2 maio 2009 13:41
O presidente de Cabo Verde defendeu a necessidade de, "num acto de memória", a história da África ser "revisitada", de forma "descomplexada e despida de apologias justificantes".
2 maio 2009 13:41
O presidente de Cabo Verde defendeu a necessidade de, "num acto de memória", a história da África, nomeadamente a dos países de expressão portuguesa, ser "revisitada", de forma "descomplexada e despida de apologias justificantes".
Discursando sexta-feira na sessão de encerramento do Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, que decorreu na vila homónima situada no norte da ilha de Santiago, Pedro Pires sustentou que os historiadores terão de a ver "de modo realista, objectivo e descomprometido com conveniências patrióticas".
"Coloca-se a necessidade de, num acto de memória e sob um ângulo científico, crítico, descomplexado e despido de apologias justificantes, revisitar frequentemente a História", referiu.
Pedro Pires aludia às frequentes discrepâncias na história das independências dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP - Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe), cujas "conveniências patrióticas" distorcem os factos reais.
"A história deve ser reelaborada, ou melhor, aperfeiçoada, de forma sistemática, porque há distorções a corrigir, omissões a regular e esquecimentos ou vazios premeditados a rememorar. Cabe aos historiadores de hoje rever a situação, na medida em que não precisam de justificar os factos, devendo, tão-somente, narrá-los de forma objectiva, realista e científica", frisou Pedro Pires.
Repensar a história
"Para os africanos, é crucial repensar a sua história. Para isso, devem usar a sua própria lente: olhar para nós mesmos, com a nossa própria visão da História e do Mundo. Há que ver o nosso percurso histórico, as nossas forças e fraquezas, através da nossa percepção de nós mesmos e não recorrer à percepção dos outros, mesmo que sejam as mais eruditas", sustentou.
Para uma melhor compreensão da questão, Pedro Pires recorreu a um provérbio africano: "Enquanto os leões não tiverem os seus próprios historiadores, as histórias da caça continuarão a glorificar o caçador".
Na ligação feita do tema da sua intervenção ao Simpósio, o chefe de Estado cabo-verdiano lembrou que foram patriotas de Cabo Verde que, uma semana após a Revolução dos Cravos em Portugal (25 de Abril de 1974), "decidiram enfrentar e derrubar o símbolo mais significativo e mais temido", no arquipélago, "do sistema opressivo colonial e da ditadura salazarista: o presídio do Tarrafal".
"A decisão e a determinação dos nacionalistas cabo-verdianos surpreenderam as autoridades coloniais. A inteligente antecipação das várias consequências do 25 de Abril e no seu imediato aproveitamento colocaram as autoridades coloniais em estado de desorientação, na defensiva e perante um dilema irresolúvel: reprimir ou não reprimir. Qualquer das opções tinha consequências desfavoráveis para o poder colonial", contou.
"(A autoridade colonial), impotente, optou pela cedência, pois já se encontrava extremamente abalada com a derrocada dos principais pilares do regime e com as derrotas políticas e militares. Naquelas circunstâncias, a alternativa de repressão não seria praticável. Assim, começou, nestas ilhas, o desmoronamento do sistema de dominação colonial", reivindicou.
Para Pedro Pires, o encerramento do "Tarrafal", a 01 de Maio de 1974, há precisamente 35 anos, revestiu-se de um "forte simbolismo", pois permitiu "mostrar a impotência e o esgotamento a que tinha chegado o domínio colonial, sendo, por essa razão, "um marco relevante no processo de conquista da independência" de Cabo Verde.