Países como Itália, Bélgica, Grécia e Polónia gostariam que a Comissão fosse mais longe na proposta e incluísse no mecanismo não apenas as transações feitas na plataforma TTF, mas também as transações bilaterais, algo que não está previsto.
O mecanismo de correção foi proposto formalmente pela Comissão Europeia esta terça-feira, depois de na semana passada ter circulado entre as representações dos Estados-membros uma versão preliminar muito similar ao desenho agora proposto.
Este mecanismo assenta na criação de um valor máximo para a transação de contratos mensais na plataforma holandesa TTF (Title Transfer Facility), que é uma referência nos mercados europeus de gás natural. Sendo atingido o valor máximo durante determinado período de tempo, os contratos transacionados ficam com o preço máximo congelado nesse limite.
A Comissão propôs que o mecanismo seja ativado de forma automática apenas se estiverem reunidas duas condições em simultâneo: que o preço desses contratos para o mês seguinte exceda os 275 euros por megawatt hora (MWh) durante pelo menos duas semanas; e que haja uma diferença de 58 euros por MWh entre o preço diário dos contratos TTF e o de um cabaz de preços internacionais de gás natural liquefeito, durante 10 dias.
Estas condições visam garantir que o mecanismo só é ativado em casos excepcionais (como o pico de preços dos contratos TTF na segunda quinzena de agosto), como forma de travar uma escalada das cotações do gás que servem de referência na Europa. Além disso, o facto de parte do mecanismo de ativação depender de um cabaz de preços internacionais de gás fará com que este instrumento não “desligue” a Europa da realidade de preços globais, afastando os agentes económicos do setor do gás.
“Faltava-nos uma ferramenta para estas situações”, declarou esta terça-feira a comissária europeia da energia, Kadri Simson, na apresentação da proposta, notando que “não é uma intervenção regulatória para fixar o preço do gás natural a um nível artificialmente baixo”, mas sim uma solução de último recurso.
E é uma solução feita a pensar num cenário de preços extraordinariamente elevados e persistentes na Europa, com uma diferença relevante para o resto do mercado internacional de gás natural liquefeito (GNL). Atualmente os contratos TTF estão a ser transacionados em torno de 120 euros por MWh. Um nível muito distante do pico de quase 350 euros por MWh do final de agosto.
O mecanismo aplicar-se-á somente às transações feitas no mercado organizado do TTF, deixando de fora as transações bilaterais à margem do mercado, o que foi assumido, pelos serviços da Comissão, como um possível risco de insucesso do instrumento, já que parte dos operadores pode tentar realizar mais negócios à margem da plataforma TTF. Ainda assim, muitas empresas de energia continuam a ter interesse em dispor de uma referência de preço europeia, pelo que dificilmente abandonariam de forma súbita este mercado.
Foi a pressão de países como Itália, Bélgica, Grécia e Polónia que terá levado a Comissão a finalmente apresentar uma proposta legislativa para um mecanismo de correção de preços. Até agora, o executivo comunitário tinha-se limitado a circular documentos de trabalho com os prós e contras. Ao que o Expresso apurou, havia a ameaça de que se não se avançasse com uma proposta legislativa para um limite ao preço do gás (mesmo que temporário e limitado), estes países travariam a aprovação de outros dois regulamentos que vão à mesa dos ministros da Energia na quinta-feira.
O que será discutido
Um dos regulamentos estabelece as regras para as aquisições conjuntas de gás, mas também as condições para a partilha de gás entre Estados Membros em caso de emergência ou falha num dos 27. Está praticamente fechado e deverá ter luz verde final nos ministros. A aquisição conjunta será voluntária. Os países não são obrigados a participar, mas se quiserem fazê-lo, as empresas participantes terão de estar dispostas a comprar pelos menos o equivalente a 15% do armazenamento nacional.
O outro regulamento que deverá ser aprovado servirá para acelerar a implantação das energias renováveis. Quanto à aprovação do mecanismo de correção de preços deverá ser empurrada para a frente e já se fala na convocação de um novo Conselho de ministros da energia extraordinário em dezembro, com o objetivo de ter o mecanismo operacional no início do ano.
No entanto, a sua ativação não é automática com a entrada em vigor do Regulamento, dependendo do cumprimento do duplo critério acima referido.
Apesar da crença da Comissão de que este mecanismo responde ao problema dos preços excessivos do gás, nem todos os países estão confortáveis com a medida. A Alemanha, Países Baixos, Dinamarca, Hungria e Áustria querem ver garantidas todas as salvaguardas caso o mecanismo venha a ser alguma vez ativado. Estão preocupados com a livre circulação de gás entre Estados Membros, a segurança do abastecimento e a garantia de que os países fazem o que devem para cumprirem a redução do consumo de gás.
O braço de ferro entre países será maior ou menor consoante o teto que a comissão vier a estabelecer para as aquisições de gás.
Fora da mesa continua a ideia de criar um quadro temporário para limitar o preço do gás para a produção de eletricidade (adaptando o mecanismo ibérico ao resto da UE) e assim deverá continuar. Não só não hà vontade da Comissão para avançar nesse sentido (tem defendido que há muitos contras), como, ao que o Expresso apurou, há também menos países a insistir nessa ideia.
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