ARQUIVO Katrina 2005/2010

"Um furacão que parecia querer arrancar tudo pela raiz"

25 agosto 2010 22:00

Ricardo Lourenço, correspondente nos EUA (www.expresso.pt)

Milhares de desalojados pelo furacão Katrina ocuparam durante meses o relvado e parte das bancadas do estádio fechado Astrodrome, em Houston

richard carson/reuters

Há cinco anos, May Turner sobreviveu à ira do furacão Katrina sentada no telhado da sua casa, onde esperou três dias por ajuda. Até hoje, ainda não ganhou coragem para regressar a Nova Orleães. Clique para aceder ao índice do dossiê Katrina 2005/2010

25 agosto 2010 22:00

Ricardo Lourenço, correspondente nos EUA (www.expresso.pt)

A 30 de Agosto de 2005, um dia depois da passagem do furacão Katrina, os velhos diques que protegiam Nova Orleães cediam e a massa de água com cerca de cinco metros de altura arrastava tudo o que existia no distrito número nove, na parte mais baixa da cidade.

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Os que insistiram em ficar (cerca de 20% da população), na maioria idosos, deficientes e pobres, foram apanhados desprevenidos. Nesse dia, May Turner acordara exausta. Tinha passado a noite em claro, a reforçar portas e janelas e a rezar para que tudo não passasse de um susto.

Quando já nada mais havia a fazer deitou-se. Mas nem os tampões nos ouvidos e uma almofada grossa a tapar a cabeça abafavam o som do Katrina, "um furacão que parecia querer arrancar tudo pela raiz", recorda agora ao Expresso.

Mais de 1600 mortos

A meio da manhã, May Turner percebe que pouco a pouco a água vai transbordando dos diques, erguidos no fim da rua. Horas depois, há uma ruptura, a primeira de muitas que acabariam por ditar a pior tragédia natural na história dos Estados Unidos. Em poucas horas, mais de 80% de Nova Orleães ficava inundada. Uma semana depois, estimar-se-ia que mais de 1600 pessoas teriam morrido.

May Turner salvou-se. Mal viu água entrar em casa correu para o telhado, onde ficaria à espera de ajuda durante os próximos três dias. Durante esse tempo, viu dezenas de cadáveres a serem levados pela enxurrada, rezando a cada minuto para que não conhecesse um destino igual.

Também no distrito número 9, no hospital de Santa Rita, o pessoal médico tentava transferir os pacientes do piso 0 para o 3.º andar. Um esforço que não chegaria a tempo para 45 idosos, apanhados de surpresa, prostrados nas suas camas ou cadeiras de rodas.

Demasiado tarde

"Lembro-me de que naquela segunda-feira, um dia depois da passagem do Katrina, tivemos de caminhar ao final da noite com a água pela cintura até à esquina mais próxima, entre as ruas Napoleon e Saint Clairbone. Aí esperámos três horas e meia até que um camião nos veio buscar. Infelizmente era tarde de mais para muitos dos nossos doentes", diz Rosalyn Hastert, uma ex-enfermeira em Santa Rita.

Rosalyn Hastert e May Turner (ambas vivem hoje em Houston, no estado do Texas) prometeram não voltar. Cinco anos depois temem um novo Katrina e que a cidade ceda mais uma vez.

Russel Honoré, o general que comandou as forças militares que, em 2005, coordenaram as operações de salvamento, não tem ilusões: "Qualquer cidade costeira na zona do Golfo do México nunca terá hipóteses perante um fenómeno daquela magnitude".

Nota: O Expresso publica, na sexta feira, uma entrevista com Russel Honoré. Entre hoje e domingo, apresentaremos todos os dias textos e entrevistas exclusivas a propósito do 5.º aniversário da tragédia do furacão Katrina.