Energia: Abandono do MidCat a favor do BarMar 'enterra' investimento espanhol de €3,5 mil milhões
Até agora, ninguém a nível político pediu a mais pequena explicação para esta renúncia, nem exigiu responsabilidades pelo investimento desperdiçado
Até agora, ninguém a nível político pediu a mais pequena explicação para esta renúncia, nem exigiu responsabilidades pelo investimento desperdiçado
Ángel Luis De La Calle, correspondente em Madrid
Adeus para sempre a um investimento de 3,5 mil milhões de euros. A decisão conjunta de Portugal, França e Espanha de resolver as interconexões energéticas entre a Península Ibérica e a Europa Central através de um "corredor de energia verde", sob a forma de um tubo submarino entre Barcelona e Marselha (BarMar) enterra literalmente quinze anos de despesas e esforços espanhóis que agora se esfumam.
O MidCat, um projeto que começou a ser concebido em 2007 para resolver o eterno isolamento de Espanha e Portugal do resto do continente em termos de fornecimento de eletricidade e gás, foi enterrado sob o peso do BarMar, acordado há menos de uma semana em Bruxelas por António Costa, Emanuel Macron e Pedro Sánchez. O impulso definitivo e os detalhes técnicos básicos do projeto serão conhecidos no dia 9 de dezembro na cimeira Euromed a realizar em Alicante. Os acordos de financiamento, que se espera que venham de fundos da União Europeia, serão também clarificados nessa altura.
Até agora, ninguém a nível político pediu a mais pequena explicação para esta renúncia, nem exigiu responsabilidades pelo investimento desperdiçado, implícito no abandono do gasoduto dos Pirenéus, defendido até há muito pouco tempo pelas autoridades espanholas como uma "solução ótima". Além disso, as autoridades governamentais demonstraram publicamente grande satisfação em relação ao acordo tripartido "que resolve, de forma coerente e consistente", o compromisso da União Europeia de promover uma transição de energia verde, para além de ser uma solução "solidária e europeia", de acordo com o gabinete do porta-voz do governo espanhol.
Ao contrário de Portugal, nenhum partido político, nem mesmo o principal partido da oposição, o Partido Popular (PP, centro-direita), se queixou de um dispêndio tão grande como inútil de dinheiro público. É verdade que os dois principais grupos políticos espanhóis, o agora governante Partido Socialista dos Trabalhadores Espanholes (PSOE, centro-esquerda) e o PP, partilham responsabilidades pelo projeto. Foi concebido em 2007 durante o mandato do socialista José Luis Rodríguez Zapatero e foi promovido a partir de 2014, sob a presidência do conservador Mariano Rajoy. Do MidCat planeado, estão hoje construídos – e não utilizados - 94 quilómetros do total dos 330 concebidos para chegar à cidade francesa de Carcassonne através dos Pirenéus. O governo catalão pró-independência, em particular, tem sido muito favorável ao BarMar, que, segundo o presidente da Generalitat (governo autonómico), Pere Aragonés, "reforça o papel estratégico da Catalunha no novo mapa energético europeu".
De facto, a capital catalã, de onde partirá a rede de tubos submarinos que chegarão a Marselha depois de percorrerem uma distância de 360 quilómetros, tem na sua área metropolitana a principal instalação de regaseificação da Península e o maior tanque de armazenamento espanhol de GNL (gás natural liquefeito, que chega através de navios metaneiros). Marselha alberga o complexo Foss-sur-Mer, um importante centro de distribuição para o resto da Europa.
Meios de comunicação social tão distanciados nas suas abordagens ideológicas como "El País" e "El Mundo" coincidiram nos seus elogios ao projeto. O primeiro, que é progressista, salientava num editorial no passado dia 21 que o compromisso de desenvolver o BarMar "reúne virtudes tipicamente europeias, no melhor sentido da expressão: ninguém sai derrotado e a Europa avança. Sánchez e Costa cumprem o objetivo de quebrar o isolamento energético da Península" (...) "Macron aceitou finalmente os argumentos ibéricos e encorajou as perspetivas do hidrogénio verde, apesar de a França ser um país que historicamente tem protegido a sua indústria nuclear". Por seu lado, o conservador "El Mundo" também saudou o pacto na sua página de opinião: "O acordo alcançado por Sánchez, Costa e Macron para multiplicar as ligações entre a Península Ibérica e o resto do continente é uma alternativa [ao MidCat] que em princípio soa bem ".
A única voz discordante veio de organizações relacionadas com a conservação ambiental. O projeto de gasoduto submarino para transportar hidrogénio verde e, excecionalmente, gás natural, "representa um impedimento para a uma transição energética justa; é uma lavagem verde para a indústria do gás; e bloqueia fundos que deveriam ser canalizados para soluções reais que já podem ser implementadas", subscrevem num comunicado conjunto a WWF, a Greenpeace e a Ecologistas en acción.
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