25 agosto 2010 17:00
Como reagem os humanos quando os recursos de uma sociedade organizada se esgotam? Em poucos dias Nova Orleães deixou a céu aberto a vulnerabilidade humana. Clique para aceder ao índice do dossiê Katrina 2005/2010
25 agosto 2010 17:00
Os que não tiveram meios para sair da cidade, quando chegou o furacão Katrina, procuraram refúgio em amplas construções como o Superdome ou o Centro de Convenções. Isolados, sem assistência nem reservas de água ou de comida, milhares de americanos ficaram entregues a si próprios.
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Nestes espaços fechados, sem energia eléctrica que permitisse o ar condicionado, as temperaturas rapidamente subiram aos 35 graus. O lixo e o desespero acumularam-se. Durante a noite, alguns humanos roubaram. Violaram. Outros morreram. Assim ficaram até que a ajuda finalmente chegou.
O desastre natural, a que se seguiram os roubos, as pilhagens e as imagens da indiferença, ou da doentia convivência com cadáveres nas suas cadeiras, mostram a exposição extrema de um pesadelo: em poucos dias uma sociedade organizada decompõe-se e deixa a nu a fragilidade dos humanos face à escassez de recursos, mesmo no país ícone do desenvolvimento.
Jared Diamond, um geógrafo norte-americano citado pela revista "Veja", acha que este poderia ser um exemplo de uma sociedade saciada que repentinamente colapsou. O geógrafo tem estudado o comportamento das sociedades e o que determina o seu sucesso ou colapso. A solução ou o problema passam sempre pela forma como são administrados os recursos que existem no planeta.
Nunca como agora a tecnologia permitiu compreender e antecipar fenómenos naturais. Nunca como agora foi possível salvar vidas ou obter altos níveis de conforto. Mas também nunca o consumo foi tão elevado. No último século o consumo de água cresceu seis vezes, mas um terço da população do Mundo sente a falta dela e sofre de doenças por falta de água potável.
Nos últimos 50 anos o consumo de petróleo aumentou sete vezes. A esperança média de vida subiu de 50 para 67 anos.
Nunca tantas pessoas tiveram acesso a saúde, a educação, a alimentos, a casa. Mas será que os recursos chegam para todos ?
A China e a Índia - juntas, representam um terço da população mundial - aspiram a um nível de vida mais elevado. E para lá caminham a passos largos.
Travar o desenvolvimento económico não é solução. Ninguém gosta de regredir, de perder o bem-estar alcançado. E, hoje, a tecnologia pode resolver muitos problemas relacionados com a escassez de recursos. A questão fundamental é ter consciência do desperdício. De cada um. Ninguém gosta de se preocupar com esses problemas globais que se imaginam sempre longe, no futuro, quase na ficção. Poupar água, optar por energias alternativas, consumir apenas o essencial, não é difícil. Basta querer.
É sempre preferível a enfrentar a escassez que pode alterar todos os comportamentos. Jared Diamond estudou a forma como a Nova Guiné e a ilha de Páscoa lidaram com a escassez de recursos naturais. Na Nova Guiné racionalizaram-se os recursos, na ilha de Páscoa consumiram-se até se esgotarem. Nesta ilha o colapso foi rápido, a sociedade ruiu e alastrou para a guerra civil. Nestas circunstâncias surge o pior do que há no humano, que quando luta pela sobrevivência ignora qualquer traço civilizacional.
Nova Orleães, a cidade fantasma, passou a ser patrulhada por militares, ocupada por "gangs", sobrevoada por helicópteros. Isto, apesar da devastação provocada pelo desastre natural.
A fina linha que separa o bem estar da escassez revela até onde pode ir o humano. Em qualquer parte do mundo.
Texto publicado na revista Única de 10 de setembro de 2005
