ARQUIVO Iniciativa Poupança

Aprender a amealhar à força

4 novembro 2011 13:58

Isabel Vicente (www.expresso.pt)

Desafio. É nos momentos de maior crise que se começa a poupar.

4 novembro 2011 13:58

Isabel Vicente (www.expresso.pt)

Após tantos cortes no rendimento das famílias e tamanhos aumentos nos impostos, a margem para fazer poupanças é, naturalmente, cada vez menor.

Só mesmo os mais afortunados podem permitir-se manter os seus níveis de poupança intocáveis. E é muitas vezes em momentos de crise que as pessoas tomam consciência de que é importante poupar. Segundo Jorge Morgado, da associação dos consumidores (Deco), "agora as pessoas foram obrigadas a reanalisar as suas despesas e rapidamente chegaram à conclusão de que deveriam poupar".

Isto porque, afirma, "há uma série de famílias com poucos rendimentos que nunca fizeram um orçamento familiar nem qualquer controlo e depararam-se com uma miragem que se transformou em pesadelo". E resume: "vive-se em permanente aprendizagem e constatamos que há sempre margem de manobra para começar a poupar". Talvez por isso se verificou já em 2009 alguma tendência de subida da taxa de poupança. Daí a chegar aos níveis da década de 70 - 30% - e ou mesmo da década de 80 (ver gráfico), só daqui a muitos anos.

Mas a receita não se aplica a toda a gente. "há muitas famílias que ainda terão de ganhar esse espaço de manobra".

E, se, desde 2008, a vida se complicou para muitos portugueses, perda de rendimento, nomeadamente em 2010 e 2011 e o flagelo do desemprego apanhou mais famílias, em 2012 os sacrifícios são monstruosos. O IVA aumenta em várias frentes, não perdoa sequer os bens alimentares, até nalguns casos básicos, e é uma subida que vem para ficar. Além disso, somam-se outras medidas que emagrecem silenciosamente os rendimentos das famílias: a diminuição das reduções a fazer em sede de IRS em 2012, sobretudo nas faturas a pagar com a saúde e educação; a perda de benefícios nos produtos de poupança tradicionais, como os PPR ou mesmo os depósitos a prazo.

As contas que se têm de fazer vão levar a grande maioria dos portugueses a poupar, não necessariamente no sentido de amealhar - embora fosse isso de que todos precisávamos - mas no sentido de cortar despesa.

Costuma dizer-se que a necessidade aguça o engenho e é verdade. Muitas vezes é nas alturas de maior aperto que as pessoas têm consciência de que podem poupar, mesmo que seja pouquinho. Hoje, ao contrário do que foi durante muitos anos, é para isso que os bancos apelam. O crédito ficou caro, porque não há financiamento, e o apelo aos depósitos ganhou forma, contrariando a curva ascendente do crédito. Um dos problemas, segundo o gabinete da Deco, foi a abundância de dinheiro barato a partir dos anos 90.

O que ditou a febre do crédito

Os portugueses nem sempre foram gastadores e nem sempre se endividaram, mas na década de 90, depois da entrada de Portugal na União Europeia, o dinheiro duplicou, os subsídios triplicaram e perdeu-se a noção do ditado: quem não tem dinheiro não tem vícios. A facilidade de concessão de crédito foi brutal e a informação pecou por defeito. "Foi a necessidade que nos levou a ser mais exigentes. A partir da década de 90 as pessoas compravam porque os bancos emprestavam e vice-versa", diz Jorge Morgado.

Mais tarde, no início do século XXI, com a chegada do euro, o apelo ainda foi maior. Os dados estatísticos não enganam. A taxa de poupança teve a sua primeira derrapagem, dois anos depois da adesão à CEE, com a chegada dos subsídios e a fartura de dinheiro e nunca mais inverteu a tendência. Depois da adesão ao euro, voltou a registar-se nova derrapagem, e só um ano depois da crise de 2008, se verificou uma subida da taxa para os dois dígitos - 10,7% - para voltar a descer em 2010. Para a poupança chegar aos níveis da década de 70 ou 80, o caminho será muito longo.

Na Europa a 27 a taxa de poupança das famílias manteve-se desde 1999, segundo dados do Eurostat, em níveis superiores aos de Portugal. Se considerarmos a nossa vizinha Espanha, a taxa de poupança é superior (ronda os 11% e em 2009 foi de 18%) e a alemã e a francesa são superiores a 15%.

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Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 29 de outubro de 2011