28 abril 2009 20:04

Luísa Vilaça (Catarina Wallenstein): olhares secretos
"Singularidades de uma Rapariga Loura", de Manoel de Oliveira, ante-estreia esta noite no IndieLisboa.
28 abril 2009 20:04
Aos vinte anos, Manoel de Oliveira foi, entre outros mimos, campeão de salto à vara, habilidoso atleta e ginasta, e agora, oito décadas volvidas, só conseguimos lembrar-nos dessa sua faceta desportiva. Porque só pode ser desportiva a sua démarche perante o modo como ele adapta e actualiza para o presente o famoso conto de Eça de Queiroz.
Se calhar, é mesmo preciso ter 100 anos para voltar a ser menino e chegar ao ritmo e ao grau de eficácia deste "Singularidades de uma Rapariga Loura", em que muitos verão apenas um petit film. Pequeno na duração, é verdade (passam a correr aqueles 62 minutos), mas grande nos resultados. Tem a simplicidade dos justos e um sentido de economia desarmante.
A história do filme é banal. E cruel. É a de um guarda-livros de uma retrosaria fina que está bem instalado na vida: Macário, assim se chama. Num belo dia, ele olha para além do pequeno horizonte que tem debaixo do nariz e apaixona-se pela girl next door, Luísa Vilaça, menina que está à janela com um leque chinês nas mãos.
Ouve dizer-se que desapareceram uns lenços. Depois, umas fichas de jogo e, mais tarde, um anel que será sinónimo de desonra: é que Luísa, filha da alta burguesia, tem uma tentação mórbida pelo roubo. Rouba pelo prazer de roubar, não por que precisa. É feita de uma natureza dupla como duplo era o álbum de Bob Dylan que serviu para este título. Sobre ela, está pronta a cair a ira de uma justiça cega que é sinal do nosso tempo. Não revelamos nenhum segredo, foi o Eça que o inventou: "Singularidades..." data de 1874.
Manoel de Oliveira, mais uma vez, fica perante os grandes enigmas da humanidade que fazem do seu um cinema do destino. A vida é injusta e quase nunca se adapta aos nossos desejos, à nossa capacidade, tal como é injusta a posição daquele tio irredutível, Francisco, que não deixa Macário casar-se. Mas há talvez uma esperança no fundo do túnel deste filme de interditos, algo para lá da ilusão de uma história de amor que correu mal: um cinema humano, de amor pela arte e que tem em si gravado uma verdadeira filosofia.
Singularidades de uma Rapariga Lourade Manoel de Oliveira (Portugal/Espanha/França), com Ricardo Trêpa, Catarina Wallenstein, Diogo Dória
Terça-feira, dia 28, 22h - ante-estreia no Cinema São Jorge.
O filme chega às salas na quinta-feira. Na sexta, o Expresso publica uma entrevista com o realizador na sua edição impressa, no caderno 'Actual'.