14 outubro 2009 19:29
O rosé mais conhecido do mundo vende 20 milhões de garrafas por ano e está pronto para novas aventuras.
14 outubro 2009 19:29
Da América, chegou uma encomenda recorde de dois milhões de caixas de Mateus Rosé no ano da revolução de Abril. "Parece que tinham medo das nacionalizações e do fim da marca e quiseram reservar 20 milhões de garrafas para não correrem o risco de ficar sem o seu rosé", conta Fernando Guedes, presidente da Sogrape, a empresa onde nasceu o mais internacional dos vinhos portugueses.
Em 1943, quando o Mateus se apresentou "diferente, atractivo e fresco, pronto a agradar a um público alargado", já queria conquistar o mundo, apesar dos mercados tradicionais estarem quase fechados, por causa da guerra. Até a garrafa bojuda que Fernando van Zeller Guedes, pai do actual presidente da Sogrape, idealizou, inspirado no cantil dos soldados da I Guerra Mundial, mostrava a vontade de inovar e correr riscos. É verdade que era mais baixa que as outras, mas, por isso mesmo, acabaria por ser colocada à frente das concorrentes, exactamente como o fundador da empresa tinha previsto.

Vendedores da Rawlings & Sons com Fernando van Zeller Guedes na Quinta da Aveleda, nos anos 60
arquivo sogrape
Desde então, o Mateus Rosé terá vendido mais de 1,1 mil milhões de garrafas em todo o mundo, impôs-se como um caso de sucesso do marketing directo, tornou-se tema de estudo em universidades da Europa e América e conquistou muitas figuras públicas, do Papa Paulo VI, a Calouste Gulbenkian, Saddam Hussein ou Fidel Castro. Isabel II também contribuiu para a fama do vinho ao pedir Mateus Rosé numa festa particular do Hotel Savoy. O gerente percebeu que a escolha de Sua Majestade não constava da lista do hotel e rapidamente incluiu este rosé na carta.
Mas, entre os episódios reveladores da notoriedade da marca ao longo dos anos, um dos preferidos de Fernando Guedes aconteceu na Nigéria, numa cimeira da Organização de Unidade Africana, e foi notícia no "Financial Times", em 1971: "A reunião acabou com uma condenação a Portugal pela tentativa de invasão da Guiné-Conacri, mas ao jantar, o vinho mais solicitado pelos delegados presentes foi o Mateus Rosé".

A fadista Amália Rodrigues participou na promoção do Mateus Rosé, nos anos 60, na Casa de Portugal em Londres
arquivo sogrape
Um dos segredos do sucesso do vinho estará na personalidade de Fernando van Zeller Guedes, conhecido na Europa, América e Japão como "Mr. Rosé". Apresentado por Gaspar Martins Pereira, no livro "Sogrape - uma história de vida" como "comunicador nato e viajante compulsivo", com sentido de humor e domínio de várias línguas, dizia "preferir fazer amigos antes de negócios porque era mais fácil negociar com amigos". Em busca de algo diferente que afirmasse a Sogrape no mundo dos vinhos, terá pensado o Mateus durante as noites de insónia "em pensões manhosas" do Douro, quando "mosquitos, percevejos e calor à mistura" o obrigavam a sair da cama.
Foi também ele a decidir, nos anos 50, enviar duas garrafas de Mateus Rosé aos embaixadores e cônsules portugueses no mundo, acompanhadas de uma carta onde os aconselhava a beber uma e, caso gostassem, a oferecer outra a um amigo bem colocado para promover e distribuir o vinho.

Capa do disco Portugal com Amor, editado no Brasil, em 1978
arquivo sogrape
Nos registos comerciais da Sogrape, o primeiro mercado foi o Brasil, onde o vinho chegou em 1944, para aproveitar o potencial de consumo dos imigrantes portugueses. Mas Inglaterra acabaria por tornar-se o seu principal cliente no exterior. Com sucesso em todos os extractos sociais, ultrapassou os concorrentes franceses, contou com o apoio de Elton John e de outras personalidades para a sua promoção "na montra do mundo" e até os ardinas tinham caixas de madeira vazias de Mateus Rosé para se sentarem no West End.
Os Estados Unidos também foram sempre um bom mercado para o Mateus Rosé. Acompanhou os militares americanos na guerra do Vietname, tornou-se popular nas bases dos EUA durante os anos da Guerra Fria e soube conquistar os civis, nos tempos de paz.
A ascensão do Mateus Rosé ajudou a transformar a Sogrape na maior empresa de vinhos de mesa do país, hoje com um portefólio diversificado e 1200 hectares de vinha em Portugal, Argentina. Nova Zelândia e Chile. "Durante muitos anos recebemos críticas e disseram mal de nós, mas resistimos e hoje já não é assim. Nos Estados Unidos chegou a haver 70 vinhos portugueses que procuraram aproveitar o sucesso do Mateus Rosé, mas não resta nenhum. E tivemos de contratar advogados em cinco países para defender a marca de falsificações", refere Fernando Guedes.

Jimmy Hendrix ajudou a promover o Mateus Rosé nos anos 60
arquivo sogrape
Presente em 125 países, o Mateus Rosé já não é o vinho mais vendido do mundo. Depois da época de ouro vivida nos anos 70, a procura começou a estagnar e foi perdendo terreno em mercados tradicionais na década de 80. Mas um dos segredos da marca é não se acomodar. Encontrou novos mercados, no Oriente, apostou numa nova imagem para o século XXI e decidiu experimentar novos caminhos, com o lançamento de outros Mateus Rosé.
Mesmo o original é hoje diferente do vinho dos primeiros tempos. "A tecnologia aperfeiçoou-se, houve uma evolução de acordo com o gosto do consumidor" e o Mateus tornou-se "mais equilibrado", diz o enólogo Miguel Pessanha, explicando que um destes ajustes ditou a redução do teor do açúcar, de 20 para 15 gramas por litro.
De acordo com os últimos dados da Sogrape o Mateus ainda vale um quarto do seu volume de vendas e a procura entrou num novo ciclo de crescimento.
Ao rosé original, a Sogrape juntou mais quatro Mateus, decidida a conquistar novos consumidores pelo mundo. Foi assim que nasceu o Tempranillo, numa resposta directa a um estudo de mercado sobre o gosto dos jovens ingleses. Produzido com uvas espanholas e tecnologia da Sogrape apresenta-se "mais leve e suave", com 30 gramas de açúcar por litro e 10 graus de álcool. Depois surgiu o Aragonês, de perfil idêntico mas produzido com uvas da Bairrada, para consumidores nacionais. De França, do Pays d'Oc, chegou o Shiraz, praticamente seco, com 12 graus de álcool e 5 gramas de açúcar por litro.
O último lançamento foi o Sparkling, bruto. Criado para dar resposta à apetência do mercado por espumantes rosé, é fiel às uvas da Bairrada, com domínio da casta Baga, tem 12 graus de álcool e "está a ser um sucesso, do Canadá a Inglaterra e ao Japão", diz o enólogo Miguel Pessanha. Para o futuro, estão a ser pensados novos Mateus. em diferentes estilos, mas o enólogo adianta apenas "ter várias hipóteses em estudo".
1942 Criação da Sogrape
1943 Lançamento do Mateus Rosé
1956 Primeira campanha do Mateus Rosé em Inglaterra faz as vendas dispararem de 50 para 2500 caixas. Em 1959 duplica para as cinco mil
1961 Mateus Rosé aparece na lista de taças da corrida de cavalos de Ascot
1983 Começa a comercialização na República Popular da China
2002 Relançamento da marca com a campanha 'Drink Pink'
2004 Lançamento do Mateus Rosé Tempranillo
2007 Lançamento do Mateus Rosé Shiraz e do Mateus Rosé Aragonês
2008 Lançamento do Mateus Rosé Sparkling
Texto publicado na edição do Expresso de 9 de Outubro de 2009