Economia

“Políticas públicas não estimulam poupança”

Renascer na reforma: especialistas defendem que poupar é uma forma de garantir a qualidade de vida e o futuro
Renascer na reforma: especialistas defendem que poupar é uma forma de garantir a qualidade de vida e o futuro
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Projetos Expresso. Rendimentos A frase é do ex-ministro do Trabalho e Segurança Social, Bagão Félix, que considera a poupança uma variável económica ignorada pelos políticos. Qual o futuro das nossas reformas?

André Rito

Em 2019, a taxa de poupança em Portugal era de 6,7%. Isto significa que, por cada €100 de rendimento disponível, as famílias portuguesas poupavam €6,70. Trata-se do número mais baixo da última década — e que reforçou a tendência de redução das poupanças, verificada a partir de 2013. Foi nestas circunstâncias que a maioria dos portugueses enfrentaram os primeiros tempos de pandemia: confinados em casa, com as poupanças no mínimo.

“Mas há um dado curioso”, começa por observar Pedro Mota Soares, ex- -ministro da Segurança Social, que teve a pasta durante o tempo de resgate financeiro. “No primeiro trimestre deste ano houve um aumento da poupança, já em período de pandemia. É um dado conjuntural, teve a ver com o facto de não haver consumo, mas também significa que os portugueses estão preocupados com o futuro”, afirma o ex-ministro.

Apesar dessa “preocupação”, os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), revelados em abril, mostram que o património financeiro das famílias cresceu apenas €3,4 mil milhões, equivalente a 1,6% do PIB nacional. E que durante a pandemia a taxa de poupança teve um aumento de seis décimas, para os 7,4%. Num cenário de crise, com a economia no chão e perante uma crise sanitária imprevisível, como poderão as famílias proteger-se e preparar-se para um futuro incerto?

“Só temos poupanças para aguentar cinco meses”

“Uma crise é sempre social. A primeira coisa que uma pandemia destas nos faz refletir é sobre a necessidade de as famílias terem as suas poupanças. Um estudo recente diz que as famílias portuguesas só têm poupanças para aguentar cinco meses, temos de pensar é sobre a necessidade de termos acumulado rendimentos que nos permitam fazer face a períodos transitórios”, afirma Mota Soares, revelando que o impacto será tão maior quanto menor for o rendimento disponível, “sobretudo para os portugueses que estão perto da reforma”.

Especialistas defendem que a poupança tem sido negligenciada. Em 2018, por exemplo, o país bateu recordes de consumo privado, com os gastos das famílias — casa, contas, automóvel, prestações — a atingirem €129.094,1 milhões. No sentido inverso, a poupança foi emagrecendo de forma progressiva. “As políticas públicas não estimulam a poupança”, afirma o ex-ministro do Trabalho e Segurança Social, Bagão Félix, considerando que “tem sido a variável macroeconómica mais posta de lado”. “Mesmo no que respeita às famílias, do ponto de vista do investimento, não existem grandes incentivos fiscais. O que temos vindo a assistir nos últimos anos é a um fascínio pelo consumo e endividamento.”

Pé de meia

Poupar requer esforço, dedicação, método e conhecimento. E é precisamente sobre a falta de informação que associações ligadas ao sector social têm vindo a alertar. A Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP), por exemplo, vai lançar brevemente uma campanha sobre o tema, estimulando a literacia financeira — até porque o programa atual do Governo não tem propostas para promover a disciplina dos gastos dos consumidores.

“Achamos que devia haver um empenho maior das autoridades na promoção da poupança, algo que sempre tentámos incentivar. Neste momento, estamos alinhados com vários programas e ideias para chamar a atenção da população para a importância de acumular rendimentos, seja para fazer face a uma crise ou para tirar um curso, garantir a reforma”, diz ao Expresso o diretor da APFIPP, João Pratas, ainda que o momento seja de contraciclo. “Nesta altura, é particularmente difícil, porque há uma enorme necessidade de consumo para relançar a economia, mas trata-se de um problema conjuntural.”

Correia de Campos, ex-ministro da Saúde e ex-presidente do Conselho Económico e Social, considera que “faz sentido e é positivo aumentar a literacia financeira”, mas o fator essencial é outro: as retribuições dos investimentos. Considerando que “a poupança é essencial para o investimento”, o ex-ministro acrescenta ainda a variável do emprego como das mais relevantes para a qualidade de vida, futuro da economia e poupança. “A grande preocupação dos decisores políticos deve ser sustentar o emprego, mantê-lo, para relançar a economia.” Trata-se, igualmente, de uma questão cultural. “Nós, portugueses, já fomos mais precavidos na poupança. Os alemães têm uma cultura de economizar. Mas estamos a falar de países onde a poupança depende da taxa de juro. Se os juros não resultarem em remunerações atrativas, se a Bolsa está parada, em perda, como é possível as pessoas pouparem?”, questiona ainda o ex- -ministro.

“Quando a inflação é baixa, e quando existe alguma retribuição, ainda que baixa, da poupança, as pessoas tendem a poupar. A poupança está ligada à capacidade de gerar taxas de juro interessantes. Neste momento, essas taxas são negativas, porque o Banco Central Europeu precisa de as manter assim, para relançar as economias”, afirma Correia de Campos, lembrando a importância de diversificar o investimento. “É a forma mais eficaz de reduzir o risco.”

Apesar disso, a realidade é que a grande maioria dos portugueses investe de forma conservadora em produtos bancários tradicionais. Uma parte significativa continua a ficar em numerário e depósitos bancários, de baixa remuneração mas de resgate mais simples, em situações de emergência. Aliás, para fazer frente à pandemia, o Governo criou um regime especial para permitir o resgate de Planos de Poupança Reforma sem penalizações. Mota Soares considerou a medida arriscada: “As pessoas que não têm rendimento precisam de ir às suas fontes de poupança, vão tirar do dinheiro que estava guardado. A consequência é que vão sacrificar uma parte do seu futuro.”

Poupanças

44%
é a percentagem de poupanças acumuladas pelos portugueses em numerário e depósitos bancários. Segundo o INE, este valor ultrapassa os €193 mil milhões

3,4
mil milhões de euros foi quanto os portugueses pouparam o ano passado. Um valor que equivale a 1,6% do PIB nacional

6,7%
foi a taxa de poupança com que Portugal terminou 2019. Um número muito abaixo do de países como Alemanha, cujos trabalhadores poupam em média 20% do salário

438
euros foi, em média, quanto os portugueses que tinham Planos de Poupança Reforma resgataram para fazer face à pandemia. Foi criado um regime especial para que não houvesse penalização

30%
das poupanças dos portugueses — aproximadamente €129 mil milhões — estão aplicados em ações e participações em fundos de investimento

Como preparar a reforma? Literacia financeira

Ainda sem forma de medir o impacto da pandemia no bolso dos portugueses, dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que a covid-19 não podia ter chegado em pior altura: 2019 foi o ano em que as famílias construíram a mais curta almofada financeira da última década. A tendência de redução não é de agora, mas atingiu no ano passado o pior registo desde 2008: os particulares só conseguiram acrescentar ao seu património financeiro, em termos líquidos, mais €3,4 mil milhões, equivalente a 1,6% do PIB nacional. “Em termos gerais, as duas ideias que caracterizam a poupança dos portugueses é que são pouco elevadas e muito concentradas numa forma específica”, diz João Pratas, presidente da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP). “Investem sobretudo em depósitos, em vez de haver uma maior diversidade nos produtos financeiros, como fundos de investimento”, acrescenta, focando o problema na geração que está a poucos anos da reforma. “Se a crise se adensar terá um impacto grande na geração que está a 15 anos da reforma. É por isso que defendemos uma maior literacia financeira. As autoridades deviam apostar mais na promoção da poupança, para preparar a reforma.”

Textos originalmente publicados no Expresso de 18 de julho de 2020

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