Economia

Dez anos depois do crash do Nasdaq

5 março 2010 17:44

Jorge Nascimento Rodrigues (www.expresso.pt)

Duas derrocadas sucessivas a 11 e 28 de Março de 2000 na bolsa do Nasdaq em Nova Iorque marcariam o fim da euforia das dot.com, de uma das mais exuberantes 'bolhas' tecnológicas. Contudo, a década não se ficaria por uma só bolha e um só crash. O padrão repetiu-se. Carlota Perez, uma investigadora de Cambridge, explica as razões intrigantes desta sucessão de euforias e pânicos em apenas dez anos.

5 março 2010 17:44

Jorge Nascimento Rodrigues (www.expresso.pt)

Hoje, 11 de Março, "comemora-se" o início do crash do Nasdaq. A derrocada da bolsa nova-iorquina das empresas tecnológicas ocorreria a 11 de Março de 2000 e depois a 28 do mesmo mês, e finalmente entraria num plano inclinado, sem retorno, depois de 14 de Abril.

No início de 2000, a euforia em torno da "Nova Economia" e das dot.com continuava apenas com pequenos beliscões, a que ninguém ligava. Uma multidão de gurus, de chefes de empresa, de empreendedores e de jornalistas continuava a viver um sonho. Kevin Kelly, o fundador da revista de culto Wired, falava, a partir do Silicon Valley californiano, de uma ruptura com as revoluções industriais anteriores e cantava a epopeia dos "imensos jovens empreendedores de 20 anos do Vale a valerem mais de meio bilião de dólares" quase do dia para a noite. Ele inventou dez mandamentos da Nova Economia que seriam repetidos pelos crentes.

A AOL - American on Line -, uma das estrelas da época, resolvia adquirir em Janeiro a Time Warner, um gigante dos media e do entretenimento. Viria a revelar-se um fiasco, mas, na altura, quase ninguém arriscava dizê-lo. A Yahoo, outra das estrelas da era Internet, atingia um máximo no Nasdaq (a bolsa das empresas tecnológicas em Times Square, em Nova Iorque) com as acções a venderem-se a mais de 400 dólares.

Rumores de derrocada

Apenas uma minoria de analistas, a contracorrente, avisava que o Nasdaq estava a chegar a um pico e que a "exuberância irracional" (como lhe chamara Alan Greenspan, presidente da Reserva Federal americana, em Dezembro de 1996), esse monstro de valorizações absurdas das dot.com, geraria o seu contrário: uma derrocada bolsista monumental.

O fiasco do chamado bug do milénio (conhecido por Y2k) deixou muita gente chocada e o flop do comércio electrónico no Natal de 1999 gerou muitas dúvidas sobre a ascensão meteórica da "nova economia".

Em Fevereiro de 2000, os rumores de crash iminente na bolsa das tecnológicas nova-iorquina avolumavam-se, como então o Expresso noticiou, face à incredulidade dos homens do capital de risco (venture capital, na expressão em inglês que ficou célebre), dos empreendedores da economia digital, celebrizada por Don Tapscott, ou dos futuristas optimistas, como Harry Dent e Peter Schwartz.

Num estudo posterior ao crash, de Tessaleno Devezas, Harold Lindstone, e Humberto Santos, referia-se que, no espaço de trinta anos, no período de uma geração, a infra-estrutura da Internet passara dos primeiros passos em 1969 (com a Arpanet) para o seu pico em 1999 (uso do Protocolo Internet v6), sendo previsível que se passasse de "fase" e que uma correcção drástica nos activos ocorresse.

Casos, como a emergência da Google (que, em seis anos, desde que entrou em bolsa em 2004, passou a valer quase tanto como a mais "velhinha" Apple) e a difusão das plataformas de redes sociais mais recentes, são já filhos dessa nova fase.

Março negro

Os dias do apocalipse tecnológico ocorreriam a 11 de Março e depois a 28 de Março, numa dupla assinatura inesperada. O índice do Nasdaq saltou de 2600 pontos em Abril de 1999 para mais de 5132,52 pontos no pico histórico durante a sessão de trading 10 de Março de 2000. Depois desceria, mas voltaria a subir até aos 5040 pontos a 27 de Março, criando a ilusão de que a derrocada inicial teria sido passageira, em "V". Mas, mortiferamente, a partir de 28 de Março voltaria a cair espectacularmente até 14 de Abril (34% em duas semanas e meia), e até ao final do ano num processo em ziguezague, fechando nos 2251,7 pontos.

A quebra do Nasdaq no dia 14 de Abril foi de 10%, a quarta maior da história das bolsas americanas num só dia. Os maiores pânicos financeiros diários em Wall Street até à data foram a 19 de Outubro de 1987 (a célebre Black Monday) e em 19,28 e 29 de Outubro de 1929 (datas ordenadas por ordem decrescente da dimensão da queda bolsista). Na mais recente crise financeira de 2007/2009, a maior queda diária em Wall Street ocorreu a 15 de Outubro de 2008, durante o pânico financeiro, e foi de 7,87%.

Um caso de estudo

A velocidade da derrocada do Nasdaq ainda hoje é um caso de estudo. A quebra seria de 56% em apenas dez meses, enquanto, no mesmo período na crise de 1929/1930, a queda seria de 31% e, entre Outubro de 2007 e Julho de 2008, na primeira fase da crise recente, foi apenas de 18%.

Entre o pico da bolha do Nasdaq em Março de 2000 e o ponto mais baixo desta crise em 9 de Outubro de 2002 - quando o índice tecnológico atingiu 1114, 11 pontos - a derrocada somou quase 80%.

Segundo os cálculos da altura do analista Peter Cohan, a destruição de valor durante esta derrocada teria atingido os 6 triliões de dólares (quase 7 biliões de euros, ao câmbio da altura), 60% do PIB americano naquele ano. Quase dez anos depois, o Nasdaq ainda está abaixo dos 2300 pontos, no patamar em que fechou o ano de 2000.

Durante a euforia das dot-com, o rácio do preço das acções em relação aos ganhos (designado em inglês por P/E, price earnings ratio, ou simplesmente por múltiplo) no conjunto das 500 empresas cotadas incluídas no índice da Standard & Poor's (que abrange todas as bolsas americanas) havia chegado a valores superiores a 44, acima dos 32,5 que atingira em Setembro de 1929 (ver quadro I em anexo), como então o sublinhou Robert Shiller, o académico de Yale que publicaria em Abril de 2000 um livro marcante, precisamente intitulado "Exuberância Irracional".

No caso do Nasdaq, o múltiplo atingiu em 1999 mais de 200 e em 2000 ainda estava nos 125! Shiller disse-nos, então, em entrevista ao Expresso, "que não havia paralelo". O volume de negociação no pico do Nasdaq chegou a atingir o dobro do que ocorria no New York Stock Exchange, onde estavam cotadas as empresas da "velha economia".

As duas bolhas seguidas

Mas o que parecia estar enterrado em finais de 2001 voltou a renascer das cinzas, não no Nasdaq, em Times Square, mas nas bolsas tradicionais em Wall Street, na baixa de Manhattan. O índice Dow Jones, depois da quebra de 2001, subiria ao máximo histórico de quase 14100 pontos em 15 de Outubro de 2007, segundo a Barron's.

Carlota Perez, investigadora em Cambridge, no Reino Unido, especialista em ciclos tecnológicos, fala de um padrão de duas bolhas associadas nesta última revolução das tecnologias de informação. Uma primeira fase de "instalação" em que a exuberância irracional campeou pelas novas empresas tecnológicas, alimentando uma primeira bolha e depois uma derrocada, a que se seguiu alguns anos depois (menos de uma década) uma bolha financeira e um crash mais amplo e global.

Mas a seguir a essa tormenta de duas derrocadas, poder-se-á seguir o bom tempo, uma fase de "posicionamento" e "maturidade" da nova tecnologia, uma era de ouro. A investigadora garante, com optimismo, que estamos em transição para essa era, ainda que admita que se fique por algo menos radiante, meramente "dourado": "Esse é o perigo que corremos hoje". Se não forem adoptadas medidas de contenção da financeirização e de prioridade ao capital produtivo, diz a investigadora na entrevista que nos concedeu (que pode ser lida aqui em inglês).

Ao fim destas duas tormentas há um grupo de líderes da revolução tecnológica iniciada nos anos 1970 que parecem consolidar-se (ver quadro II em anexo). A Amazon surge como a empresa internet com maior múltiplo de valorização e a Microsoft, apesar dos "ataques" de uma renovada Apple ou da emergente Google, consegue manter-se no topo da capitalização bolsista, ainda que com um múltiplo muito mais baixo.

Atracção fatal

O que hoje parece absurdo é como no espaço de uma década os investidores caíram na mesma armadilha duas vezes. Da primeira vez, entusiasmaram-se com uma tecnologia espantosa, uma inovação "básica", como lhe chamam os especialistas em tecnologia. Da segunda vez, seguiram o filão da especulação imobiliária.

Nos dois momentos, houve sempre um mesmo padrão de comportamento que funcionou como uma atracção fatal: o cheiro da realização de ganhos financeiros rápidos. O pano de fundo: uma vaga de financeirização sem paralelo desenrolou-se ao longo de duas décadas.

Primeiro, no final dos anos 1990, em torno das entradas em bolsa das start-ups da nova economia. E, num segundo andamento, no final da década de 2000, através de um processo de alavancagem inacreditável realizado com veículos financeiros (alguns deles sairiam do anonimato em meados de 2007, como o famoso subprime) assentes numa onda de inovação financeira ("algo sem paralelo", sublinha-nos Carlota Perez), na bolha imobiliária e nas benesses dadas por Alan Greespan com uma taxa (de juros) directora da Reserva Federal a valores muito baixos entre 2002 e 2004.

Em termos reais, as taxas de curto prazo, nos EUA, desceram abruptamente de 5% em meados de 2001 para 0% em meados de 2002. O incentivo a um comportamento de alto risco não poderia deixar de acontecer.

O papel crucial destes novos veículos financeiros - que subitamente se tornaram nomes ou siglas mediáticas, como subprime, MBS, SIV, cds, etc. - continua hoje a ser estudado e gera polémica. Gary A. Dymski, professor de Economia da Universidade da Califórnia, em Riverside, salientou inclusive que esta crise financeira recente é distinta das anteriores do século XIX e XX em virtude justamente do papel destes novos veículos.









O comportamento aparentemente "irracional", que vimos repetir-se durante estes dez anos, é a fase visível do mecanismo de pensamento e acção das multidões e nasce de uma pulsão para a euforia e o pânico típicos do animal spirits que cada um de nós tem. O credo que se repete é sempre o mesmo: "desta vez é diferente".

Por isso há como que uma "clonagem" sempre que as circunstâncias são propícias à especulação financeira, apesar das lições da história. Só uma minoria se lembra da sua própria experiência ou de gerações anteriores, e sai a tempo, antes do pânico.

Historicamente este padrão de comportamento é sempre narrado ex post. Mas a história económica (bem como outras dimensões da história) é arrítmica. O padrão é cíclico, mas desenvolve-se, primeiro, sem grande ruído, e, depois, apanha-nos de surpresa. As quebras são sempre súbitas, abruptas, precipitadas e inesperadas. As suas causas profundas são, anos ou décadas mais tarde, descritas com facilidade pela pena dos historiadores económicos, mas as crises são provocadas por factos aparentemente irrelevantes ao senso comum.

No início de 2000, misturaram-se coisas a quem ninguém ligou, como o fiasco do bug do milénio, a desilusão com o e-commerce natalício e a estupefacção com a compra da Time Warner pela AOL. Em meados de 2007 seriam umas peripécias em torno de um veículo financeiro desconhecido, o subprime. Só algumas mentes a contracorrente viram nesses sinais, sinais de crise. Simplesmente, nunca têm massa crítica para hegemonizar o estado de espírito dos meios profissionais e da opinião pública.









Adaptado de parte de artigo na edição impressa do Expresso de 27 de Fevereiro de 2010.