18 fevereiro 2010 19:27

A Woman, a Gun and a Noodle Shop, de Zhang Yimou
"A Woman, a Gun and a Noodle Shop" vem da China. "A Somewhat Gentle Man", da Noruega. Berlim percorre o globo, mas estes dois podiam ter ficado em casa. Veja o trailer no fim do texto. Clique para visitar os Postais Berlim 2010
18 fevereiro 2010 19:27
Zhang Yimou foi em tempos um cineasta incómodo para o governo chinês. O seu famoso "Milho Vermelho" venceu aqui em Berlim um Urso de Ouro, em 1987. Yimou voltaria duas vezes mais ao festival alemão.
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Entretanto, tornou-se um realizador de filmes de aventuras. E um 'cinesata do regime.' "Herói" ou "O Segredo dos Punhais Voadores" foram grandes produções do país, fusões do cinema tradicional chinês com as produções de acção de Hong-Kong. Mas filmes infinitamente menos interessantes do que aquilo que Yimou prometera no passado.
Recentemente, Yimou foi responsável pela encenação da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim (e, francamente: essa cerimónia foi o melhor 'filme' que fez nos últimos tempos). O seu cinema e a sua figura não são uma ameaça política.
O que Berlim não sabia é que Yimou, no tempo em que assinava majestosas elegias formalistas à condição da mulher na China, gostava de thrillers americanos. Dos Irmãos Coen, por exemplo. Há vinte anos, ele viu "Blood Simple"/"Sangue por Sangue", primeira incursão dos manos pelo film noir. Yimou propôs-se fazer um remake adaptado à sociedade feudal chinesa, baseado nessa memória. E deu um passo nos terrenos da comédia. Em Berlim, ninguém acreditava que tal fosse possível.
Quente
O resultado chama-se "A Woman, a Gun and a Noodle Shop", uma versão slapstick de "Sangue por Sangue." Imaginem um 'western spaghetti chinês' (na medida do possível), carregado de cores garridas. A linha narrativa dos Coen é a mesma: marido ciumento, mulher infiel, amante assustado e um 'ver quem mata primeiro quem', enquanto se juntam outras personagens com outros interesses ao trio.
Começa tudo quando um comerciante persa visita o restaurante de noodles e a mulher infiel lhe compra uma pistola. Enquanto a pistola malvada vai passando de mão em mão, o marido enganado contrata um polícia corrupto para pôr fim à traição.
Mas não se espere daqui tensão, terror e ironia ao estilo dos Coen: este "A Woman, a Gun and a Noodle Shop" é um nado-morto de caricaturas inconsequentes. As personagens esvaziam-se no rocambolesco das situações. Yimou fez um "série-A" mascarado de "série-B". Um filme de sainetes, mas o verdadeiro entretenimento dura pouco. Já estreou na China, foi um êxito, mas duvidamos que tenha a mesma sorte no Ocidente.
Frio

A Somewhat Gentle Man, de Hans Petter Moland
As cores de "A Somewhat Gentle Man", do norueguês Hans Petter Moland, pelo contrário, são azuis escuras e vêm do frio. É mais um filme de prisões em Berlim. O genérico da Nordisk Films diz: "we bring stories to life." E a história é a de Ulrik, um mecânico com coração grande que andou pelo crime, matou um homem, e agora volta da cadeia, 12 anos depois.
O seu antigo patrão mafioso recorda-lhe que há um ajuste de contas a fazer com o homem que o levou à cadeia. A mulher não quer saber dele. O filho diz à namorada que ele morreu. Quando Ulrik lhe aparece à frente, apresenta-o como tio. Mas Ulrik não se importa. É um tipo porreiro.
O problema é que o burlesco quer ser cómico à força e cai no grotesco. Numa espécie de estrabismo exagerado da realidade. O mundo de "A Somewhat Gentle Man" só é normal para Ulrik. Ele é o único a escapar-se de um overacting constante. Não queremos generalizar, mas às vezes dá vontade de dizer que os cineastas nórdicos que frequentam os festivais não conseguem ser mais do que uma cópia barata de Kaurismäki.
O cineasta finlandês inaugurou no cinema contemporâneo um modelo burlesco de representação, mas as suas personagens têm sempre uma dignidade, um humanismo, um sentido da sociedade e da tragédia que ultrapassam esse modelo. No caso de Hans Petter Moland, há todo um universo de caricatura a girar à volta da personagem, à nossa volta: é uma canseira. O genérico da Nordisk Films diz que traz histórias para a vida. Devia antes trazer vida para as histórias.
A Woman, a Gun and a Noodle Shop de Zhang Yimou (China/Hong-Kong) (Selecção Oficial - Competição)
A Somewhat Gentle Man de Hans Petter Moland (Noruega) (Selecção Oficial - Competição)
Mais informações no site oficial do Festival de Cinema de Berlim 2010.