1 maio 2008 11:32
Eventual abertura dos hipermercados aos domingos e feriados vai estar sexta-feira em debate na Assembleia da República. Empresas de distribuição querem liberalização, mas Igreja está contra para que a família seja protegida.
1 maio 2008 11:32
O encerramento ou não dos hipermercados aos domingos e feriados, o seu horário de funcionamento e a possibilidade de as autarquias decidirem estas questões vão estar sexta-feira em debate no plenário da Assembleia da República.
No centro da discussão vão estar três projectos de lei: um dos Partido Comunista Português (PCP), um do Bloco de Esquerda (BE) e outro do Partido Social-Democrata (PSD).
BE defende encerramento, PSD admite abertura com decisão autárquica
A proposta de diploma do PCP defende, como "regra", o encerramento dos estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços aos domingos e feriados; o do BE determina o encerramento das grandes superfícies aos domingos e feriados; e o do PSD admite a possibilidade destes espaços abrirem (ou não) ao domingo à tarde e feriados, remetendo a última palavra para os municípios.
Em termos gerais, o projecto de lei do Bloco defende o encerramento das grandes superfícies comerciais aos domingos e feriados, por considerar que a sua abertura "impossibilita o pequeno comércio, de proximidade, muitas vezes de cariz familiar, de poder competir com tais potentados de distribuição, levando ao inexorável decréscimo de clientes e ao consequente encerramento de muitas pequenas empresas de comércio a retalho.
Para o BE, a "proliferação" de grandes superfícies comerciais em todo o território nacional registada nos últimos tempos teve ainda o "condão de tornar os centros das nossas cidades e vilas vazios, sem comércio" e levou a que "centenas, ou mesmo milhares, de trabalhadores dessas grandes superfícies" vissem "coarctado o seu direito ao descanso num dia que a generalidade das famílias portuguesas tem para fruição do seu lazer".
Atendendo, porém, à "satisfação das necessidades especiais dos consumidores que ocorrem em determinadas épocas do ano", o projecto de lei do Bloco admite a possibilidade de as grandes superfícies, "informando previamente a Câmara Municipal respectiva, decidir a sua abertura ao público, respeitando o horário normal, em quatro domingos ou feriados por ano".
Alega o Bloco - conforme consta no projecto de lei - que esta é a forma de dar poder de decisão à iniciativa privada e garantir a satisfação de necessidades especiais dos consumidores, equilibrando as pretensões meramente economicistas com o direito ao lazer dos trabalhadores das grandes superfícies e garantindo aos pequenos e médios comerciantes um contributo numa luta concorrencial à partida desigual e melhores condições para contribuírem para a revitalização dos centros das cidades e vilas portuguesas.
Segundo o texto do projecto do Bloco, esta legislação não abrange o "que vulgarmente se designa por ´centros comerciais`" por estes constituírem actualmente "um ponto de atracção e lazer das populações, salvo se as superfícies de venda contínua sejam equiparáveis a hipermercados".
Abertura "optativa" durante um máximo de 10 dias
Já o projecto de lei do PCP - destinado à regulação dos horários de funcionamento das unidades de comércio e distribuição - defende que os estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços encerrem aos domingos e feriados, admitindo, contudo, que possam abrir "optativamente durante um máximo de 10 dias, domingos ou feriados por ano, ou, no caso de zonas de praias, feiras de vilegiatura e turísticas, durante um máximo de 16 dias, domingos ou feriados, por ano".
De acordo com a proposta de diploma dos comunistas, os estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços "podem estar abertos num período de tempo semanal com o limite mínimo de 40 horas" e com o "limite máximo de 72 horas".
Relativamente à competência para fixar os períodos de abertura ao público dos estabelecimentos de venda e prestação de serviços, o PCP defende que cabe aos municípios excepto a que cabe às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).
Municípios e CCDR devem, porém, ouvir os sindicatos, associações patronais e associações de consumidores relativamente ao processo de fixação dos horários de abertura, lê-se no projecto dos comunistas.
Sustenta o PCP que a necessidade de uma regulação "diferente e equilibrada do horário de abertura das unidades de comércio é hoje incontornável".
"Não para ´fechar tudo`, mas para fazer do encerramento ao domingo a regra, com todas as excepções necessárias à vida da sociedade de hoje".
"Questão complexa pelas dimensões sociais e interesses económicos"
Para os comunistas, a regulação dos horários de funcionamento das unidades de comércio e distribuição enquanto "questão complexa, pelas dimensões sociais e interesses económicos contraditórios em causa" tem, contudo, que atender a três princípios: "o direito ao descanso semanal de todos os trabalhadores, o facto de se tratar de uma regulação de bens de consumo e que o ordenamento do comércio exige a regulação dos horários como um elemento fundamental.
Porque - acrescentam - é necessário que os horários comerciais tenham em conta as necessidades da população em momentos do ano com picos de procura e devem possibilitar o equilíbrio entre as unidades das grandes empresas de distribuição e o conjunto das pequenas e médias empresas que configuram o comércio de proximidade.
Este equilíbrio entre os diferentes tipos de comércio é - para os comunistas - "necessário para travar a desertificação dos centros urbanos e uma alteração significativa, quantitativa e qualitativa, do emprego no comércio".
Lei "obsoleta" e "nalguns casos injusta"
Diferente é a proposta de lei do PSD, que considera a legislação que ditou o encerramento das grandes superfícies nas tardes de domingo e aos feriados "obsoleta" e "nalguns casos injusta", nomeadamente devido à "criação de novos espaços comerciais com pouco menos de 2000 metros quadrados que facilmente ultrapassaram" a limitação legal existente.
"Desregulamentar, liberalizar e descentralizar" são as palavras de ordem da proposta social-democrata, que defende que a última palavra cabe aos municípios por "proximidade e conhecimento directo" que têm da realidade.
Para o PSD, um regime de "horário de funcionamento com iguais limites para todo o território nacional, tende a tratar de forma igual uma actividade que deve forçosamente desenvolver-se de forma diversa face aos interesses económicos específicos presentes em cada localidade" e por isso defendem a possibilidade de os estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços, incluindo grandes superfícies comerciais e os localizados em centros comerciais possam estar abertos entre as 06h00 e as 24h00 de todos os dias da semana.
Alegam que a abertura das grandes superfícies comerciais ao público sem restrições ao domingo à tarde e aos feriados "é susceptível de beneficiar os consumidores em geral e criar mais emprego", podendo em certas regiões contribuir para combater o desemprego, enquanto noutras regiões o seu encerramento "poderá constituir a única forma de defender a sustentabilidade e a viabilidade económica do comércio tradicional".
Municípios responsáveis por alargar ou restringir os limites de horário
Assim, cabe aos municípios - "que reúnem todas as condições para melhor decidir no quadro da necessária conciliação dos interesses económicos, sociais e culturais da comunidade" - alargar ou restringir os limites de horário de funcionamento fixados na lei, nomeadamente no que respeita às grandes superfícies comerciais contínuas e aos estabelecimentos situados dentro de centros comerciais, desde que atinjam áreas de venda contínua, lê-se no documento do PSD.
Relativamente à duração diária e semanal do trabalho estabelecida na lei, em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou no contrato individual de trabalho, defendem os subscritores da proposta do PSD que deverá continuar a ser "religiosamente observada, sem prejuízo do período de abertura dos estabelecimentos".
Actualmente, e ao abrigo da portaria 153/96 de 15 de Maio, os hipermercados estão proibidos de abrir ao público aos domingos e feriados entre os meses de Janeiro a Outubro, podendo contudo abrir entre as 08h00 e as 13h00 de igual período.
As empresas de distribuição, que defendem a liberalização total dos horários do comércio, abertura aos domingos e feriados, encaram com satisfação o debate de sexta-feira no Parlamento em torno desta questão, pelo qual se bateram.
Fonte da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) disse hoje à agência Lusa que foram já entregues na Assembleia da República perto de 250.000 assinaturas recolhidas junto de cidadãos, sustentando a posição dos distribuidores.
A Liga Operária Católica (LOC) e o bispo das Forças Armadas contestam a abertura dos hipermercados aos domingos, considerando que esse dia deve ser vocacionado para a família. Fátima Almeida, coordenadora nacional da LOC, defende que os domingos devem ser dias "dedicados ao encontro das famílias", limitando-se ao máximo qualquer actividade laboral.
Os funcionários dos hipermercados "também têm famílias", recordou Fátima Almeida, que aponta a excessiva precariedade laboral, os turnos rotativos e a falta de emprego como motivos para a perda da estabilidade familiar. "Perdeu-se o domingo como espaço de encontro das famílias" e embora "esses espaços comerciais sejam uma espécie de centros de culto" para os agregados familiares modernos, têm de se encontrar outras "soluções e novos espaços de diálogo, de partilha e de entreajuda" diferentes.
Posição semelhante tem D. Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas e antigo porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) quando esta polémica se verificou. "O domingo é o dia da família" em que deve haver o "cumprimento de valores sociais como é o descanso e a tranquilidade que um trabalhador merece", afirmou D. Januário Torgal Ferreira, rejeitando que a posição da Igreja se deva à realização das eucaristias dominicais.
"Não renegamos os aspectos religiosos" mas o que motiva esta posição é a necessidade de "encontro das famílias", considerou o bispo, que admite a abertura de hipermercados apenas em "circunstâncias ou lugares" em que não exista opção à satisfação das "necessidades básicas".
"O supermercado deve estar ao serviço das necessidades das pessoas mas, até aos fins-de-semana, as famílias têm de se encontrar", considerou D. Januário Torgal Ferreira. "Com bom senso e grande sensatez, as pessoas deveriam abrir os olhos" até porque "não é uma questão religiosa" mas sim o respeito da "dignidade humana".