Economia

Mais qualificadas, mas ganham menos e são mais precárias: o retrato das mulheres no emprego em Portugal

Getty Images
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No final do mês, feitas as contas, as mulheres recebiam menos 17,2% que os homens segundo dados de 2019. Quanto mais alto é o cargo na empresa, maior é a diferença salarial

As desigualdades entre homens e mulheres têm vindo a diminuir ao longo dos anos, mas ainda estão bem presentes no mercado de trabalho, quer seja a nível salarial, quer seja na própria presença no mercado de trabalho. As mulheres representavam quase metade do emprego em Portugal em 2021, são mais qualificadas, mas têm mais contratos precários, têm uma maior taxa de desemprego e ganham, em média, menos que os homens.

A taxa de atividade, que inclui empregados e desempregados, em 2021 era mais elevada nos homens que nas mulheres (63,6% e 55,3%, respetivamente) – tendência verificada nos últimos anos. Porém, a diferença tem vindo a estreitar-se, uma vez que de ano para ano esta taxa aumenta nas mulheres.

Dentro da população empregada, tal como na taxa de atividade, há mais homens que mulheres, sendo assim a taxa de emprego mais alta nos homens (51,5% nas mulheres e 59,7% nos homens). O oposto acontece quando falamos no desemprego – é mais elevado nas mulheres (6,3% nos homens face a 6,9% entre as mulheres).

Mas não é só no emprego e desemprego que se mede as diferenças entre sexos. Afinal, dentro dos empregados as condições no emprego são diferentes para ambos. Por exemplo, há mais mulheres a trabalhar por conta de outrem do que homens e o inverso no que diz respeito a trabalhadores por conta própria. E dentro dos trabalhadores por conta de outrem as desigualdades continuam: em 2021, 17,1% das mulheres trabalhadoras por conta de outrem tinham um contrato precário (contratos a termo ou outras situações, como contratos de prestação de serviços), o que comparava com 16,8% dos homens trabalhadores por conta de outrem.

Além disso, há mais mulheres a tempo parcial que homens, mas a percentagem desceu para menos de 10% pela primeira vez na série (que se iniciou em 2011).

Todas estas condições são piores que as dos homens apesar de as mulheres serem mais qualificadas a nível de habilitações. No ano passado, entre as mulheres que se encontravam no mercado de trabalho 41,4% tinha formação de ensino superior, o que compara com 26,4% nos homens.

Como disse ao Expresso Sara Falcão Casaca, investigadora e professora do ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa), “nem as qualificações protegem as mulheres” no mercado de trabalho, pois continuam a sentir as desigualdades estruturais que já se faziam sentir antes da pandemia.

Quanto mais alto o cargo, maior é a desigualdade

As desigualdades são sentidas também nas profissões a que as mulheres têm acesso – e consequentemente no salário que chega a casa no final do mês. De acordo com a especialista, há uma “segregação sexual, estando as mulheres mais concentradas nas profissões onde as remunerações são mais baixas”.

Os números comprovam: em 2021, as mulheres representavam 68% dos trabalhadores não qualificados (por exemplo, trabalhadores de limpeza, assistentes na preparação de refeições, vendedores ambulantes, entre outros), 66,2% do pessoal administrativo e 64,9% dos trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores.

Por outro lado, as mulheres representam 60% dos especialistas das atividades intelectuais e científicas (física, matemática, engenharia, finanças, relações públicas, professores, profissionais de saúde, entre outros), mostrando assim, mais uma vez, as elevadas habilitações das mulheres.

Apesar das elevadas habilitações, as mulheres não deixam de ganhar menos que os homens. Tendo em conta o ganho médio mensal, ou seja, a remuneração base mais subsídios e outros tipos de prémios, as mulheres ganhavam, em média, menos 17,2% que os homens em 2019. Isto é, os homens ganhavam em média 1.209 euros e as mulheres 1.087 (menos 122 euros), segundo dados dos Quadros de Pessoal do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social de 2019.

A diferença é maior do que se contássemos apenas com a remuneração base, pois além das “profissões tradicionalmente masculinas tenderem a receber mais, os homens tendem a fazer mais horas extra e mais horas noturnas” e têm ainda “subsídios associados aos cargos de gestão mais elevados”, explicou Sara Falcão Casaca. O facto de as mulheres estarem menos disponíveis para fazer horas extra por tenderem a acumular tarefas domésticas pode também ser uma explicação, como mostrou um estudo da CGTP em março do ano passado.

A diferença salarial média, pode ser também influenciada pelo facto de as mulheres terem mais tendência a receber o salário mínimo nacional do que os homens. Segundo um relatório do GEP, em junho de 2021, 27% das mulheres recebia o ordenado mínimo, o que compara com 22,6% dos homens.

De acordo com o relatório, “tem havido um decréscimo da distância relativa entre a proporção de mulheres e homens abrangidos pela RMMG [remuneração mínima mensal garantida, ou seja, o salário mínimo] no período recente”. Contudo, houve uma oscilação em 2020, “que resultou do efeito da pandemia no mercado de trabalho”.

Não só com o salário mínimo observamos a diferença entre sexos. A disparidade salarial vai aumentando à medida que se vai subindo nos quadros da empresa, mostram os dados dos Quadros de Pessoal do GEP. Por exemplo, se nos profissionais não qualificados as mulheres ganham, em média, menos 10,7%, nos quadros superiores (pessoas tendencialmente com mais responsabilidades, como pessoas com funções de definição da política geral da empresa ou funções consultivas na mesma, entre outros) a diferença é de 26,5%. Isto, apesar de as mulheres serem, em média, mais qualificadas a nível de habilitações.

A professora do ISEG notou, contudo, que “quanto menores são as remunerações, há menos margem para haver diferença” nos ordenados entre homens e mulheres.

Mas apesar de todos os fatores que influenciam que os homens ganhem mais – as horas extra, os subsídios, os cargos mais elevados - “há uma componente que não conseguimos explicar”, confessou Sara Casaca, reconhecendo que a falta de explicação possível sugere que há discriminação estrutural.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: rrrosa@expresso.impresa.pt

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