30 abril 2009 21:34

Aguirre (Klaus Kinski): "Eu sou a loucura."
Um filme-chave de Werner Herzog, "herói independente" do IndieLisboa: "Aguirre, o Aventureiro". (Veja o trailer no fim do texto)
30 abril 2009 21:34
No final de 1560, uma grande expedição de aventureiros espanhóis, liderada por Gonzalo Pizarro, parte das montanhas peruanas em busca do "El Dorado."
Gonzalo Pizarro era meio-irmão mais novo de Francisco Pizarro, o grande conquistador que, décadas antes, havia destruído e saqueado o Império Inca e acabaria morto à traição por um dos seus. Só que o "El Dorado", esse sonho de ouro que traria ao homem que o encontrasse a maior riqueza jamais vista na Terra, nunca existiu. Era uma invenção pura dos índios, agora humilhados, na miséria e condenados à escravidão.
Naquela expedição segue também Lope de Aguirre, homem com uma ambição infinita que não se fica só pelo ouro. Aguirre tem outro sonho, outra sede: a do poder. Revolta-se contra Gonzalo Pizarro. Quer fundar um Império novo. Cortar os laços com Filipe II e com a Espanha. Coroar-se Rei de um novo continente.
A história deste filme fabuloso é a sua. Ou melhor, é a história que dele Herzog inventou: o filme baseia-se nos diários de um frade, Gaspar de Carvajal, mas o que Carvajal deixou escrito na realidade histórica não é exactamente o que o filme dá a ver. Há datas que não coincidem. Há histórias que nunca aconteceram. Herzog admitiria muitos anos mais tarde que o livro foi só um pretexto. No seu cinema, é difícil distinguir o que é verdade e o que é mentira.
"Aguirre, o Aventureiro" foi o filme que, em 1972, abriu as portas da reputação internacional ao cineasta alemão que o Indie homenageia este ano. Herzog levou uma equipa inteira para o Amazonas, até às montanhas do Perú, e reuniu centenas de figurantes para uma experiência cinematográfica de resultados tão obscuros e lendários como a sua própria rodagem.
Experiência essa que seria multiplicada, sabe-se lá quantas vezes, quando Herzog voltou ao Amazonas, já nos anos 80, para filmar "Fitzcarraldo."
Corre a lenda que o colérico Klaus Kinski (1926-1991), que mantinha com Herzog uma relação de cortar à faca ("tive que domesticar aquela besta selvagem", confessou o realizador) se envolveu de tal forma com o papel que, às tantas, estava mesmo convencido de que era uma encarnação de Lope de Aguirre, o tal que se autodenominava "peregrino e tirano".
De resto, Herzog fez um filme sobre essa relação, "Mein Liebster Feind" ("O Meu Querido Inimigo"). O realizador disse um dia: "As pessoas pensam que tínhamos uma relação de amor-ódio. Mas eu nunca o amei ou odiei. Respeitavamo-nos mutuamente e, em simultâneo, planeávamos o assassínio um do outro. É tudo."
Talvez "Aguirre, o Aventureiro" nem seja o melhor filme de Herzog. Ele fez para cima de 50. Mas é um dos seus filmes mais febris. É também uma 'catástrofe inventada'. Um gesto operático que transbordaria em "Fitzcarraldo". Um sonho da cegueira ocidental na cordilheira dos Andes. Uma aventura ibérica e quinhentista construída por um alemão obcecado pelos limites do que significa ser humano. Em suma, um filme impossível de repetir, como todos os que são grandes.
Aguirre, o Aventureiro de Werner Herzog (Alemanha, 1972) ("Herói Independente") Quinta-feira, dia 30, 22h., Fórum Lisboa