ARQUIVO Face Oculta

Pista que podia ilibar Vara deixada de fora

12 dezembro 2009 0:01

Micael Pereira e Ricardo Marques (www.expresso.pt)

Director da Lisnave que teria recebido 10 mil euros no mesmo dia que o banqueiro diz não ter sido ouvido pela PJ. Clique para visitar o dossiê FACE OCULTA

12 dezembro 2009 0:01

Micael Pereira e Ricardo Marques (www.expresso.pt)

A Polícia Judiciária não notificou nem ouviu até agora um quadro superior da Lisnave, em Setúbal, apontado num documento do Ministério Público de Aveiro sobre o 'processo Face Oculta' como tendo recebido 10 mil euros de Manuel Godinho horas depois de o sucateiro de Ovar ter alegadamente entregado uma quantia igual a Armando Vara.

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A coincidência dos valores e da data, 25 de Maio, poderia vir a ser explorada pela defesa como um argumento a favor do vice-presidente do BCP, já que antes desses encontros Godinho terá pedido apenas dez mil euros a uma funcionária sua (um pedido que foi apanhado numa escuta). O que implicaria que tivesse pago, por absurdo, 20 mil euros quando só tinha dez mil.

Os investigadores do processo, no entanto, não aprofundaram os indícios em relação ao encontro de Setúbal, apesar de este estar descrito como um facto no despacho que acompanhava as operações de busca de 28 de Outubro.

"É a primeira vez que alguém fala comigo sobre esse assunto", confessava Manuel Gomes ao Expresso, depois de um almoço de Natal da Lisnave, em Mitrena, e pouco antes de Armando Vara ir à RTP dar a primeira entrevista de um arguido sobre o caso, esta quinta-feira.

Director do departamento responsável pela relação com os empreiteiros que prestam serviço aos estaleiros navais de Setúbal, Manuel Gomes garante nunca ter sido abordado pela Polícia Judiciária ou pelo MP e nega ter recebido dinheiro do sucateiro de Ovar. "Encontrei-me com ele várias vezes. Não me recordo se aconteceu nesse dia, mas os encontros decorreram sempre da nossa relação profissional. O senhor Manuel Godinho ia à Lisnave perceber quais eram as perspectivas de trabalho para o futuro e ver os volumes de sucata nas instalações". O Expresso confirmou junto de várias fontes que o funcionário dos estaleiros navais não é arguido no processo.

No documento que acompanhava as buscas, a investigação refere que os 10 mil euros supostamente pagos a Gomes por Godinho correspondiam a um compromisso assumido a 11 de Fevereiro, numa outra visita do sucateiro à Lisnave, em que os dois teriam acordado a recolha de 100 toneladas de resíduos ferrosos (normalmente pagos por quem os recolhe, por causa do valor que têm no mercado) como se se tratasse de lixo indiferenciado (que, pelo contrário, é pago a quem o recolhe), no que constituiria um duplo benefício ilícito.

Na véspera, a 10 de Fevereiro, o sobrinho do empresário de Ovar, Hugo Godinho (arguido, tal como ele), teria estado em Mitrena, reunindo-se com Figueiredo Costa, responsável directo da gestão da sucata da Lisnave e subalterno de Manuel Gomes. Ao Expresso, Figueiredo Costa negou igualmente que tivesse sido contactado até ao momento pela polícia e deu uma explicação para o alegado "duplo benefício ilícito": "Houve um procedimento interno, aprovado por mim e pelo meu chefe, com conhecimento da administração, em que a Lisnave deu esses resíduos ferrosos como pagamento pelo facto de recolherem o lixo. Tudo o resto é falso". A empresa tem a correr uma auditoria interna.

"Criações mentais"

Na entrevista à RTP, Vara também refutou a imputação do Ministério Público de que recebeu dinheiro no dia 25 de Maio das mãos de Godinho, classificando as provas que haverá contra ele como "criações mentais das pessoas que estão à frente do processo" e acrescentando: "Não há nenhuma escuta de Manuel Godinho a dizer que os dez mil euros são para mim".

Confrontado pela jornalista Judite de Sousa sobre o facto de Manuel Godinho ter entrado com um envelope na sede do BCP na manhã desse dia, Armando Vara contrapôs que não viu nenhum envelope nas fotografias que consultou nos autos. "É verdade que o senhor Godinho foi ter comigo ao gabinete do BCP, é verdade que foi um facto fortuito. O encontro que ele tinha era com a pessoa da EDP que tinha ficado de o receber para conversar com ele. Foi por acaso que foi ter comigo nessa manhã. Ele não dava com o endereço da EDP e telefonou-me a perguntar onde era." O vice-presidente do BCP estava a referir-se a Domingos Paiva Nunes, administrador da EDP Imobiliária, com quem o sucateiro foi ter minutos depois de abandonar a sede do banco.

Admitindo que considerava Godinho "uma pessoa de bem", a quem foi apresentado em 2000 ou 2001, Vara confessou que não procurou saber do que é que o empresário de Ovar e o administrador da EDP conversaram. "Depois praticamente não falei com o Paiva Nunes sobre isso. Perguntei-lhe uma vez se tinha corrido bem o encontro e ele disse-me que sim".

  • "Há muita coisa que posso fazer no BCP, (...) projectos especiais (...), quero contribuir com o meu trabalho para manter o meu salário"
  • "Quando vou a casa do senhor Godinho, vou na presunção de que o estou a fazer com uma pessoa de bem"
  • "Tenho muito a perder. Sou vice-presidente de um banco, depois de 40 anos de trabalho"
  • "A primeira vez que ouvi falar da 'Face Oculta' foi às oito menos um quarto da manhã, quando tocou a campainha de casa e eu abri a porta a sete inspectores da PJ"

Texto publicado na edição do Expresso de 12 de Dezembro de 2009