ARQUIVO Steve Jobs (1955-2011)

Biografia de Steve Jobs à venda em Portugal

15 novembro 2011 14:00

Walter Isaacson (www.expresso.pt)

No dia em que é posta à venda a edição portuguesa da biografia oficial de Steve Jobs, o Expresso dá-lhe a conhecer alguns excertos da obra escrita por Walter Isaacson a partir de mais de 40 entrevistas exclusivas com o co-fundador da Apple. Clique para visitar o dossiê Steve Jobs (1955-2011)

15 novembro 2011 14:00

Walter Isaacson (www.expresso.pt)

Quando Steve Jobs, CEO da Apple, reuniu os seus gestores de topo para proferir um discurso destinado a motivá-los imediatamente após o seu regresso como CEO da Apple em 1997, entre a audiência encontrava-se um inglês sensível e apaixonado com 30 anos de idade, que era o responsável pela equipa de design da empresa. Jonathan Ive - conhecido por todos como Jony - estava a pensar em abandonar a Apple. Estava cansado do enfoque atribuído à maximização dos lucros em detrimento do design dos produtos. O discurso de Jobs levou-o a reconsiderar. "Lembro-me muito bem de o Steve anunciar que o nosso objetivo não é apenas fazer dinheiro, mas criar grandes produtos", recordou Ive. "As decisões que tomarmos com base nessa filosofia são essencialmente diferentes das que costumávamos tomar na Apple." Ive e Jobs iriam estabelecer em breve uma relação que conduziria à mais importante colaboração na área do design industrial da sua era.

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Jony Ive cresceu em Chingford, uma cidade a nordeste de Londres. O pai era ourives e lecionava na universidade local. "É um artista fantástico", recorda Ive. "O presente de Natal que me costumava dar era um dia passado com ele no workshop que conduzia na universidade, durante as férias do Natal, altura em que não havia alunos, ajudando-me a fazer aquilo que eu quisesse." A única condição era a de que Jony teria de desenhar à mão a peça que planeava fazer. "Senti desde sempre a beleza das coisas feitas à mão. E acabei por compreender que o que era verdadeiramente importante era o cuidado que se punha nisso."

Jony Ive inscreveu-se no Politécnico de Newcastle e ocupava o seu tempo livre e as férias de verão trabalhando para uma empresa de consultoria de design. Para a sua tese concebeu um microfone e um auricular - num plástico imaculadamente branco - para comunicar com crianças que sofriam de problemas de audição. O seu apartamento estava cheio de modelos que ele construía em espuma, o que o ajudava a obter o design perfeito. Concebeu também uma máquina ATM e um telefone curvo, tendo ambos os projetos sido distinguidos pela Royal Society of Arts. Ao contrário de outros designers, não se limitava a desenhar esboços bonitos; preocupava-se com a forma como a engenharia e as componentes internas iriam funcionar. Uma revelação que ele teve enquanto estudante foi a possibilidade de fazer projetos num Macintosh. "Descobri o Mac e senti uma ligação com as pessoas que fabricavam este produto", recordaria mais tarde. "E num relance compreendi o que era uma empresa, ou o que uma empresa deveria ser."

Depois de concluir a licenciatura, ajudou a criar uma empresa de design em Londres, chamada Tangerine, que estabeleceu um contrato de consultoria com a Apple. Em 1992, mudou-se para a cidade de Cupertino a fim de trabalhar no departamento de design da Apple. Em 1996, um ano antes do regresso de Steve Jobs, passou a chefiar o departamento, mas não se sentia feliz. A gestão da Apple na altura tinha pouco apreço pelo design. "Não existia a preocupação de cuidar dos produtos, porque o objetivo era o de maximizar o lucro", declarou Ive. "Estava disposto a ir-me embora."

Unidos pela maçã. Nem sempre as coisas corriam bem entre os dois. Ive queixava-se de, por vezes, Jobs ficar com o mérito de ideias que eram suas

Unidos pela maçã. Nem sempre as coisas corriam bem entre os dois. Ive queixava-se de, por vezes, Jobs ficar com o mérito de ideias que eram suas

Nascimento de uma dupla criativa

Quando Steve Jobs assumiu de novo o poder e proferiu o seu discurso, Ive decidiu ficar. Só que Jobs começou por procurar um designer de nível mundial no mercado. Falou a Richard Sapper, que concebera o ThinkPad da IBM, e a Giorgetto Giugiaro, que desenhara o Ferrari 250 e o Maserati Ghibli I. Mas numa ocasião fez uma visita ao estúdio de design da Apple, e simpatizou com o afável, impaciente e meticuloso Ive. "Discutimos abordagens às formas e materiais", recordaria Ive. "Estávamos no mesmo comprimento de onda. E de repente percebi porque é que eu gostava tanto da empresa."

Mais tarde, Jobs descrever-me-ia o respeito que sentia por Ive: "A diferença estabelecida pelo Jony, não apenas na Apple mas no mundo, é enorme. É uma pessoa extremamente inteligente em todos os aspetos. Compreende os conceitos de negócio, os conceitos de marketing. Ele capta as coisas num ápice. Compreende melhor do que qualquer outra pessoa o que fazemos no nosso negócio de base. Se posso falar de um parceiro espiritual na Apple, é o Jony. Eu e o Jony concebemos juntos a maior parte dos produtos e a seguir congregamos os outros e perguntamos-lhes: 'O que é que vocês pensam disto?' Ele capta a ideia global ao mesmo tempo que o mínimo detalhe de cada produto. E compreende que a Apple é uma empresa de produtos. Não se limita a ser um designer. É por isso que ele trabalha diretamente para mim. Além de mim, ninguém na Apple tem mais poder operacional do que ele. Não há ninguém que lhe possa dizer o que deve fazer ou que o proíba de se intrometer. São estas as regras que estabeleci."

À semelhança da maior parte dos designers, Jony Ive gostava de analisar a filosofia e cada uma das etapas do raciocínio subjacentes a cada projeto específico. Para Jobs o processo era mais intuitivo. Apontava para os modelos e os esboços de que gostava, e passava por cima daqueles que não lhe agradavam. Na posse dessas pistas, Ive desenvolvia os conceitos que Jobs apadrinhava.

Jony Ive era um admirador entusiasta do designer industrial alemão Dieter Rams, que trabalhava para a firma de eletrónica Braun. Rams defendia o princípio de "menos, mas melhor", e era imbuídos deste princípio que Jobs e Ive se esforçavam em cada novo projeto para ver em que medida o poderiam simplificar. Logo na primeira brochura da Apple em que se proclamava "Simplicidade é a sofisticação máxima", Jobs já aspirava à simplicidade que se obtém ao dominar as complexidades e não ao ignorá-las. "Dá muito trabalho", declarou ele, "fazer algo simples, compreender verdadeiramente os desafios e chegar a soluções elegantes."

Steve Jobs encontra em Jony Ive a sua alma gémea na busca da verdadeira simplicidade e não da simplicidade apenas à superfície. Sentado no seu estúdio, uma vez Ive descreveu a sua filosofia nos seguintes termos: "Porque é que assumimos que o que é simples é que é bom? Porque quando se trata de produtos físicos temos de sentir que os podemos dominar. Ao introduzir ordem na complexidade, encontra-se forma de fazer com que o produto nos obedeça. A simplicidade não é apenas uma questão de estilo visual. Não se trata de mero minimalismo ou da ausência de confusão. Envolve escavar por entre as profundezas da complexidade. Para se ser verdadeiramente simples tem de se escavar fundo. Se, por exemplo, não queremos ter parafusos em algo, corre-se o risco de acabar por ter um produto demasiado rebuscado e complexo. O melhor é ir fundo na simplicidade, compreender tudo aquilo que ela envolve e a forma de a alcançar. É necessário compreender em profundidade a essência de um produto para nos vermos livres das peças que não são essenciais."

Era este o princípio fundamental que Jobs e Ive partilhavam. O design não tinha apenas a ver com o aspeto exterior de um produto. Tinha de refletir a sua essência. "No vocabulário da maior parte das pessoas, design significa aparência", declarou Jobs à "Fortune" pouco depois de reassumir o comando da Apple. "Mas para mim, nada podia ser mais afastado do significado de design. O design é a alma essencial de uma criação humana que acaba por se expressar a si própria em sucessivas camadas exteriores."

Como resultado, o processo de desenvolvimento de um produto na Apple estava integralmente relacionado com a forma como seria processado pelos engenheiros e pela equipa de produção. Ive descreveu um dos Power Macs da Apple nos seguintes termos: "Queríamos ver-nos livres de tudo aquilo que não fosse absolutamente essencial. Para o conseguirmos, era necessária a colaboração entre os designers, os responsáveis pelo desenvolvimento dos produtos, os engenheiros, e a equipa de produção. E voltávamos vezes sem conta ao início. Necessitamos mesmo dessa peça? Conseguiremos fazer com que ela desempenhe a função das outras quatro peças?"

Jobs e Ive tiveram oportunidade de experienciar a relação entre o design de um produto, a sua essência, e o seu fabrico, numa viagem a França ao entrarem numa loja de utensílios de cozinha. Ive pegou numa faca de que gostava, mas pô-la de lado, desapontado. E Jobs fez o mesmo. "Ambos reparámos num pedaço minúsculo de cola entre o cabo da faca e a lâmina", recordou Ive. "Não nos agrada a ideia de pensar que as nossas facas são feitas de peças coladas umas às outras", afirmou. "Eu e o Steve preocupamo-nos com coisas como essa, que arruínam a pureza e desvalorizam a essência de algo como um utensílio, e pensamos o mesmo acerca da forma como os produtos devem ser fabricados a fim de parecerem puros e irrepreensíveis."

A edição portuguesa da biografia oficial de Steve Jobs é editada pela Objetiva e custa €29,90

A edição portuguesa da biografia oficial de Steve Jobs é editada pela Objetiva e custa €29,90

Um laboratório de ideias

O estúdio em que Jony Ive reina, situado no rés do chão do Two Infinite Loop no campus da Apple, é protegido por janelas coloridas e por uma pesada porta blindada fechada à chave. No interior, num balcão de vidro duas rececionistas controlam o acesso, não sendo permitida a entrada nem mesmo à maioria dos colaboradores da Apple. A maior parte das entrevistas que mantive com Jony Ive para a preparação deste livro tiveram lugar noutros locais, mas um dia em 2010 ele preparou as coisas de modo a permitir que eu visitasse o estúdio durante uma tarde, enquanto me falava da forma como ele e Jobs colaboram ali.

À esquerda da entrada situa-se uma área em open space onde se encontram as secretárias dos designers jovens. Do lado direito fica a enorme sala principal com seis longas mesas de aço destinadas à exposição dos projetos em curso, nos quais é possível mexer. Por trás da sala principal está situado o estúdio de design computorizado, cheio de computadores, de onde se acede a uma sala com máquinas de moldagem que permitem transformar o que se vê nos ecrãs em modelos de espuma. A seguir encontra-se uma câmara de pintura a spray controlada por computador destinada a dar aos modelos um aspeto real. O ambiente é despojado e industrial, com uma decoração em tons de cinzento-metalizado. As folhas das árvores no exterior projetam padrões de luz e sombras em constante movimento sobre as janelas coloridas. Ouve-se tecno e jazz.

Antes de adoecer, Jobs almoçava quase todos os dias com Ive e durante a tarde vagueavam pelo estúdio. Assim que entrava, podia inspecionar as mesas e ver a imensidão de produtos que aguardavam pela sua vez, avaliar em que medida se encaixavam na estratégia da Apple, e inspecionar com as pontas dos dedos a evolução do design de cada um deles. Normalmente eram apenas eles os dois, enquanto os outros designers olhavam para eles a partir dos respetivos postos de trabalho, mantendo uma distância respeitosa. Se alguma coisa o entusiasmava ou lhe suscitava preocupações relacionadas com a estratégia corporativa, podia chamar Tim Cook, o diretor de operações, ou Phil Schiller, o diretor de marketing, para se lhes juntarem. Ive descreve o processo habitual nos seguintes termos:

"Esta grande sala é o único lugar na empresa onde se pode olhar a toda a volta e ver os trabalhos em curso. Quando o Steve vem cá, costuma sentar-se a uma destas mesas. Se estivermos a trabalhar num novo iPhone, por exemplo, poderá pegar num banco e começar a experimentar os diferentes modelos e senti-los com as suas próprias mãos, fazendo comentários sobre aqueles de que gosta mais. A seguir, passará pelas outras mesas, para ver como é que os outros produtos estão a evoluir. Desta forma, pode ficar com uma ideia da extensão de toda a empresa, o iPhone e o iPad, o iMac e o laptop, e tudo aquilo em que estamos a trabalhar. Isso permite-lhe ver onde é que a empresa está a despender a sua energia e a forma como as coisas se relacionam umas com as outras. E poderá comentar: 'Faz sentido fazer isto porque é aqui que estamos a crescer bastante', ou fazer observações do género. Ao olhar para os modelos nestas mesas, pode antever o futuro para os próximos três anos.

Ele não gosta de ler desenhos complexos. Prefere ver e sentir um modelo. E tem razão. Ele gosta de vir aqui porque para quem for uma pessoa visual, isto é um paraíso. Não há reuniões formais de design. Como interagimos todos os dias, não precisamos de apresentações enfadonhas, nem corremos o risco de grandes desacordos."

Nesse dia, Ive estava a supervisionar a criação de uma nova ficha e cabo de ligação segundo o standard europeu para o Macintosh. Dezenas de modelos de espuma, com variações mínimas entre si, tinham sido construídos e pintados para serem inspecionados. Algumas pessoas poderiam achar estranho que o diretor de design se preocupasse com coisas como estas, mas o próprio Jobs se envolveu também. O nome dele constava da patente para o carregador branco usado pelo MacBook, assim como para a ligação magnética com o seu clique característico. De facto, ele constava da lista de inventores em 212 patentes diferentes nos Estados Unidos no início de 2011.

Jony Ive, que possui o temperamento sensível de um artista, por vezes sente-se incomodado com o facto de Steve Jobs ficar com os louros de ideias que não são dele, um hábito que durante anos irritou outros colegas. E os seus sentimentos por Jobs foram por vezes tão intensos que chegou a sentir-se magoado. "Ele é capaz de olhar para as minhas ideias e dizer: 'Essa não é boa, essa não é muito boa, gosto daquela'", declarou Ive. "E depois, eu estou sentado entre a audiência e ele fala daquilo como se a ideia tivesse sido dele. Eu presto uma atenção doentia à fonte das ideias, e conservo mesmo blocos de notas preenchidos com as minhas ideias. Por isso sinto-me magoado quando ele fica com os louros por um dos meus designs." Ive também se sente indignado quando pessoas exteriores à empresa se referem a Steve Jobs como o tipo das ideias na Apple. "Isso torna-nos vulneráveis enquanto empresa", confessou Ive, no seu tom de voz suave. Mas a seguir faz uma pausa para reconhecer o papel que Jobs de facto desempenha. "Em muitas outras empresas, as ideias e o grande design perdem-se no processo", declarou. "As ideias geradas por mim e pela minha equipa teriam sido completamente irrelevantes em qualquer outro lugar, se o Steve não tivesse estado aqui a puxar por nós, a trabalhar connosco, e a lutar a fim de transformar as nossas ideias em produtos."

Texto publicado na revista Única de 15 de outubro de 2011