopes: Humanista e referência na liderança económica do país

3 dezembro 2010 15:51

Anabela Campos e Isabel Vicente (www.expresso.pt)

Ajudou Mário Soares a integrar Portugal na Comunidade Europeia, arrumou as contas públicas quando o FMI entrou no país e desenhou estratégias para sair da crise. Henrique Granadeiro e José Amaral salientam-lhe as qualidades humanistas e de liderança e o patriotismo.

3 dezembro 2010 15:51

Anabela Campos e Isabel Vicente (www.expresso.pt)

"Inteligência, curiosidade intelectual, qualidade executiva, firmeza de convicções e uma fé inabalável, são caracteristicas que sempre reuniu", afirma José Pena Amaral, administrador do BPI, chefe de Gabinete de Ernâni Lopes, durante o Governo do Bloco Central, liderado por Mário Soares. A morte de Ernâni Lopes não deixa indiferente quem o conheceu de perto e quem com ele trabalhou e privou. "E uma grande perda e desgosto pessoal", diz Amaral. O reputado economista faleceu ontem de cancro, aos 68 anos.

"Ernâni Lopes era um homem de paz, mas também um adversário duro e litigante. Um homem firme, sem ser dogmático. Era muito duro na discussão das suas posições e convicto. No plano humano tinha uma visão humanista da vida, o que tornava o convívio com ele muito agradável", afirma Henrique Granadeiro, que se cruzou várias vezes com o ex-ministro das Finanças de Soares em vários palcos, nomeadamente quando este era embaixador em Bona e o presidente da PT chefe da casa civil do então presidente Ramalho Eanes. 

A doença, diz José Amaral, amigo de longa data de Ernâni Lopes, "combateu-a com grande realismo e a sua dimensão religiosa ajudou-o a encará-la com serenidade e tranquilidade. Sempre reagiu às adversidades de forma positiva e nunca se deixava abater". Henrique Granadeiro conta que quando Ernâni Lopes, então chairman da PT, comunicou à administração que sofria de cancro, afirmou que vencê-lo seria a batalha da sua vida. A família assumiu sempre um lugar especial, conta José Amaral, referindo, como quem o conhecia, que a expressão "Deus, Pátria e Família", eram três vértices essenciais na sua vida.

UM PATRIOTA, COM DEVOÇÃO AO PAÍS 

"Ernâni Lopes era um grande patriota, com profundo sentido de missão, e com grande devoção ao país. Foi um grande amigo, com quem mantive uma relação pessoal e profissional sem máculo", confessa Granadeiro, lembrando que tiveram "uma relação frequente e intensa" no Jornal Novo de Portela Filho, onde Ernâni tinha crónica. "Partilhávamos sempre conspirações políticas. Era muito interessante", conta.

Quando liderou a pasta das Finanças, entre 1983-85, "revelou uma enorme  determinação  na perseguição dos objetivos que tinhamos que cumprir", recorda José Amaral, chefe de gabinete de Ernâni Lopes no governo do bloco central. De convicções fortes defrontou dois grandes desafios: "cumprir o acordo com o Fundo Monetário Europeu (FMI) e repor a estabilidade financeira e a negociação da adesão à Comunidade Europeia", adianta. Ernâni Lopes foi, a par de Mário Soares, um dos mais relevantes protagonistas da adesão de Portugal à CEE.

"Foi a cara da austeridade, quando o FMI entrou em Portugal em 1983 e era ministro das Finanças. Nesse momento difícil revelou-se um homem de grande determinação e inflexibilidade, o que permitiu uma intervenção firme, rápida e eficaz, preparando para o próximo governo, o do professor Cavaco Silva, uma simpática herança", opinia Henrique Granadeiro. Ernâni Lopes, economista, académico e diplomata, foi ministro das Finanças aos 40 anos. "É uma voz de grande relevância, nomeadamente numa altura como a que vivemos. Tinha a autoridade de ter conduzido o país em momentos difíceis com grande eficácia e grandes resultados. Oxalá a sua morte seja inspiradora, pela sua coragem e visão", acrescenta Granadeiro.

Apesar da imagem pública que sempre deu, a de um homem fechado, "Ernani era uma pessoa afável e com sentido de humor", diz Pena do Amaral. "Gostava de partilhar os êxitos com os outros, nomeadamente com as equipas com quem trabalhava". E cultivava ainda uma outra caracteristica: "ouvia, ponderava, considerava as ideias dos outros, sem deixar de agir de forma segura", adverte José Amaral.

Gostava muito de ler e de estudar. Um dos seus fascínios era estudar a fundo a hiitória de Portugal. Apreciava um bom vinho ocasionalmente e colecionava peças de arte, em particular arte sacra.