1 novembro 2008 17:46
A criação de novos instrumentos financeiros, uma bolha imobiliária e três décadas de desregulação financeira originaram a tempestade perfeita. A reacção dos líderes europeus tardou, mas acabaram por delinear uma estratégia para chegar a bom porto.
1 novembro 2008 17:46
Começou por ser uma crise num segmento do mercado de crédito imobiliário norte-americano, o subprime (crédito hipotecário de alto risco), mas tornou-se num furacão financeiro que, para vários especialistas, só tem comparação com 1929. E já exigiu medidas extremas. Quando os primeiros sinais de alerta surgiram, no Verão de 2007 - com o colapso de dois fundos do banco de investimento Bear Stearns - poucos imaginariam que um ano e uns meses mais tarde algumas das maiores instituições norte-americanas e europeias teriam sido salvas da falência, in extremis, através de processos de nacionalização.
A profundidade da crise deve-se "à conjugação de novos instrumentos financeiros com uma bolha especulativa no mercado imobiliário", explica Luís Cabral, professor da Stern School of Business, da Universidade de Nova Iorque. No curto prazo, quando há uma bolha especulativa, embora as instituições saibam que um activo está sobrevalorizado, se consideram que ficará ainda mais, então, é um bom investimento. "Mesmo que seja uma coisa sem valor. É uma questão de incentivos."
Foi o que aconteceu nos últimos anos. As actividades relacionadas com o mercado das hipotecas foram muito lucrativas até 2006. E, quando os bancos vendiam os produtos estruturados que tinham na base crédito subprime passavam o risco. Só que, quando a bolha rebentou, deu lugar a um ajustamento muito rápido, causando grandes perdas em muitas instituições.
Supervisores falham
"Aquilo que falhou nitidamente foram as autoridades de supervisão", frisou José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, em declarações à RTP. "A regulação não acompanhou a inovação no sistema financeiro", reforçou. Sérgio Rebelo, professor da Kellogg School of Management, da Northwestern University aponta na mesma direcção: "Em muitos casos, os reguladores não tinham capacidade técnica para a avaliar as manobras contabilísticas e os produtos derivados complexos emitidos pelos bancos." João Duque, professor do ISEG, é taxativo: "A supervisão bancária quer apresentar os bancos de investimento - que estavam fora do seu escrutínio - como únicos responsáveis pela crise, mas não é verdade. A banca de retalho também estava muito alavancada e isso foi parte do problema."
O furacão tem raízes profundas. "Esta crise surge na sequência de 30 anos de desregulação financeira", diz Luís Cabral. No que toca aos produtos derivados, em particular, a sua expansão nos anos 90 levou vários especialistas a recomendar maior regulação. Mas Alan Greenspan opôs-se sempre, acreditando na auto-regulação de Wall Street. As críticas ao antigo presidente da Reserva Federal (entre 1987 e 2006) abrangem ainda a manutenção de juros muito baixos, durante muito tempo, o que inflou a bolha imobiliária.
As instituições com exposição directa ao subprime começaram por reavaliar esses activos em forte baixa, efectuando depois provisões. O impacte fez-se sentir nos resultados e na situação de capital. "Por falta de capital, os bancos viram-se forçados a reduzir a sua actividade, e isso induziu uma queda ainda maior do preço dos activos, o que, por sua vez, provocou perdas ainda maiores, gerando um ciclo vicioso de desalavancagem", explicou Paul Krugman, vencedor do Prémio Nobel da Economia deste ano, num artigo de opinião recente no El País.
Défice de confiança
Os maiores bancos tentaram contrariar este efeito reforçando o seu capital. Os fundos soberanos de países emergentes, com destaque para os Estados produtores de petróleo, tomaram participações em grandes instituições financeiras norte-americanas. Mas os dados estavam lançados e este movimento não foi suficiente para quebrar o ciclo vicioso, reforçado pela perda de confiança nos bancos, inclusive uns nos outros. Como se desenvolveram produtos financeiros muito estruturados, os activos problemáticos estavam muito disseminados, sendo difícil identificar as instituições atingidas. Resultado: os bancos começaram a ter cada vez mais reticências a conceder crédito entre si, congelando o mercado interbancário. O Banco Central Europeu e a FED passaram a efectuar injecções maciças de liquidez, de que os bancos dependiam quase em exclusivo.