Depois de uma semana em que traçou um cenário dramático para a economia mundial, Kristalina Georgieva fechou a semana da assembleia anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) com uma nota positiva, que contagiou a audiência: "Sou notoriamente otimista”, afirmou a diretora-geral da organização.
O otimismo da búlgara arrancou uma salva prolongada de palmas da audiência quando garantiu, em tom voluntarioso, que “podemos lidar com as dificuldades” e contagiou à força os outros membros do painel que acabaram por alinhar no tom quando questionados insistentemente pelo moderador, a ‘estrela’ da CNN Richard Quest.
O fecho otimista protagonizado por Georgieva surge depois de uma semana em que o FMI divulgou números dramáticos.
Do “pior está para vir”… para o otimismo
Uma massa de 345 milhões de pessoas no mundo passam fome extrema. Uma percentagem de 60% das economias pobres estão em stresse de dívida ou perto dele. Os economistas do Fundo viram-se obrigados a cortar o crescimento mundial para 2,7% em 2023 (abaixo da linha vermelha dos 3%) e a admitir um cenário pessimista abaixo de 2% se os fatores de risco se agravarem, como, por exemplo, a escalada na guerra na Europa Oriental, o agravamento da crise energética e um efeito global recessivo do que alguns economistas chamam de “sincronia destrutiva” na vaga de subida das taxas pelos bancos centrais.
Num tom dramático, o economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier Gourinchas, disse, durante a semana, que “o pior está para vir” e que “uma grande parte das pessoas vai sentir 2023 como uma recessão” na sua vida
Recorde-se que, num tom dramático, o economista-chefe, Pierre-Olivier Gourinchas, disse, durante a semana, que “o pior está para vir” e que “uma grande parte das pessoas vai sentir 2023 como uma recessão” na sua vida, mesmo que as previsões macro não apontem para uma quebra do PIB mundial. No cenário-base, o próprio PIB per capita vai crescer muito menos no próximo ano do que a economia mundial: 1,6% em relação a 2,7%.
O quadro global, mesmo na análise da diretora-geral do FMI, vai estar marcado “por mais choques externos exógenos e maior fragmentação”. O FMI fala de “pressões para uma fragmentação geoeconómica”, de múltiplas crises que se sucedem e sobrepõem desde a pandemia em 2020, do risco de escalada de guerra (a que se tem juntado a retórica da guerra nuclear) e até, para fechar o ramalhete, dos riscos de crises de dívida em economias emergentes e pobres devido ao dólar forte e à escalada das taxas de juros dos bancos centrais, e de “acidentes financeiros” que espoletam crises cambiais (de que o caso britânico com o novo governo de Liz Truss passa a ser de antologia).
No painel, o economista Mohamed Aly El-Erian, presidente do Queens' College, em Cambridge, e economista-chefe da Allianz, confessou-se “preocupado”. O caso britânico derivou de “um erro político que os mercados puniram". Revelou a situação crítica dos fundos de pensões, de um sector financeiro apelidado de ‘sombra’ por muitos economistas, e que acabou por ter de ser ‘salvo’ pelo Banco de Inglaterra (BoE). O BoE regressou às compras de títulos (sobretudo de muito longo prazo) numa série de leilões de 28 de setembro até esta sexta-feira. O envelope aprovado para a intervenção foi de 65 mil milhões de libras (75 mil milhões de euros). Esta sexta-feira, no dia de fecho do período de leilões, o total alocado era de, apenas, 19,26 mil milhões de libras (22 mil milhões de euros), segundo o BoE. A libra levantou-se um pouco face ao dólar depois da intervenção do BoE, mas a depreciação desde a tomada de posse de Liz Truss soma 1,6%. A 26 de setembro - três dias depois do anúncio do choque fiscal pelo ministro das Finanças Kwasi Kwarteng (que, entretanto, se demitiu esta sexta-feira) - , a libra caiu quase para a paridade com o dólar, um mínimo histórico. Os juros das obrigações a 30 anos subiram de 3,38% no dia da tomada de posse de Truss para 4,4% esta sexta-feira. Chegaram a um pico de mais de 5% na quinta-feira.
O caso britânico derivou de “um erro político que os mercados puniram", disse o economista El-Erian no painel de debate sobre a economia global promovido pelo FMI
Outras crises cambiais, entretanto, marcaram a semana da assembleia do Fundo. O dólar atingiu um máximo histórico de 147,45 ienes esta sexta-feira. É a pior situação da divisa nipónica em 32 anos. A rupia indiana registou, esta semana, o pior momento desde 1973. O dólar chegou a cambiar-se perto de 83 ienes.
Contudo, Georgieva está convencida de duas coisas: os decisores estão hoje “mais preparados” para enfrentar o “impensável” e o FMI, que ela dirige, é o instrumento “anticíclico” por excelência para acudir aos mais aflitos. A diretora-geral adiantou que o Fundo já avançou com 360 mil milhões de dólares (cerca de 370 mil milhões de euros) para esse fim.
A difícil ginástica entre o orçamento e os bancos centrais
Georgieva mostrou-se, também, otimista na estabilização de uma “sincronia” entre as políticas orçamentais dos governos (que têm de acudir a um disparo do custo de vida e a um aumento do gasto militar) e a política monetária que está num ciclo de aperto agressivo.
Uma das recomendações do FMI, este ano, sobretudo no Fiscal Monitor, coordenado pelo português Vítor Gaspar (o ex-ministro das Finanças dos tempos da troika), é que os governos não contrariem o aperto monetário. Não tomem medidas de gasto público que sabotem a subida dos juros pelos bancos centrais (que encarecem o crédito).
“Quando a política monetária trava, a política orçamental não deve meter o pé no acelerador”, resumiu a diretora-geral do FMI no painel. Mas ela admite que o equilíbrio não é fácil. Mas, em mais uma dose de otimismo, assegurou que “podemos lidar” com essa dificuldade.
“Quando a política monetária trava, a política orçamental não deve meter o pé no acelerador”, resumiu a diretora-geral do FMI
Este ano, os bancos centrais já tomaram 288 decisões de subida das taxas. Mais de duas vezes e meia do que no ano anterior. Apenas quatro bancos centrais têm estado a cortar taxas: China, Turquia e sobretudo Rússia e Usbequistão. No caso de um banco central dos mais importantes, o Banco do Japão, a equipa que o dirige não mexe na taxa negativa que tem desde 2016, mesmo com uma crise cambial às costas. Nas economias desenvolvidas destacou-se o Banco central da Suécia que, em setembro, subiu em 100 pontos-base (1 ponto percentual) a taxa diretora, o que, até à data, nem a Reserva Federal norte-americana, nem o Banco de Inglaterra, nem o Banco Central Europeu fizeram.
Até final de outubro, há a destacar as reuniões dos bancos centrais da Turquia (que cortou a taxa em 1 ponto percentual em setembro), do Brasil (que fez uma pausa nas subidas em setembro), da Zona Euro (esperando-se uma nova subida de 75 pontos-base), do Japão e da Rússia (que cortou mais meio ponto percentual em setembro).
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