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O novo pacote de medidas do Governo para a habitação é uma “situação de desespero”

O novo pacote de medidas do Governo para a habitação é uma “situação de desespero”
Tomás Aguiar

Começou esta quinta-feira o 16º Congresso dos Arquitetos em São Miguel, no Arquipélago dos Açores, focado no tema da sustentabilidade. Gonçalo Byrne, presidente da Ordem dos Arquitetos, falou ao Expresso sobre as novas medidas de apoio do Governo e da arquitetura verde que vai ser tema central dos próximos dias

Passaram cerca de duas semanas desde que o Governo apresentou as medidas de apoio à habitação que têm sido debatidas e contestadas. O tema está na ordem do dia e não há perspetiva de que seja esquecido nos próximos tempos. Durante o 16º Congresso dos Arquitetos, Gonçalo Byrne, presidente da Ordem dos Arquitetos, fala ao Expresso sobre este novo pacote de medidas, que diz tratar-se de “uma situação de desespero”.

A Ordem vê como positivas algumas das medidas e o seu presidente diz acreditar nas boas intenções do Governo, ainda assim, acredita que a maior parte das propostas "vai criar um desempenho burocrático do lado do Estado que é quase ingerível”. E este “monstro burocrático”, nas palavras de Gonçalo Byrne, é muitas vezes resultado de uma “hiper legislação que complica e é suscetível de diferentes interpretações”.

O presidente da Ordem dos Arquitetos mostra-se preocupado com o atual estado da habitação em Portugal. Diz ao Expresso que “há muitas pessoas a viver mal no nosso país e são cada vez mais”. Para o arquiteto, a habitação tem de ser adaptada aos modos de vida que vão evoluindo com o tempo. Com a pandemia começou a dar-se outro valor ao conforto e à necessidade de um espaço exterior, “sem ser uma varanda que nem dá para pôr uma cadeira”.

Destaca o problema habitacional que arrasta os jovens para a pobreza, mas faz questão de relembrar que temos um país com uma população cada vez mais idosa e diz haver uma “grande carência de habitação digna” para essa fatia da sociedade.

Mas ao conversar com Gonçalo Byrne, estavam duas grandes questões em paralelo: de um lado as novas medidas do Governo para solucionar a crise habitacional em Portugal e do outro a tentativa de tornar a habitação mais sustentável, - o tema do Congresso dos Arquitetos deste ano – sendo que esta é uma construção mais cara. Afinal, como é que as duas questões podem caminhar em conjunto?

“É, de facto, um problema”, foi a sua pronta resposta. Justificou-a ao dizer que “a construção em Portugal subsiste sob a crónica de suborçamentação, ou seja, o que importa é adjudicar obras, ao custo mais baixo, sem pensar que o custo mais baixo vai ter consequências nos custos de manutenção e ligados aos ciclos de vida dos edifícios”. Situações que são ponderadas e planificadas nas construções sustentáveis e que, a longo prazo, acabam por compensar. Para além disso, há metas europeias a cumprir e os problemas climáticos já não fazem só parte do futuro, mas sim do presente.

Como disse António Guterres no discurso inaugural da COP27, “estamos numa autoestrada para o inferno climático com o pé no acelerador”. Já Gonçalo Byrne crê que “estamos numa espécie de início de um novo renascimento para o planeta e se isso não for feito o planeta vai acabar mal, já estamos num ponto sem retorno”.

As medidas na visão arquitetónica

Durante a conversa com o Expresso, Gonçalo Byrne analisou algumas das medidas que poderão entrar em vigor a curto prazo no âmbito do pacote da habitação. Diz que algumas poderão ser tomadas a curto prazo, mas muitas terão de ser de médio ou até longo prazo “porque o setor da construção funciona devagar”. Reconhece as boas intenções do Governo no ‘jogo’ de intermediário no arrendamento de casas, mas admite que pode “não ser viável”.

Para o arquiteto, a medida que permite o licenciamento com termo de responsabilidade dos projetistas pode ser perigosa, já que “é muito difícil falar de responsabilidade quando temos uma parafernália de hiper legislação pela frente […], porque quando há leis a mais, abundam as diferentes interpretações.

Defende que as leis têm um carácter de urgência, mas quando estão longe da realidade, acabam por entrar na lista das que existem, mas nunca são efetivamente cumpridas e que este problema habitacional “não é resolvido com ‘cascatas de legislações’”.

Quanto às casas modulares pensadas para Lisboa e Porto, Gonçalo Byrne diz desconhecer o modelo que o Governo quer utilizar, mas admite que este processo de construção, “pode desempenhar uma qualidade boa, reduzir custos e tempo de construção”, porque grande parte da produção dos edifícios é feita em fábrica.

A ilha verde como exemplo da sustentabilidade

Este ano, o Congresso dos Arquitetos voou até Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, nos Açores. A 16ª edição, que decorrerá de 2 a 4 de março, assenta sobre os pilares de “qualidade e sustentabilidade” e sob a premissa de que estes dias de palestras, apresentações de ideias, discussões e votações, vão contribuir ativamente para a construção das cidades do futuro.

O objetivo é o de juntar um conjunto de medidas a serem apresentadas em Copenhaga – de 2 a 6 de julho – no Congresso Mundial dos Arquitetos.

É a primeira vez que o congresso sai de Portugal continental, e não foi por acaso. Também é a primeira vez que o Congresso se foca diretamente nas questões sustentáveis e ambientais, por isso o palco verde e azul da ilha açoriana – o único arquipélago com certificado sustentável - foi a escolha considerada adequada.

Este ano o Congresso, que decorre no Teatro Micaelense, - depois dos 3 anos que esteve em pausa por causa da pandemia - bateu o recorde de inscritos: são mais de 800 participantes, sendo que cerca de 300 se encontram na ilha de São Miguel e os restantes participam online, uma inovação que também ajudou a bater o recorde no número de inscritos.

Sendo a sustentabilidade o tema central do Congresso, não foi esquecida na organização e produção do evento. Os panfletos foram extintos. Os cartazes só existem à entrada do Teatro Micaelense e, em substituição, existem dois ecrãs gigantes de publicidade ao evento.

Para além disso, o programa está disponível online e foi criada uma aplicação que integra todas as principais informações do Congresso, funcionando como plataforma de perguntas aos congressistas e que também servirá para as votações finais, iniciativas que visaram poupar papel.

A cortina do palco abriu

O primeiro dia de Congresso começou com uma mensagem - gravada em vídeo - de Elisa Ferreira, comissária europeia para a Coesão e Reformas, que definiu os atuais tempos conturbados como “uma quarta revolução industrial em curso”. Para a comissária, “enquanto europeus temos de agir, não podemos esperar pela mudança, temos de ser os agentes dessa mesma mudança” e para isso é necessário “repensar a forma como produzimos e consumimos.”

Ao destacar a importância dos arquitetos para cumprir esta mudança, incentivou o debate durante o congresso, de forma a alcançar ideias e medidas de excelência que “cheguem ao quotidiano dos nossos cidadãos”, cujo objetivo é passar a meta da “sustentabilidade inclusiva com beleza e estilo”.

Ao abrir o palco presencialmente, Guilherme Machado Vaz, presidente do Congresso e da Assembleia Geral, destacou que “é urgente pensar na sustentabilidade”, sendo este o “momento certo para produzir propostas completas, em três dias de muito trabalho”.

Ainda nos discursos de abertura, Gonçalo Byrne destacou que o congresso é maioritariamente feito para os jovens arquitetos ou aspirantes e que a solução deste problema convoca a todos, não só aos arquitetos. “Nunca como agora um desafio foi tão grande, mas nunca como agora tivemos esta grande oportunidade”, rematou.

Os dias de debates e palestras terminam com algumas atividades lúdicas e à noite com o Festival MUDAR Film que, também no Teatro Micaelense, passa curtas metragens sobre diferentes exemplos de momentos de transformação do território nacional e internacional.

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