O esforço de consolidação orçamental merece aplauso, mas falta “ambição e sentido de urgência” ao Orçamento do Estado (OE) para 2023 de forma a preparar o país para os desafios que aí vêm, de acordo com a análise da Associação Business Roundtable Portugal (ABRP) que junta 42 das maiores empresas portuguesas, incluindo os grupos Sonae, Jerónimo Martins, Galp, EDP, BCP, entre outros associados. E a associação avança com críticas à regulação nacional, que classifica como “pouco independente”.
“Saudamos a preocupação com a sustentabilidade das contas públicas e com a consideração de medidas positivas, mas entendemos que o conjunto das políticas públicas e, portanto, também o Orçamento, não refletem, na dimensão necessária, a ambição e o sentido de urgência de que o país precisa para potenciar o seu crescimento”, defende o grupo de empresas.
Segundo a análise comunicada esta quarta-feira, 30 de novembro, o OE “privilegia bem o caminho da redução do nível de endividamento do Estado e, portanto, reforça a sustentabilidade das contas públicas, especialmente se conjugarmos a evolução prevista para 2022 e para 2023”. Mas a associação defende que há ainda demasiada despesa pública fixa no Orçamento, que exige endividamento.
“As principais políticas", diz a associação sem especificar quais, "continuam a fomentar uma despesa pública elevada e demasiadamente rígida. Esta rigidez estrutural da despesa contribui para a necessidade de obter formas incrementais de financiamento por parte do Estado, com impacto negativo na competitividade, no investimento privado, e nos rendimentos das empresas e das famílias e, portanto, no potencial de desenvolvimento do país”.
A ABRP aplaude ainda o "alargamento do IRS Jovem, a concentração e simplificação de alguns incentivos fiscais e o alargamento do prazo de reporte de prejuízos para empresas”, e diz que o Orçamento poderia ser ainda mais ambicioso em outros pontos, como “o início do caminho de normalização para um enquadramento fiscal mais competitivo para as empresas portuguesas, designadamente com a redução gradual da derrama estadual”.
Majoração dos salários no IRC é “emaranhado de regras”
Entre as medidas cujo “mérito e alcance são questionáveis” está a revisão das taxas de retenção na fonte de IRS. “Apresentada como uma medida de redução de impostos, de facto apenas altera o momento em que o imposto é entregue ao Estado”, nota a ABRP, realçando que os efeitos concretos desta iniciativa são “pouco relevantes ou estruturais”. A medida implementa uma nova forma mais flexível de cobrar IRS na fonte em 2023, para limitar distorções no rendimento líquido mensal, em que os contribuintes acabavam por auferir menos apesar de aumentos salariais.
A mesma associação diz que os benefícios fiscais em sede de IRC, que preveem uma majoração de 50% para os aumentos salariais de pelo menos 5,1% no setor privado, têm na base um “emaranhado de regras e requisitos para aplicação”, que “não só limita de sobremaneira a sua aplicabilidade, colocando dúvidas sobre o seu efeito real de incentivar esses mesmos aumentos, como contribui para aumentar ainda mais a complexidade do sistema fiscal em vez de o simplificar.”
O verdadeiro incentivo para a subida dos salários - algo “que todos desejamos”, diz a associação - seria “se deixássemos de penalizar o sucesso e o crescimento das empresas, pois são as grandes empresas que, sendo mais produtivas, pagam melhores salários”.
“A taxa especial de IRC até 50.000 euros para as PME, corresponde a uma redução de 1000 euros nos impostos a pagar por cada empresa elegível – o que dificilmente se traduzirá numa redução relevante da carga fiscal sobre a criação de riqueza. E, por isso, mesmo medidas discriminatórias de acordo com a dimensão das empresas também falham o seu propósito de incentivar fiscalmente o crescimento do nosso tecido empresarial, objetivo que consideramos essencial para o desenvolvimento da economia portuguesa”, defende a ABRP.
“Necessária e urgente uma maior ambição”
A associação antecipa que os processos atuais de desglobalização - que pode trazer empresas para Portugal -, aliados aos abundantes fundos de programas como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e às características geográficas e naturais do País, poderão “permitir que Portugal adquira uma nova centralidade no contexto internacional”, segundo o documento.
A ABRP apela que o Estado dê “passos mais significativos, visíveis e concretos, a começar pela redução dos custos de contexto” para “posicionar Portugal em termos de atratividade face aos restantes países europeus, que são de facto parceiros e concorrentes”.
No documento, o grupo de empresas acusa ainda de serem pesos na competitividade nacional a justiça, a burocracia, e as entidades regulatórias portuguesas, com “uma regulação pouco independente”, que “não promove o investimento”, numa altura em que vários setores de atividade, como os seguros, as telecomunicações, a saúde, e a grande distribuição estão a ser alvo de intervenções regulatórias.
“Há duas décadas que se debate os diagnósticos, mas os problemas persistem ou tendem a agravar-se. Falta ação e sentido de urgência para a mudança. Portugal não pode continuar à espera”, diz a ABRP, que diz estar “disponível para contribuir para que este objetivo de crescimento e prosperidade seja concretizado. A bem de Portugal e dos portugueses”.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes