1 maio 2018 10:00
foto luís barra
Tribunal Arbitral fixou há dois anos uma indemnização de 149 milhões. Estado perdeu os recursos e não paga. Fatura sobe acima dos 190 milhões. Consórcio diz que a sentença já transitou em julgado
1 maio 2018 10:00
O consórcio Elos, vencedor do troço de alta velocidade Poceirão-Caia, avançou na última sexta-feira com uma ação de execução do Estado no valor de 192 milhões de euros, dois anos depois de o Tribunal Arbitral (TA) ter determinado um acerto de contas de 149 milhões. Como o Estado não paga, o consórcio pede ao tribunal que lhe execute bens. A diferença de valores é explicada pelo cálculo de juros.
A indemnização serve para pagar as despesas realizadas antes da suspensão do contrato, chumbado por duas vezes pelo Tribunal de Contas.
Daniel Amaral, o representante da Brisa que preside ao Elos, alegou desconhecer os detalhes “de um processo que está entregue ao departamento jurídico” para não explicar as motivações do pedido de execução entregue no Tribunal Administrativo de Lisboa. Mas o Expresso apurou junto de um dos acionistas do Elos que a decisão do TA já transitou em julgado, sem que o Estado dê sinais de a querer cumprir. E, por isso, avançou o pedido de execução.
O contrato do TGV é um tema sensível por ser uma das peças fundamentais do Ministério Público (MP) no puzzle da Operação Marquês. E a estratégia do Estado, através do Ministério do Planeamento e Infraestruturas (MPI), foi desde o primeiro momento tentar anular a decisão do TA.
reuters
Estado soma revezes
O Estado sofreu um primeiro revés quando um recurso sobre a composição do júri arbitral foi indeferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.
Depois, foi o Tribunal Constitucional que não acolheu os seus argumentos. O MPI defende que a cláusula contratual que levou à condenação do Estado é inconstitucional, questionando a legitimidade do TA para decidir, tendo em conta que a empreitada nunca obteve o visto do Tribunal de Contas.
Segundo esta linha de raciocínio, adotada pelo representante do MPI no TA, o Estado limitou-se a cancelar um contrato que, formalmente, nunca existiu e que o TA nunca deveria ter sido constituído. A decisão do TA foi incorreta “em termos de facto e direito”.
Segundo os juízes que fiscalizam as contas públicas, tinham sido desrespeitadas normas legais, em especial quanto ao cabimento orçamental do contrato.
É “um bocadinho absurdo uma parte contestar uma mediação arbitral que ela aceitou integrar”, comenta uma fonte ligada ao consórcio privado.
O Estado poderá alegar que apresentou um outro recurso junto do Tribunal Central Administrativo que, na visão do Elos, “é mais uma manobra dilatória e não suspende a sentença do tribunal arbitral”.
Contactado pelo Expresso, o MPI respondeu que sobre esse tema “não vamos fazer comentários”.
O consórcio, liderado pela Brisa e SDC Investimentos (ex-Soares da Costa) com 16,3%, incluiu como acionistas construtoras portuguesas, brasileiras e espanholas. Além da Lena (13%), surgem no elenco acionista Odebrecht, Dragados, Elevo (ex-Edifer), Andrade Gutierrez (ex-Zagope) e ainda os bancos BCP e Caixa Geral de Depósitos, com 4% cada.
O TGV não saiu do papel, mas o consórcio Elos invoca o contrato para receber 192 milhões. O Estado resiste a pagar
d.r.
Ganhar tempo, perder nos tribunais
No âmbito da Operação Marquês, o MP defende que a introdução de uma cláusula de indemnização de custos e perdas mais generosa e de maior alcance do que a lei da contratação pública prevê, em caso de recusa de visto pelo Tribunal de Contas, é abusiva e ilegal. O MP não percebe como tinha o Estado de assumir todos os custos já suportados pela concessionária, independentemente de qualquer ponderação de culpa.
A tese do MP é de que Sócrates recebeu 7,9 milhões de euros do grupo Lena como contrapartida de “benefícios comerciais” no contrato do TGV e obras da Parque Escolar.
A empreitada, adjudicada pelo governo de José Sócrates em 2010 por 1,35 mil milhões de euros, foi cancelada por Passos Coelho em 2012. Dois anos depois, é constituído o TA para avaliar a indemnização a pagar aos privados. Em junho de 2016, com voto contra do representante do Estado, a arbitragem determina 149 milhões.
No início do conflito (2012), o consórcio apontou como primeira cifra 300 milhões de euros, um número que baixou para 169 milhões, depois dos custos com duas linhas de financiamento do projeto (600 milhões) terem transitado para a holding estatal Parpública. O consórcio sempre defendeu que os custos suportados e os trabalhos desenvolvidos “são facilmente demonstráveis”.
O consórcio aceitou o valor do TA, o Estado não se conformou. O MP lançou uma cruzada judicial para anular a sentença. Começou por questionar a composição do TA, alegando que um dos juízes-árbitros tivera no passado ligações ao BCP, um dos acionistas do Elos, e não poderia ter participado nos trabalhos.
Até agora, o Estado ganha tempo, mas tem perdido em todas as frentes judiciais. A nova ofensiva do Elos é um sinal de que o tempo corre a favor dos privados.