ARQUIVO Créditos

Crédito universitário de difícil obtenção

3 setembro 2010 13:20

Rute Gonçalves Marques (www.expresso.pt)

O Estado é fiador, mas os bancos preferem vender os seus próprios créditos aos estudantes.

3 setembro 2010 13:20

Rute Gonçalves Marques (www.expresso.pt)

Ser estudante universitário não é só farra. Além das noitadas de convívio, há as horas de estudo intermináveis, despesas com dezenas de livros, material escolar, refeições, transportes, entre outros custos inerentes a esta fase da vida. E mesmo que a universidade frequentada seja pública, os estudantes têm sempre que pagar as propinas que, no próximo ano letivo, baixam para os €986,88 por ano.

Depois de meses de estudo para garantir a entrada na universidade desejada, chega a outra preocupação: como é que se consegue garantir rendimentos para sustentar, pelo menos, os próximos três anos de aulas? Segundo dados de um estudo do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) sobre os Estudantes do Ensino Superior e Empréstimos com Garantia Mútua, os familiares constituem a principal fonte de sustento económico dos estudantes (70,6%), enquanto 27,7% sobrevivem com bolsas de estudo e 25,7% resolvem trabalhar enquanto estudam.

Quando nenhuma destas opções resulta, a opção pode ser o crédito universitário com garantia mútua. Estes empréstimos bancários são especialmente desenhados para os estudantes universitários e resultam de um protocolo entre o Estado e oito bancos nacionais: Banco BPI, Millennium bcp, BES, Santander, Caixa Geral de Depósitos (CGD), Montepio, Banif e Caixa Agrícola. Com este acordo, um estudante que queira realizar uma licenciatura, mestrado, doutoramento, pós-graduação ou fazer parte do Programa Erasmus, mas não tenha possibilidade de pagar as propinas, poderá dirigir-se a uma destas instituições bancárias e pedir um crédito com garantia mútua. O Estado passa a ser o seu fiador e tem acesso a uma taxa de juro reduzida, com um spread máximo de 1%, que poderá vir a diminuir caso o aluno tenha bom aproveitamento escolar.

Estado fiador

O montante concedido nestes créditos pode ir dos €1000 aos €5000 por ano, num máximo de €25 mil para um prazo até cinco anos. O valor atribuído chegar-lhe-á à conta sob a forma de tranches mensais e durante o período de estudos apenas paga juros sobre o capital emprestado. Quando terminar os estudos pode optar por um prazo de carência de capital máximo de um ano, no qual continuará a pagar só os juros. O prazo de reembolso pode ir até aos dez anos, mas regra geral o período de pagamento compreende o dobro dos anos do curso.

Por ser um crédito com a garantia do Estado, as condições têm de ser iguais em todas as instituições bancárias. Mas isso nem sempre acontece. A um mês de começarem as aulas, o Dinheiro foi, enquanto 'cliente-mistério', nos dias 10 e 11 de Agosto, aos bancos que aderiram ao protocolo para pedir um empréstimo de €5000 por ano, para uma licenciatura em Economia de três anos, com período de carência de 12 meses após terminar o curso e reembolso num prazo máximo de quatro anos.

Informação confusa

O Banco Espírito Santo (BES) foi o primeiro balcão visitado e que se saldou por uma recusa. "Ainda não temos plafond disponível, por isso não fazemos a simulação", foi a informação recolhida numa agência lisboeta. A linha de crédito está encerrada desde outubro do ano passado e ainda não voltou a reabrir, segundo as explicações. Apesar disso, a funcionária prontificou-se a recomendar o crédito BES UP Vida Académica, "que não tem as mesmas condições do crédito com garantia mútua, mas tem uma taxa de juro inferior aos créditos pessoais normais". Contactado por via institucional, o BES sublinha que "a disponibilidade desta solução está condicionada à existência de plafond subscrito pelo banco em cada momento. No ano passado, a disponibilização desta linha ocorreu em simultâneo com o início do ano letivo, este ano estamos a preparar o processo de forma a ter plafond disponível no mesmo período".

O mesmo aconteceu no balcão do Montepio, onde informaram a "suposta estudante" que só deverão começar a comercializar estes créditos em finais de setembro. Mas, em alternativa, o bancário ofereceu-se para fazer "uma simulação para um Crédito Individual Montepio". Contactado também por via institucional, fonte do Montepio afirma que o banco "irá disponibilizar no final do mês esta linha de crédito, pelo que só nessa altura é que poderá ser dada informação específica sobre este tipo de financiamento".

O Montepio e o BES foram os únicos dois bancos que declinaram a simulação, porém, poucas foram as instituições que souberam dar explicações sobre o crédito. Além de fornecerem informações erradas sobre as características deste empréstimo, alguns bancos imputam despesas que, na realidade, o crédito com garantia mútua não tem, como comissões. Este é o caso do Montepio, que cobra €12 por ano com comissão de gestão, enquanto o Crédito Agrícola cobra um pouco mais, €78 de comissão de abertura.

Negócio pouco rentável

No Santander Totta, as justificações foram mais longe: "Há muitos bancos que não fazem este empréstimo, pois tem muitas despesas associadas e pouco lucro para o banco. Os bancos recebem o plafond e as ordens do Estado, mas são livres de aceitar ou não". Contactado o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior explicou que estes créditos são muito simples, mas a vontade está do lado das instituições bancárias: "Cada banco pede o plafond que quer, não é o Ministério que define quanto é que cada um recebe. Quando o plafond se esgota, já não podem dar mais crédito com a garantia do Estado". A única coisa que é igual para todos são as regras do crédito com garantia mútua. "A base tem de ser igual para todos", explica fonte do Ministério. No entanto, existem alguns aspetos que vão divergindo de banco para banco. Por exemplo, o Santander Totta obriga a que o empréstimo seja reembolsado pelo dobro da duração do curso. Ou seja, um crédito para uma licenciatura de três anos, terá de ser reembolsado em seis anos, não em quatro, como a simulação pretendida. O mesmo acontece com as comissões cobradas ou com o spread atribuído, que é de 1% no primeiro ano. Alguns bancos concedem essa bonificação de bom desempenho escolar logo no primeiro ano letivo.

Texto publicado da edição do Expresso de 28 de Agosto de 2010.