17 fevereiro 2022 18:40
Foto: Getty Images
Na frente política a corda continua a esticar. Nos negócios o ambiente entre os empresários portugueses é de “atenção tranquila”, mas também já se fala em vias alternativas para ultrapassar eventuais boicotes ou sanções
17 fevereiro 2022 18:40
Entre os avanços e recuos no conflito que opõe a Rússia à Ucrânia, os empresários portugueses estão cada vez mais atentos às notícias que chegam do Leste europeu e vão multiplicando contactos com os seus parceiros locais para irem medindo a tensão no terreno.
“É que entre as notícias que vemos e lemos aqui e o que nos dizem do lado de lá as diferenças são muitas”, afirma Casimiro Alves, presidente da Vercoop – União das Adegas Cooperativas da Região dos Vinhos Verdes, que tem na Rússia um dos seus principais mercados de exportação.
Juntando sete adegas cooperativas e 3 mil produtores, a Vercoop vende à Rússia mais de um milhão de garrafas de vinhos premium de castas como Loureiro, Alvarinho ou Azal. “Exportamos 30% do que produzimos e temos um terço das vendas no mercado externo na Rússia”, refere o gestor de uma das primeiras empresas a vender vinho na Rússia.
Os contactos deixam-no “tranquilo, pelo menos de momento”. Admite que sanções ou um embargo “tornariam tudo muito difícil”, mas até ver sempre que questiona os clientes sobre o cenário de guerra recebe como resposta “gargalhadas de incredulidade” e hipóteses de cenários alternativos via Cazaquistão ou Bielorrússia em caso de embargos ou boicotes.
A questão estatística
Na lista dos principais mercados de vinhos portugueses, a Rússia fica apenas na 17ª posição, com compras de 10 millhões de euros e um crescimento de 34,5% face a 2020, mas Manuel Pinheiro, presidente da CVRVV – Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, admite que este é um destino “muito importante para os vinhos portugueses, em franco crescimento, o que justifica toda a atenção ao conflito e a eventuais impactos no sistema de pagamentos, apesar de os efeitos práticos, até ao momento, serem nulos”.
E explica: “Algumas das nossas empresas têm na Rússia um dos seus principais mercados, mas no ranking das exportações, o país não aparece em grande destaque, porque muito do vinho que se vende para lá segue através de empresas de outros países, designadamente de Chipre”.
Casimiro Alves admite estranhar as estatísticas oficiais, considerando apenas as suas próprias vendas. Admite que quase tudo segue via Estónia para receber estampilhas fiscais, mas garante que os documentos vão diretamente para a Rússia e é esse o destino declarado das suas exportações.
Na Quinta da Lixa, que exporta 52% do que produz e tem na Rússia 15% das vendas, o ambiente também é de “atenção tranquila”, como resume o empresário Óscar Meireles. “Estamos a falar de um dos nossos principais mercados já há 15 anos, de um país que compra cada vez mais, paga um preço médio por garrafa acima da média e até vinhão já compra, mas que também tem peso no nosso enoturismo”, sublinha Óscar Meireles, que no seu hotel Monverde já recebeu um evento de arquitetos russos.
Com o peso do nono país mais populoso do mundo e do 5º maior PIB da Europa, a Rússia absorve cerca de 0,3% das exportações lusas e é o 34º cliente nacional, tendo comprado a Portugal 178 milhões de euros em 2021, mais 0,6% que no ano anterior, com destaque para a cortiça, máquinas, produtos de origem animal, calçado e mobiliário.
Manter investimentos
Entre as empresas que mais vendem no mercado russo pontuam nomes como a Bosch Termotecnologia, Sogrape, Oli, Sedacor, Simoldes ou Nestlé. E, numa breve ronda por algumas destas empresas no início do mês, para o Expresso, era visível que o ambiente geral nos negócios era tranquilo, em contraste claro com a agitação política.
A Oli, especializada em autoclismos, com uma fábrica no país onde vai concretizar um investimento de 750 mil euros para aumentar a capacidade de produção em 30%, reitera manter os projetos no país, onde continua a ver “um mercado interessante e com bom potencial”, certa de que mesmo num cenário de guerra, se Moscovo ficar isolado “será uma vantagem estar a produzir lá”.
Quanto à Ucrânia, um mercado que absorveu 35,8 milhões de euros de compras a Portugal (+16,7%) face ao período homólogo, a lista de produtos mais vendidos no país é semelhante à da Rússia, tal como a das empresas presentes, mas inclui a The Navigator, a Fapomed ou a Amorim Cork.
Saldo negativo
Olhando para a balança comercial, Portugal perde claramente nos dois casos. O saldo com a Rússia em 2021 foi negativo em 889 milhões de euros e, no caso da Ucrânia, apresenta um valor negativo de 260 milhões de euros, mostram os números do INE – Instituto Nacional de Estatística.
O que explica este desequilíbrio que também pode penalizar Portugal em caso de conflito? As compras de combustíveis, ferro, peixes e crustáceos à Rússia, assim como de cereais, ferro e gorduras animais à Ucrânia.