ARQUIVO Katrina 2005/2010

Mais de meio milhão de voluntários ajudou na reconstrução

26 agosto 2010 12:14

Ricardo Lourenço, correspondente nos EUA (www.expresso.pt)

Deborah Johnson pinta a janela de uma das 50 casas recuperadas em Nova Orleães por um grupo organizado de voluntários

cheryl gerber/ap

Nos últimos cinco anos, 650 mil pessoas viajaram até ao Mississipi e Luisiana para ajudarem na reconstrução das áreas afectadas pela passagem do furacão Katrina. O Expresso ouviu algumas das histórias destes voluntários. Clique para aceder ao índice do dossiê Katrina 2005/2010

26 agosto 2010 12:14

Ricardo Lourenço, correspondente nos EUA (www.expresso.pt)

Às seis da manhã, Don Harris, Troy Peterson e Donna Gray já trabalham no duro, pendurados em escadotes e com cordas à cintura, finalizando o telhado de uma habitação quase pronta a estrear. Há que dar tudo por tudo antes que o calor aperte.

Clique para aceder ao índice do DOSSIÊ KATRINA 2005/2010

Denise, a futura proprietária, nada e criada no estado do Mississipi, terá finalmente um lar ao fim de cinco anos a viver em tendas, barracas e roulottes - os tectos a que teve direito após a passagem destruidora do furacão Katrina, a 29 de Agosto de 2005.

Ela não sabe como agradecer e muito menos tem dinheiro para pagar. Por isso, todos os dias, ao final da manhã, entra numa cozinha improvisada e prepara o almoço para os trabalhadores. Segundo eles, nunca se esquece da sobremesa.

Lavados em lágrimas

"Estão todos muito agradecidos e dizem-no a toda a hora, sempre lavados em lágrimas. Tive uma velhota de 80 anos que todos os dias, às 14h, surgia à porta da barraca com a sua máquina de karaoke e começava a cantar para os trabalhadores. Era a sua forma de agradecer", recorda Don Harris, de 65 anos, que pela 13ª vez está nos arredores de Ocean Springs, Mississipi, a ajudar na reconstrução.

Desde que as operações de reconstrução começaram no Mississipi e no Luisiana, mais de 650 mil voluntários vieram para ajudar

Desde que as operações de reconstrução começaram no Mississipi e no Luisiana, mais de 650 mil voluntários vieram para ajudar

cheryl gerber/ap

Este ex-professor de liceu fica hospedado em Camp Victor, um acampamento que, desde 2005, já acolheu mais de 15 mil pessoas. A 'missão' de Don começou há três anos, quando veio pela primeira vez e ficou "impressionado" com os níveis de destruição e miséria. O facto de morar a mais de 800 quilómetros de distância, na cidade de Nashville, no estado do Tennessee, não o desmotiva, mesmo sabendo que tem de conduzir mais de oito horas para lá chegar.

O que o furacão Katrina tirou há cinco anos, voluntários como Don Harris procuram restituir. Desde que as operações de reconstrução começaram no Mississipi e no Luisiana, mais de 650 mil pessoas vieram para ajudar. Ficam durante uma semana e regressam a casa. Das 200 mil casas destruídas durante a tragédia, restam cinco mil por reconstruir.

Aprender com o tempo

"Enquanto houver trabalho por fazer, continuaremos a vir até cá. Lembro-me da minha primeira viagem ao Luisiana e dos rostos de aflição. O meu coração sangrou", lembra Troy Harris, 44 anos, natural de Newfoundland, no estado de Pensilvânia.

De acordo com este construtor civil, há coisas que se aprendem com o tempo. "Por exemplo, aceitar tudo o que as pessoas nos dão. Se não o fizermos eles irão sentir-se num regime de caridade perpétuo, o que é mau para a autoestima".

"O fluxo de pequenos presentes é constante", diz Donna Gray, uma voluntária da Carolina do Norte, que passa a maior parte do tempo nas limpezas visto que não tem grande jeito para a construção.

Sem dinheiro para continuar

As doações abrandaram entretanto e Camp Victor luta para manter as portas abertas. O mesmo se passa com outros acampamentos na região.

As doações abrandaram os acampamentos de voluntários lutam para manter as portas abertas

As doações abrandaram os acampamentos de voluntários lutam para manter as portas abertas

cheryl gerber/ap

"O Katrina passou há muito tempo, o interesse dos media acabou e a atenção das pessoas dispersou-se", afirma Harris. Arnie Fielkow, presidente da Assembleia Municipal de Nova Orleães considera que a comunidade tem uma enorme "dívida de gratidão" para com Camp Victor, mas a verdade é que com a passagem do tempo "é natural que o número de doações diminua e que por isso a vida destas organizações acabe.

"A maior homenagem que lhes podemos prestar é continuar a regenerar as nossas comunidades", diz o autarca, cuja entrevista o Expresso publicará no domingo.

Nota: O Expresso publica amanhã uma entrevista com Russel Honoré, o general que comandou as operações de socorro após a passagem do furacão Katrina. Até domingo, serão publicados textos e entrevistas exclusivos a propósito do 5.º aniversário da maior tragédia natural na história dos EUA.