ARQUIVO Mineiros soterrados

Mineiros chilenos: de heróis a vilões nacionais (fotogaleria e vídeo)

22 agosto 2011 16:35

Márcio Resende, correspondente na Argentina (www.expresso.pt)

Luis Urzúa, chefe de turno na hora do acidente e líder do grupo durante os 70 dias de clausura, exibe uma tela com as caras dos 33 mineiros soterrados, durante a comemoração, a 5 de agosto, em Copiapó, do 1.º aniversário sobre a data em que ocorreu o acidente

felipe trueba/epa

Há um ano, 33 encurralados na mina São José anunciavam estar vivos. Já foram heróis mas hoje são vistos no Chile como gananciosos. E até o padrinho do resgate, o Presidente Sebastian Piñera, entrou em queda.

22 agosto 2011 16:35

Márcio Resende, correspondente na Argentina (www.expresso.pt)

"Estamos bem no refúgio, os 33". A mensagem do mineiro José Ojeda foi a única de várias amarradas na sonda de busca que voltava à superfície. Era lida em forma de milagre pelo Presidente chileno Sebastián Piñera, 17 dias depois de uma rocha ter sepultado, a 622 metros de profundidade, 33 mineiros na mina São José, no deserto do Atacama, a norte do Chile.

O que tinha tudo para ser uma tragédia tornou-se o maior resgate da história e comoveu o mundo durante 70 dias de sobrevivência, sob temperatura ambiente de 33 graus e humidade de 90%. Os mineiros conseguiram sobreviver até aquele 22 de agosto com duas colheradas de atum, meio biscoito e meio copo de leite a cada 48 horas.

Ao sair da mina, o mesmo José Ojeda tentou que o jornalista do Expresso lhe pagasse o equivalente a 1300 euros por três perguntas. Outro mineiro, Claudio Yañez, queria cerca de 300 euros por 10 minutos de conversa. A surpreendente estratégia de entrevistas pagas valia para todos os meios de comunicação. Muitos acreditaram estar perante uma nova mina de fama e riqueza.

Estado processado por 31 dos 33 mineiros

Até hoje, para os canais de TV, a tarifa varia entre 3 mil e 30 mil euros, mas não há interessados.

Se há um ano na cidade de Copiapó, onde a maioria dos mineiros vive, a 50 quilómetros da mina, se sentia uma "mineiromania", hoje os sobreviventes à terrível clausura enfrentam atitudes hostis e o rótulo de mercenários. Longe ficaram do unânime apoio popular de há um ano.

No mês passado, 31 dos 33 mineiros processaram o Estado chileno por negligência. Exigem 10,2 milhões de euros como indemnização (330 mil euros para cada um). Essa atitude afastou a população, porque processam um Estado que gastou 13 milhões de euros dos cofres públicos para uma complicada operação de resgate. Embora reconheçam que só estão vivos porque o Presidente chileno, Sebastián Piñera, empenhou-se pessoalmente na odisseia de um resgate impossível, os mineiros querem receber pelo acidente.

"O objetivo é criar um precedente: que os trabalhadores saibam que eles têm um direito", explica o mineiro Omar Reygadas, de 57 anos.

Repúdio popular vs mineiros descontentes

No passado dia 5, quando o acidente completou um ano, os mineiros foram insultados por um grupo de populares em Copiapó. Pedras e frutas foram lançadas aos gritos de "aproveitadores".

"O que fizemos às pessoas para sermos tratados tão mal? Insultam-nos, tratam-nos de mal-agradecidos. Acusam-nos de lucrar cada dia mais com o nosso acidente", queixa-se Omar Reygadas. "A verdade é que nós não quisemos ficar presos na mina. Não foi um reality show no qual nos fechámos na mina para depois ganharmos dinheiro. Foi um acidente", desabafa.

Mineiros carregam em Copiapó, Chile, uma imagem da Virgem de Candelária, durante uma procissão comemorativa do 1.º aniversário da explosão na mina São José

Mineiros carregam em Copiapó, Chile, uma imagem da Virgem de Candelária, durante uma procissão comemorativa do 1.º aniversário da explosão na mina São José

felipe trueba/epa

"Todo mundo acha que estamos cheios de dinheiro. Telefonam-me para pedir um milhão de pesos (1500 euros), dois milhões, três milhões. As pessoas estão loucas", diz outro mineiro, Mario Sepúlveda, famoso por ter dirigido as filmagens dentro da mina.

"Sabe o que é mais triste de tudo isso? É que perdemos até os parentes. Irmãos, irmãs, tios, primos. Não entendem que não tenhamos dinheiro", lamenta.

Outro mineiro, Jorge Galleguillos, soma-se ao coro dos descontentes: "Se estivesse com tanto dinheiro como pensam, já não estaria mais aqui. Já me teria ido embora, para onde não me conheçam".

"Os mineiros estão a ser alvo de uma violência injustificada, irracional. As pessoas não têm consciência da dor que estão a provocar", conta por seu turno Alberto Iturra, o psicólogo que integrou a equipa de resgate.

Resgate do orgulho chileno

Há um ano, o lema "Força Mineiros!" aparecia em cartazes nas praças, edifícios, T-shirts e automóveis. Bandeiras chilenas eram penduradas em todas as casas. O resgate dos mineiros era também o resgate espiritual do orgulho chileno, abalado meses antes pelo quinto pior terramoto da história, seguido de um tsunami.

O Governo chileno chegou a anunciar que ergueria um memorial onde funcionava a mina São José. Os parentes preferiam um santuário. Hoje, a imagem de divindade da epopeia desfez-se. A mina está fechada; o local, desolado. Restam apenas os tubos enferrujados por onde se enviava comida, roupa e cartas aos mineiros.

No mês passado, os mineiros receberam a parcela da indemnização pelo trabalho que realizavam há um ano. O pagamento só foi possível porque o Estado adiantou 600 mil euros para os 40% que faltavam. Os mineiros também aguardam a conclusão da Promotoria para processar os donos da mina e assim obter outra indemnização milionária.

A opinião pública chilena entende que já houve suficiente recompensa com as 14 viagens a convite pelo mundo inteiro e por todos os direitos que os mineiros pretendem cobrar com futuros livros, filmes, palestras, documentais e miniséries. Hollywood já assinou o contrato para rodar um filme em 2012.

"Somos convidados para viagens pelo mundo. Pagam-nos tudo, mas nós não temos dinheiro para sobreviver aqui", argumenta o mineiro Jorge Galleguillos.

Sem trabalho estável

Se o futuro parece afortunado, o presente, por enquanto, é de uma realidade muito diferente.

Sete mineiros continuam com licença médica devido a transtornos do sono e depressão. Catorze pediram reforma antecipada porque se sentem incapazes de voltar a trabalhar. E todos apresentam sintomas de stresse pós-traumático: ataques de pânico, claustrofobia, irritação.

Presidente chileno Sebastian Piñera (à esq.) exibe a mensagem "Estamos bien en el refugio los 33", que dissipou dúvidas sobre a sobrevivência dos mineiros soterrados há 17 dias

Presidente chileno Sebastian Piñera (à esq.) exibe a mensagem "Estamos bien en el refugio los 33", que dissipou dúvidas sobre a sobrevivência dos mineiros soterrados há 17 dias

felipe trueba/ap

A maioria dos mineiros resgatados vive de trabalhos esporádicos como taxista e pedreiro, entre outros. Três vendem frutas e verduras em feiras. Apenas quatro retornaram à mesma atividades subterrânea, um estuda tecnologia em eletricidade e oito dão palestras de motivação como forma de contornar a falta de trabalho.

Presidente em perda

Se aos mineiros falta dinheiro, outro protagonista também atravessa a penúria da falta de outro tipo de capital, o político.

Há um ano, aquando da fase do resgate propriamente dito, o Presidente chileno assumiu o risco político de uma sensível operação que rumava mais para a tragédia do que para o milagre. Sebastián Piñera foi, politicamente, o 34.º resgatado: a sua popularidade cresceu até atingir 63% de imagem positiva.

Mas agora, apenas um ano decorrido, apenas 26% dos chilenos - o índice mais baixo dos últimos 20 anos desde o retorno da democracia ao país - aprovam a sua gestão.

Assim como os mineiros passaram de heróis a vilões, a popularidade de Sebastian Piñera é proporcionalmente inversa: 53% dos chilenos têm hoje uma imagem negativa do Presidente.

 

Mario Sepúlveda

Florencio Ávalos 32 anos, capataz, casado. Irmão de Renan, outro dos mineiros resgatados. Voltou a trabalhar numa mina.

Juan Illanes 53 anos, mineiro, casado. Dedica-se a palestras motivacionais e sobre segurança.

Carlos Mamani 24 anos, boliviano, operador de maquinaria, casado, uma filha. Por insuficiente e precária, rejeitou uma oferta de trabalho oferecida pelo Presidente boliviano Evo Morales. De volta ao Chile, não tem emprego.

Jimmy Sánchez 20 anos, mineiro, solteiro. O mais jovem de todos. Diz-se abalado emocionalmente pelo acidente e que "os mineiros não têm onde cair mortos" pela falta de dinheiro. Propôs casamento à sua namorada durante os dias na mina, período no qual também foi pai. Está desempregado.

Osman Araya 31 anos, casado, três filhos. Tinha saído do sul do Chile quando o terramoto de fevereiro de 2010 devastou a região onde vivia. Acabou preso meses depois na mina situada mais a Norte. Abriu um posto de frutas e verduras no mercado de Copiapó.

José Ojeda 47 anos, técnico em perfuração, viúvo. Escreveu a famosa mensagem "Estamos bien en el refugio los 33". Está de licença médica por ser o mais afetado psicologicamente.

Claudio Yáñez 35 anos, operador em perfuração, duas filhas. Propôs casamento à sua companheira enquanto esteve preso na mina. Dedica-se a palestras motivacionais.

Mario Gómez 64 anos, motorista, casado, quatro filhas. É o mais velho e experiente do grupo. Sofre de silicose, uma doença pulmonar típica de quem trabalha em minas. Pediu a reforma.

Alex Veja 33 anos, mecânico de maquinaria pesada, casado. Sem trabalho estável.

Jorge Galleguillos 57 anos, mineiro, casado. Dedica-se a palestras motivacionais.

Edison Peña 34 anos, mineiro, solteiro. Famoso pelos exercícios físicos dentro da mina. Correu a maratona de Nova Iorque e visitou o túmulo do seu ídolo, Elvis Presley. Tem sofrido alterações emocionais. Está sem trabalho.

Carlos Barrios 28 anos, mineiro, solteiro. Taxista em Copiapó.

Víctor Zamora 34 anos, mecânico, casado. Vende frutas e verduras em casa.

Víctor Segovia 49 anos, eletricista, casado. Está pronto para publicar o diário que escreveu com detalhes durante os 70 dias de clausura. Voltou a trabalhar numa mina.

Daniel Herrera 28 anos, motorista de camiões, casado. Dedica-se a palestras motivacionais.

Omar Reigadas 57 anos, eletricista, viúvo. Dedica-se a palestras motivacionais e de segurança. Quer voltar a trabalhar como mineiro, mas admite ter depressão e claustrofobia. Já ficou preso três vezes numa mina.

Esteban Rojas 45 anos, responsável por manutenção. Casou-se durante a operação de resgate. O milionário Leonardo Farkas deu-lhe uma casa. Está desempregado.

Pablo Rojas 46 anos, responsável por explosivos, casado. Associou-se com um privado para explorar uma jazida de cobre e voltou ao trabalhar numa mina.

Darío Segovia 49 anos, operador de sonda de perfuração, casado. Vende frutas e verduras no mercado de Copiapó.

Yonni Barrios 51 anos, eletricista, casado. Contraiu silicose. Foi o enfermeiro do grupo durante os 70 dias e ficou famoso porque era esperado na superfície tanto pela esposa quanto pela amante. Ficou com a amante. Atende numa mercearia.

Samuel Ávalos 44 anos, mineiro, casado. Dedica-se a palestras motivacionais.

Carlos Bugueño 28 anos, mineiro, solteiro. Trabalha como pedreiro e também pinta casas.

José Henríquez 55 anos, responsável por perfuração, casado. É agora guia espiritual.

Renán Ávalos

30 anos, mineiro, solteiro. Participou de um programa na TV chilena dedicado ao público juvenil.

Claudio Acuña 45 anos, operador de sonda de perfuração, solteiro. Regressou ao trabalho numa mina.

Franklin Lobos 54 anos, motorista, solteiro. Antigo jogador de futebol, trabalha agora como treinador dos escalões mais jovens no Clube Desportos Copiapó.

Richard Villarroel 28 anos, mecânico, solteiro. Participou num programa juvenil da TV chilena.

Juan Aguilar 50 anos, supervisor, casado. Teve o seu primeiro filho e mudou-se para o sul do Chile.

Raúl Bustos 41 anos, mecânico hidráulico, casado. Faz palestras de motivação.

Pedro Cortês 25 anos, eletricista, solteiro. Único mineiro que está a estudar.

Ariel Ticona 30 anos, motorista de maquinaria pesada, casado. Foi pai pela terceira vez enquanto estava preso na mina. A menina recebeu o nome de Esperança. Está desempregado.

Luis Urzúa 55 anos, casado, topógrafo e chefe de turno na hora do acidente. Exerceu a liderança do grupo durante os 70 dias. Ocupa-se em palestras motivacionais e de segurança.

Os donos da mina Alejandro Bohn e Marcelo Kemeny enfrentam processos de indemnização e de devolução ao Estado do custo do resgate, estimado  em 13 milhões de euros.

Veja uma fotogaleria do resgate dos mineiros:

Veja um vídeo SIC sobre o mesmo momento festivo, que só ocorreu depois de 70 dias de cativeiro dos mineiros, a 13 de outubro de 2010: