Economia

É difícil preparar o futuro numa pandemia

20 abril 2020 13:02

André Rito

getty

Projetos Expresso. Recuperação. O surto provocado pelo vírus da covid-19 deixou Portugal à beira de uma nova crise. Ultrapassado o confinamento e resolvido o problema sanitário, será tempo de recuperar a economia e de retomar a normalidade possível. Mas os desafios são enormes, na saúde, educação, reforma e qualidade de vida. Estas são as previsões de quatro especialistas

20 abril 2020 13:02

André Rito

Dez anos. O tempo que Portugal precisou para se erguer da crise de 2008. Após o anúncio do resgate financeiro, o país emagreceu, os salários e subsídios foram cortados, os feriados abolidos e o desemprego disparou. Uma nova palavra surgiu no léxico português: austeridade. Dizem os economistas que as crises são cíclicas, mas com Portugal no centro do mundo, o turismo e as exportações a alavancarem a economia, nem os mais pessimistas poderiam prever um retrocesso destes: o país está confinado e a economia praticamente parada. Que futuro nos espera? Este será o tema do ciclo de quatro conferências organizado pelo Expresso e Banco Santander. Intitulado “Preparar o Futuro”, a ideia é refletir sobre os caminhos a traçar, nomeadamente no período pós-pandemia. Na saúde, educação, segurança social, finanças, reformas, a recuperação vai exigir novos sacrifícios de uma população que mal teve tempo para se recompor do embate de 2008.

“A crise vai ter imenso impacto. Mais desemprego, perdas no acesso ao sistema educativo, bloqueios nas carreiras individuais, vai ser muito difícil vencer”, diz ao Expresso António Correia de Campos, presidente do Fórum Económico Social. O ex- -ministro da Saúde acredita que o “descongelamento” das medidas de contenção será progressivo. Mas os efeitos do surto já se sentem na economia. E os números avassaladores: 931 mil trabalhadores abrangidos pelo novo regime de lay-off simplificado e uma subida do desemprego para os 10%. “Vai ser difícil arrancar. Dependemos em 70% da Europa e o turismo, que tem sido o nosso grande motor, demora a regressar. As garantias de segurança não produzem efeitos imediatos.”

Educação
“Telescola? Solução de recurso”

getty

Com milhares de alunos em casa, a tecnologia — tal como a telescola — passou a ser uma solução em tempos de pandemia. Mas Nuno Crato, ex-ministro da Educação, acredita que o confinamento servirá para também desmistificar a ideia de que o recurso “preferencial” a plataformas digitais iria contribuir para a melhoria do ensino, “que passaria a ser mais dinâmico e centrado no aluno, mais bem adaptado ao ritmo de cada estudante”. “Verificamos que essas eram teorias românticas, que se revelaram ilusões. Hoje, todos sonhamos com aulas presenciais, com professores reais e diálogos diretos — olhos nos olhos.” O atual presidente da Fundação Iniciativa Educação defende que estas ferramentas são “imprescindíveis” no atual momento, mas não deixarão de ser “soluções de recurso e auxiliares”. “Espero que se consiga regressar ao modelo de aulas presenciais e contactos diretos. Estaremos mais bem preparados para utilizar plataformas digitais e outras, mas que voltem a ser apenas um complemento. O grande desafio será ter um processo de formação, seleção e acompanhamento de professores que permita virmos a ter os novos professores de que precisamos quando a atual geração se reformar.”

Saúde
Voltar ao médico de família

getty

O futuro está condicionado pelo coronavírus e pela curva portuguesa, tão elogiada a nível internacional. Se as medidas de contenção foram tomadas na altura certa — por agora os números da doença não sobrecarregaram o SNS —, o futuro da Saúde e os efeitos da pandemia no sector estão nas mãos da ciência e dos investigadores. Trata-se de questão de tempo. “Vai depender crucialmente de se conseguir ou um tratamento eficaz ou uma vacina para a covid-19 e quando é que se vai conseguir. A atual situação de emergência no sistema de saúde e no país em geral não poderá permanecer muitos meses, e é por isso muito complicado antecipar o que possam ser os próximos dois anos”, diz ao Expresso o professor catedrático de Economia na Universidade Nova de Lisboa, Pedro Pita Barros. “A preocupação com a componente financeira passará para segundo plano, e o ajustamento a um novo modo de funcionamento terá de ocorrer (formas de atendimento para evitar contágio, como telemedicina, por exemplo). O papel dos médicos de família deverá (re)afirmar-se como a principal linha de contacto da população com o SNS.”

Reforma
“A austeridade não é uma escolha”

getty

António Costa anunciou em 2019 no plenário que a sustentabilidade da Segurança Social tinha sido alargada “em mais 22 anos”. “Hoje estamos confrontados com uma realidade bem diferente”, afirma Pedro Mota Soares, ex-ministro da Segurança Social. “Temos 900 mil trabalhadores em lay-off e 360 mil no desemprego. Significa um peso enorme para a Segurança Social”, afirma, seguindo a lógica do “elevador”. “Num cenário de crescimento económico, a despesa diminui e a receita sobe. Em crise, inverte-se: a receita cai a pique e a despesa dispara, nomeadamente a que está associada a subsídio de desemprego.” Ou seja, os 22 anos previstos pelo primeiro-ministro, desapareceram em três semanas de confinamento. “Na Assembleia da República não há consenso que permita fazer uma reforma estrutural da Segurança Social, que seria sempre preferível num cenário de crescimento económico do que em crise.” A solução passará por medidas de austeridade? O exministro prefere que os “os mecanismos de solidariedade europeus funcionem”. “Desse ponto de vista, espero que as coisas sejam diferentes de 2008. A austeridade não é uma escolha, é o que resta quando não há dinheiro.”

Qualidade de vida
Dia D tem de vir depressa

getty

A pandemia afetou diretamente a qualidade de vida dos portugueses, que estão confinados em suas casas, muitos sem trabalho ou quaisquer rendimentos. Já a extensão dos danos é uma incógnita que só o tempo poderá esclarecer. “Sem dúvida que quanto mais demorar a passar mais difícil será a recuperação”, diz ao Expresso o economista Nuno Fernandes. “A economia não está parada, está adormecida, mas corre o risco de parar caso o confinamento se prolongue.” Uma das consequências mais prováveis da crise desencadeada pela covid-19 será o agravamento das desigualdades sociais. “É preocupante, porque vai acontecer a vários níveis, com problemas de desigualdade na economia, acesso à educação, mas também nas discrepâncias entre o interior e o litoral, entre sector público e privado, e desigualdades salariais”, diz ao Expresso. “Vamos ficar mais pobres, seja ou não a austeridade a pagar a conta. Alguém vai pagar, e isso depende das políticas. Vejo com receio que todos os custos sejam distribuídos pelo sector privado. Os impostos que pagarão esta fatura são escolhas políticas.”

Textos originalmente publicados no Expresso de 18 de abril de 2020