Economia

Concorrência acusa sete laboratórios de cartel nas análises clínicas e nos testes à Covid-19

Concorrência acusa sete laboratórios de cartel nas análises clínicas e nos testes à Covid-19
MARK R. CRISTINO/EPA

AdC suspeita de concertação de preços entre sete empresas que integram a direção da respetiva organização empresarial. Associação Nacional de Laboratórios Clínicos recusa acusações e diz que vai contestar

A Autoridade da Concorrência (AdC) acusa uma associação empresarial e sete grupos laboratoriais de cartel na prestação de análises clínicas e testes Covid-19. Tal prática de concertação “terá funcionado, pelo menos, entre 2016 e 2022”.

O regulador faz notar que a adoção de uma nota de ilicitude não determina o resultado final da investigação. “Nesta fase do processo, é dada a oportunidade às empresas, que beneficiam de presunção de inocência, de exercerem o direito de audição e defesa em relação aos comportamentos ilícitos detetados pela AdC, à prova reunida e à sanção ou sanções em que poderão incorrer”, indica o organismo em comunicado de imprensa.

A nota de ilicitude assume o caráter de acusação e marca a conclusão do inquérito e o início da instrução, em que se procede à identificação dos arguidos, à imputação dos factos ilícitos apurados e ao enquadramento normativo aplicável.

Segundo a AdC, o alegado cartel foi “estabelecido entre os laboratórios visados” através da sua participação na direção da associação” e teve por finalidade fixar os preços nas análises clínicas e nos testes à Covid-19, “bem como a repartição do mercado e de fontes de abastecimento, incluindo o compromisso de não angariar e ou contratar trabalhadores dos grupos laboratoriais concorrentes”.

Frisa a Autoridade que “existe uma probabilidade razoável de a associação e os laboratórios visados virem a ser sancionados por terem acordado a estratégia a adotar em negociações com entidades públicas, nomeadamente com o Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas igualmente com entidades privadas”.

Quem são os visados?

Na nota da AdC, divulgada esta quinta-feira, dia 15 de dezembro, não são identificadas a associação empresarial, nem os laboratórios visados, como é habitual. Questionada pelo Expresso, a AdC escusou-se a esclarecer o motivo.

Entretanto, a Associação Nacional de Laboratórios Clínicos (ANL) emitiu um comunicado onde “refuta firmemente as conclusões que constam da nota preliminar da AdC” da qual, afirma, “foi notificada hoje, e que aborda, designadamente, a forma como o sector se predispôs a ajudar o Estado Português a superar os efeitos da pandemia da Covid-19”. Contactada pelo Expresso, fonte oficial da ANL indica que o organismo, “neste momento, não vai fazer quaisquer comentários adicionais”, remetendo “para a posição que está expressa no comunicado”.

No respetivo comunicado, a AdC fala na importância da “capilaridade dos postos de colheita e a realização massificada de testes PCR ou antigénio” enquanto “complemento fundamental ao esforço de combate em Portugal à pandemia por infeção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, visando dotar o SNS da capacidade adicional que a situação de emergência requeria”.

E são dados números: em Portugal, até 30 de março de 2022, foram realizados mais de 40 milhões de testes, cita a Concorrência.

Para a AdC, o conluio entre os laboratórios “ter-lhes-á permitido aumentar o seu poder negocial face às entidades públicas e privadas (…) levando à fixação de preços potencialmente mais elevados do que os que resultariam de negociações individuais no âmbito do funcionamento normal do mercado, impedindo ou adiando a revisão e a redução dos preços”.

Na reação da ANL à notificação da AdC, a organização salienta que “tem muito orgulho no trabalho desenvolvido pelos seus associados durante este período exigente para todos, especialmente tendo em conta que o mesmo se pautou pela procura permanente de soluções que garantissem aos portugueses os melhores cuidados de saúde”. Frisa-se, igualmente, que a contribuição do sector decorreu de um “pedido do Estado português”, para “ajudar a superar as fragilidades e constrangimentos que assolaram o SNS durante um período de especial fragilidade”.

É, ainda, salientado que “os preços associados aos atos e serviços prestados ao SNS, ou a outras entidades financiadoras, por parte dos associados da ANL foram definidos, de forma unilateral e autónoma, pelas entidades pagadoras”. E quanto ao Estado, “os mesmos foram estabelecidos por Portaria publicada em Diário da República”.

Recorde-se que o preço dos testes laboratoriais para deteção do SARS-Cov-2 (PCR), pagos pelo SNS às entidades convencionadas da área da patologia clínica e ou análises clínicas, foram definidos pelo Ministério da Saúde. Inicialmente, o custo unitário, em março de 2020, foi de 87,95 euros, valor que foi atualizado, em setembro do mesmo ano, para 65 euros, pois haviam deixado de se verificar os elevados preços, nomeadamente, dos reagentes. À época, o Governo adiantou que o novo valor refletia, também, “os custos de contexto dos prestadores convencionados, face à sua capilaridade, e a preocupação com a estabilidade do serviço prestado à comunidade” e que tinham sido ouvidas as associações do setor – ANL e Associação Portuguesa de Analistas Clínicos.

Por sua vez, os testes rápidos de antigénio beneficiaram de um longo período de comparticipação a 100%, com limite em número e em custo para o erário público (10 euros).

Associação diz que vai refutar acusações

A ANL indica que “sem prejuízo de uma análise mais atenta da notificação”, a nota preliminar da AdC “será, no momento e locais próprios, alvo de contraditório e refutação por parte da ANL, bem como, se necessário, de escrutínio por parte das autoridades judiciais, estando a ANL ao inteiro dispor para o cabal esclarecimento da verdade”. Além disso, a associação lamenta que “a AdC, ao longo de uma investigação iniciada em fevereiro de 2022, não tenha, em qualquer momento, procurado obter junto da ANL esclarecimentos sobre os factos em questão”.

Em março de 2022, a AdC realizou diligências de busca e apreensão na sede das empresas visadas, em Lisboa e no Porto, com vista a investigar os indícios constantes do processo, revela o regulador.

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