Economia

Desvalorização do dólar foi um fracasso

18 julho 2011 12:25

Jorge Nascimento Rodrigues (www.expresso.pt)

Historicamente tentativas de melhorar a competitividade através de desvalorizações falharam, diz James C. Rickards, da Omnis, um especialista financeiro norte-americano envolvido na criação de fundos de alto risco e de fundos de fundos. Avisa para o risco de "uma guerra financeira total".

18 julho 2011 12:25

Jorge Nascimento Rodrigues (www.expresso.pt)

A política de desvalorização do dólar seguida pelos Estados Unidos teve dois resultados: os números da balança comercial continuam a desapontar e eesa estratégia está a lançar as sementes de uma guerra de divisas total. É a opinião de James G. Rickards, diretor de Inteligência de Mercado e administrador da Omnis, um especialista financeiro norte-americano envolvido na criação de fundos de alto risco e de fundos de fundos, em entrevista ao Expresso.

O dólar desvalorizou-se face ao euro nos últimos doze meses quase 15%. E em relação à moeda chinesa - o yuan ou renminbi -, a divisa norte-americana quase desvalorizou 19% desde 1 de janeiro de 2007. Desde o final desta última recessão em 2009, a desvalorização do dólar face a um cabaz de seis moedas (euro, iene, libra, franco suíço, dólar canadiano e dólar australiano) foi superior a 10%, segundo a Shadow Government Statistics. Em relação a 1985, a queda é superior a 50%.

Os estrategos norte-americanos esperavam que o resultado fosse positivo na balança comercial da maior potência económica do mundo. Ora a dinâmica mensal do défice comercial tem revelado o acentuar de uma tendência negativa.

Dinâmica de crescimento do "buraco" comercial

O "buraco" comercial subiu, em termos mensais, para 50,3 mil milhões de dólares no final de maio, o último número oficial disponível. Entre maio de 2010 e maio de 2011, o valor do défice comercial americano, em termos de défices mensais, subiu 20% e entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011 disparou 35%. O valor do défice, neste momento, para os seis meses e meio já decorridos, é superior a 289 mil milhões de dólares, segundo os dados ao segundo da American Economic Alert.

"Na realidade, os mais recentes números da balança comercial dos Estados Unidos são um desapontamento. Isto é normal, porque os padrões da balança comercial são muito difíceis de mudar no curto prazo. Por isso, o efeito imediato de uma desvalorização é aumentar o preço das importações e diminuir o preço das exportações sem mudar o 'mix" dos dois fluxos", sublinha-nos este especialista com mais de 30 anos de mercados.

"Historicamente, os esforços para aumentar o crescimento através de desvalorizações falharam. E não há razão para acreditar que o esforço atual para desvalorizar o dólar tenha mais sucesso. O mais provável é gerar inflação", prossegue Rickards, que publica trabalhos académicos na área da econofísica, ciências cognitivas, redes e gestão de risco.

Ele tem andado a chamar a atenção para a probabilidade de se gerar uma "guerra total financeira" à escala mundial, que evolua por "fases".

"A China, Índia, Rússia e outros ainda não estão preparados para um confronto com os Estados Unidos no campo de uma guerra financeira, diz-nos. Por ora, a principal ameaça ao dólar vem dos mercados de capitais e não dos países emergentes. Os mercados de capitais podem sair do dólar, independentemente de qualquer objetivo ou política dos governos. Esse cenário pode levar a um colapso caótico do dólar, em que a única alternativa seja o mercado livre do ouro".

O problema dos Estados Unidos não é o valor cambial do dólar. "Concordo que a questão real é estrutural. Mas não creio que se centre no problema da tecnologia, pois os EUA continuam a ter a melhor tecnologia do mundo", sublinha Rickards, para depois completar o argumento: "O problema tem a ver com quatro pontos: a) impostos elevados; b) despesa elevada do Estado; c) incerteza causada por políticas governamentais erráticas e intrusivas e mesmo regulamentação excessiva; e d) endividamento de mais". Um dos pontos que acha importante é "a liquidação dos bancos insolventes e a reorganização de todo o sector financeiro".

É de opinião, por isso, que é necessária uma mudança em todos esses planos. "Mas não creio que isso venha a acontecer, pelo que prevejo mais estagnação nos Estados Unidos", afirma com pessimismo.

Oportunidade europeia no padrão ouro

James Rickards admite que haja, também, essa tentação de usar a desvalorização como política na Europa: "Até agora, na guerra das desvalorizações, os principais ganhadores têm sido a China e os Estados Unidos e os principais perdedores a Europa e o Brasil. Contudo, isto poderá mudar, pois as pressões aumentam sobre os fabricantes europeus e brasileiros. Nessas circunstâncias, as retaliações podem começar. Mas podem tomar várias formas: controlos de capital, de novo, controlos das taxas de juro, levantamento de impostos sobre as importações e outras barreiras protecionistas ao comércio livre internacional".

No entanto, ele vê uma oportunidade interessante para a Europa - não a da desvalorização do euro, mas a do padrão ouro, o que pode ser surpreendente para os leitores europeus: "A Europa está em melhores condições para regressar ao padrão ouro do que a China ou a Rússia. Os Estados Unidos têm 8000 toneladas de ouro em reservas, mas o sistema da zona euro tem 10 mil. Em comparação a China tem pouco mais de mil toneladas e a Rússia menos. Se a Europa entrar no padrão ouro terá a divisa mais apetecida no mundo e poderá refinanciar facilmente as suas dívidas, colocando um ponto final na atual crise das dívidas soberanas".