18 fevereiro 2010 18:52

Honey, última parte de uma trilogia turca
"Honey", do turco Semih Kaplanoglu, encerra uma trilogia sobre a personegem de Yusuf. A sua história é contada da idade adulta à infância.
18 fevereiro 2010 18:52
Semih Kaplanoglu faz filmes desde 1984, é um dos nomes mais respeitados da cinematografia turca e impôs-se nos festivais internacionais em 2007, com "Egg", exibido em Cannes. Seguiram-se "Milk", que competiu em Veneza (em 2008) e agora "Honey", apresentado a concurso em Berlim. Não há muitos cineastas no planeta a colocarem três filmes consecutivos nos três festivais de cinema mais importantes.
Da frente para trás
Os títulos citados fazem parte de uma trilogia que agora se encerra, baseada numa só personagem, Yusuf. O que é curioso é que a história de Yusuf foi contada da frente para trás nos três filmes.
Em "Egg", Yusuf é um poeta na casa dos 30 que regressa à sua aldeia natal, após a morte da mãe.
Em "Milk" (exibido no Indie Lisboa 2009), é um adolescente solitário que começa a interessar-se pela poesia e a escrever os primeiros poemas.
Finalmente, em "Honey", Yusuf é uma criança de 6 anos. Começou a ir à escola e a aprender a ler e escrever. O seu pai é apicultor, trabalho perigoso que o leva a trepar árvores na floresta para recolher as colmeias. Para o pequeno Yusuf, essa floresta é um mistério. Fá-lo sonhar. Mas o pai avisa-o, em jeito de maldição: os sonhos não se devem contar a ninguém.
Contemplação
Estamos nas profundezas da Anatólia. O tempo da acção é um tempo de lenda, difícil de datar. E é um tempo lento, muito lento. A imagem é pictórica e contemplativa. O efeito nasce de longuíssimos planos-sequência e de elegias à 'mãe natureza' sem luz artificial.
Estamos a falar de um cinema que não está preso às inquietações do presente e que nada tem que ver com o resto do cinema turco contemporâneo (com o cinema de um Nuri Bilge Ceylan, por exemplo). "Honey" explora ainda mais todas estas definições do que os dois tomos anteriores. Talvez porque Yusuf, aqui, é uma criança. O conflito, na infância, é mais secreto e invisível. Sobretudo o conflito da relação entre pais e filhos: a trilogia de Kaplanoglu não fala de outra coisa.
Não causa insónias
"Honey" é uma pura profissão de fé formalista, filme de beleza arrebatadora, mas coloca-nos imensos problemas. Digamos que não causa insónias. Precisa de manual de instrucções. Desconfiamos do seu gesto solene. Terão o "ovo", o "leite" e o "mel" das três ficções um significado mais profundo do que aparentam naquela cultura? E como sabê-lo num filme em que a acção das palavras é quase interdita?
Intrigados, fomos à conferência de imprensa. Kaplanoglu elogiou a natureza, a sua influência na vida e na morte, toda uma cosmogonia a priori inatacável, feita de imagens e sons. Depois, confessou que a maior influência de "Honey" é Vermeer. Não saímos mais instruídos.
Receamos que o cinema de Kaplanoglu, no fundo, se sufoque no seu próximo talento - ele existe, quanto a isso não há dúvidas. O objectivo destas crónicas, porém, não é fazer juízos definitivos. Há que dar tempo ao tempo. E talvez "Honey", "Milk" e "Egg", revistos por esta ordem, abram uma porta que, para já, fica fechada.
Honey (Turquia/Alemanha)
de Semih Kaplanoglu
(Selecção Oficial - Competição)
Mais informações no site oficial do Festival de Cinema de Berlim 2010.