Governo de Marcelo Caetano

Veiga Simão demitiu-se três vezes

24 outubro 2008 15:04

Mesa do colóquio. Da esquerda para a direita: Pereira Miguel, Silva Pinto, Roberto Carneiro, Gonçalves Pereira, Veiga Simão, Duarte Ivo Cruz e Raquel Ribeiro

nuno botelho

O ex-ministro da Educação conserva mais de trinta cartas do último presidente do Conselho do Estado Novo. Silva Pinto diz que foi quem lançou Lurdes Pintasilgo na política e quem sempre dialogou com a Intersindical.

24 outubro 2008 15:04

Ministro da Educação Nacional entre 1970 e 1974, Veiga Simão foi o principal interveniente do terceiro colóquio sobre os anos da governação de Marcelo Caetano, que decorreu quinta-feira em Lisboa. E começou por criticar os "numerosos testemunhos" sobre a história recente, na medida em que "a memória é notoriamente atraiçoada". "Os historiadores políticos têm-se sobreposto aos historiadores culturais e científicos", acusou, sem especificar directamente a quem se referia.

Quanto a Marcelo Caetano, criticou-o globalmente de "não ter levado à prática um pensamento seu". Leu, a propósito, um texto de Caetano do início dos anos 60, já em ruptura com Salazar, no qual afirmava premonitoriamente que "os povos não perdoam insucessos".

O principal ministro da Educação do marcelismo teve palavras duras para com os seus principais adversários de então, que chamou de "forças dominantes do conservadorismo estéril". E expôs com detalhe as numerosas medidas de política que tomou na área da Educação, que classificou de "pequenas revoluções antes da revolução".

Da esquerda para a direita: Luís Campos e Cunha, Rui Ramos e Manuel Braga da Cruz, organizadores do colóquio

Da esquerda para a direita: Luís Campos e Cunha, Rui Ramos e Manuel Braga da Cruz, organizadores do colóquio

nuno botelho

"Trinta cartas de Marcelo Caetano"

Veiga Simão deteve-se na sua emblemática reforma do ensino superior, matéria que provocou um vivo "confronto no conselho de ministros, em que apenas dois ministros se pronunciaram favoravelmente". A forma como decorreu esse plenário ministerial "determinou o meu pedido de demissão. Era a terceira vez que o fazia. Marcelo Caetano, perante o meu pedido de demissão, aprovou na íntegra o decreto-lei, após uma longa conversa em sua casa".

Veiga Simão não pormenorizou os dois anteriores pedidos de demissão. Mas disse que guarda "mais de três dezenas de cartas" do então Presidente do Conselho, que revelam "o seu medo perante as forças reaccionárias dominantes, que o aprisionavam e submergiam com opiniões catastrofistas". Bem diferentes foram as numerosas conversas pessoais com Marcelo Caetano, "sempre muito agradáveis".

O ex-ministro revelou ainda possuir correspondência dos principais dignitários da Igreja Católica, como o cardeal Gonçalves Cervejeira e o bispo António Ribeiro. A este respeito, revelou que "não foi fácil o reconhecimento oficial da Universidade Católica" pelo Governo.

O único ministro do Estado Novo que viria igualmente a desempenhar idênticas funções após o 25 de Abril (sempre em governos do PS), explicou que só aceitou o convite de Caetano se fosse superado o que designou de "uma questão de honra e de afecto". Isto é: "que todos os processos" relacionados com a crise académica de Coimbra, em 1969, "fossem arquivados. O prof. Marcelo Caetano aceitou a minha proposta". E cumpriu-a.

Silva Pinto: "Lancei Pintasilgo na política"

Veiga Simão preferiu não citar nomes dos seus colaboradores, opção que justificou "para não omitir". Abriu uma única excepção: Adelino Amaro da Costa. Postura diametralmente oposta teve Silva Pinto, o último ministro das Corporações, que não perdeu um ensejo para mencionar quantos trabalharam na área do seu ministério: João Moura, Nascimento Rodrigues, Sedas Nunes, Sérvulo Correia, Mário Pinto, Heitor Salgueiro, Teresa Santa Clara Gomes, Maria de Lurdes Pintasilgo. Da futura primeiro-ministra, sugeriu mesmo que foi ele "quem a lançou no mundo da política".

Contou, por outro lado, que o general Spínola, quando governador da Guiné, sempre que vinha a Lisboa fazia questão de visitar os membros do Governo com quem mais sintonizava. "Começava normalmente pelo Veiga Simão e acabava comigo".

A assistência encheu quase por completo o auditório

A assistência encheu quase por completo o auditório

nuno botelho

"A Intersindical nunca deixou de dialogar comigo"

Silva Pinto, que depois do 25 de Abril viria a ser deputado pelo PS, criticou "o fascizante Estatuto do Trabalho Nacional" e disse que estava prevista a sua substituição pelo que designou de "um Estatuto do Estado Social de Direito". Avançou mesmo a data dessa substituição: 23 de Setembro de 1974, quando se comemorariam os 40 anos do Estatuto do Trabalho Nacional, cuja autoria atribuiu a Pedro Teotónio Pereira. Em termos de referências teóricas, "seria a substituição da doutrina corporativista do Papa Pio XI, pela doutrina desenvolvimentista de Paulo VI".

Ainda no campo dos projectos não concretizados, referiu-se ao salário mínimo nacional, que reconheceu ser "uma lacuna grande". "O diploma estava pronto em Novembro de 1973, mas a crise petrolífera obrigou ao seu adiamento". Não sem que Caetano tivesse prometido ao seu ministro: "voltaremos ao assunto em Abril". E assim foi. "O último Conselho de Ministros presidido por Marcelo Caetano foi dedicado a esse tema. É claro que foi uma vitória de Pirro: venci a batalha, mas a guerra já tinha terminado".

Silva Pinto lamentou ainda a "ausência" do direito à greve, que reconheceu ser uma das "armas fundamentais" dos sindicatos. Quanto à Intersindical, criada em 1970, disse que "nunca deixou de ter um diálogo com o Ministério" que dirigia.

Rede Globo interrompeu a programação

A seguir a Silva Pinto, falou o seu sub-secretário de Estado da Segurança Social. Duarte Ivo Cruz detalhou as medidas tomadas durante o ano em que esteve no cargo, e que visaram "a substituição de uma política assistencial por uma outra política, de direitos sociais". Mais tarde, Ivo Cruz viria a visitar frequentemente Caetano no Brasil. Não deixou de recordar que "a Rede Globo interrompeu o seu programa de domingo à tarde para informar da morte do prof. Marcelo Caetano. Isso mostra bem o prestígio que ele tinha no Brasil". Depois do 25 de Abril, Duarte Ivo Cruz voltou ao governo, pelas mãos do PSD.