Economia

Teodora Cardoso despede-se com artigo sobre o financiamento do sistema de pensões

31 janeiro 2019 13:13

foto alberto frias

No estudo “O financiamento da Segurança Social: bases de equidade e de sustentabilidade”, a Presidente do Conselho das Finanças Públicas - que deixa o cargo no final de fevereiro - defende que o financiamento das pensões tem de incluir um pilar de capitalização, de contribuição definida, “que inevitavelmente atribui aos beneficiários uma parcela do risco”

31 janeiro 2019 13:13

O retrato está traçado e não deixa margem para dúvidas: o envelhecimento populacional tem vindo a agravar-se em Portugal e o país corre o risco de viver um verdadeiro Inverno demográfico.

Como resultado, segundo as previsões do Eurostat, a população portuguesa deve diminuir dos 10,3 milhões de pessoas em 2017, para 9,1 milhões em 2050 e, seguindo as tendências atuais, ficar por apenas 7,6 milhões em 2080.

Os números são relembrados por Teodora Cardoso, presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP), no estudo "O financiamento da Segurança Social: bases de equidade e de sustentabilidade", divulgado esta quinta-feira.

Uma evolução "cujas implicações para a sustentabilidade do atual sistema de pensões não podem nem ignorar-se, nem cingir-se ao aumento dos níveis já elevados de contribuições e/ou impostos", alerta a economista no documento, a poucas semanas de deixar o cargo.

Recorde-se que por término do seu mandato, Teodora Cardoso deixa a liderança do CFP já no final de fevereiro, sendo substituída por Nazaré Costa Cabral.

Qual é, então, o caminho? Para Teodora Cardoso, "Portugal começou bem, com a reforma do sistema de pensões de 2007". Uma reforma que criou incentivos para o prolongamento da vida ativa, em particular através da introdução do fator de sustentabilidade (que associa a idade de acesso à pensão com a evolução da esperança de vida) e do agravamento da penalização pela antecipação da reforma.

Contudo, esta reforma, introduzida pelo então - e atual - ministro Vieira da Silva, ficou "aquém do necessário", defende Teodora Cardoso no estudo.

Em particular, a economista salienta "não obstante o debate que a precedeu quanto às vantagens e inconvenientes do sistema de repartição relativamente ao de capitalização, manteve integralmente a opção pelo primeiro, embora com alterações paramétricas importantes para o reforço da sustentabilidade do sistema".

Desta forma, as pensões em pagamento em Portugal são suportadas pelas contribuições dos trabalhadores ainda no ativo, um modelo sob pressão num contexto de envelhecimento demográfico, como o que Portugal enfrenta, dada a redução do número de ativos por pensionista.

Por oposição, num sistema de capitalização, as pensões futuras são financiadas pela acumulação de poupança gerada pelas contribuições para o sistema.

Certo é que, mesmo mantendo a lógica de repartição, "inevitavelmente, o reforço da sustentabilidade do sistema teria como contrapartida alguma combinação entre o prolongamento da vida ativa e a redução das pensões futuras", alerta Teodora Cardoso, destacando a "redução da taxa de substituição", ou seja, do valor da pensão em relação ao salário antes da entrada na reforma.

O impacto "tem enorme importância para as famílias, na medida em que supõe alterações do seu comportamento, no sentido da constituição de poupanças com vista a precaver os efeitos de uma queda abrupta do rendimento no momento da reforma", frisa o documento.

Contudo, a nível nacional, "o debate político subestimou a partilha de responsabilidade com as famílias, mantendo antes a ideia da responsabilidade exclusiva do Estado", critica Teodora Cardoso.

Como resultado, "quanto a meios, o sistema permaneceu concentrado no sector público, continuando a exigir um elevado nível de contribuições", constata a ainda presidente do CFP.

E reforça as críticas à classe política, em especial aos Governos desde então: "Os estímulos ao desenvolvimento do Sistema Complementar não se concretizaram e não se observaram esforços, nem no sentido de consciencializar as famílias quanto à sua necessidade, nem de reforçar os meios à sua disposição para o efeito".

Pelo contrário, "o acentuar das dificuldades económicas e orçamentais exacerbou a pressão sobre o rendimento disponível dos trabalhadores no ativo, ao mesmo tempo que conduzia também a reduzir o estímulo da política fiscal à poupança voluntária, em particular no caso dos Planos de Poupança Reforma (PPR). Problemas agravados pelas consequências da crise financeira internacional.

Neste contexto, Teodora Cardoso defende que "uma solução duradoura para o financiamento das pensões terá de implicar a racionalização integrada do sistema, incluindo um pilar de capitalização, de contribuição definida, que inevitavelmente atribui aos beneficiários uma parcela de risco, sempre salvaguardando os mais vulneráveis".

Recorde-se que neste modelo, as contribuições para o sistema de pensões são conhecidas à partida - daí o termo "definidas" - mas os benefícios, ou seja, o valor da pensão, pode variar, consoante a evolução de variáveis como a situação económica ou a esperança de vida.

A economista não concretiza, contudo, a forma como é que a transição face ao atual sistema de repartição pura seria feita, uma questão que continua sem resposta em Portugal.

E retoma as críticas aos últimos Governos, salientando que "a opção por frequentes alterações paramétricas ou de fontes de financiamento e por intenções insuficientemente fundamentadas, acompanhadas de informação escassa e confusa, apenas acentua a perda de confiança e agrava os riscos".

Recorde-se que este tem sido o caminho seguido tanto pelo Governo PSD/CDS-PP de Passos Coelho, como pelo atual Executivo PS (apoiado por PCP e BE) de António Costa.

Governos dão prioridade ao curto prazo

À boleia da análise ao sistema de pensões, Teodora Cardoso estende as críticas "à erosão da capacidade do Estado para implementar as suas próprias decisões".

Em particular, a economista destaca as "atribulações que impedem a implementação de leis como a Lei de Enquadramento Orçamental aprovada em 2015 (LEO 2015)".

"Em geral, estas dificuldades continuam a deixar transparecer a prioridade dada a medidas de curto prazo e cujo impacto decorre do efeito de anúncio, em detrimento das necessárias para melhorar as decisões e viabilizar a sua correta aplicação", argumenta Teodora Cardoso.

Uma opção que "serve depois de justificação para o esgotamento dos recursos que seriam necessários para melhorar os processos de decisão e a capacidade do Estado", defende.

A crítica é clara: "O atual enquadramento orçamental fixa totalmente as atenções nos resultados anuais, em particular no nível observado do défice orçamental", em detrimento do necessário quadro plurianual.