20 agosto 2009 22:30
Pré-campanha. O candidato aposta no low profile, mas sempre em passada larga. O lema é: 'Menos Câmara/mais moradores'.
20 agosto 2009 22:30
O calor aperta em Lisboa logo pela manhãzinha de quarta-feira. Nos bairros sociais os termómetros sobem ainda mais. Não por qualquer estigma - simplesmente escasseiam as sombras. As temperaturas a caminho dos 40 graus não refreiam o ímpeto de Pedro Santana Lopes. Com passo acelerado, arrasta a pequena comitiva de pouco mais de meia dúzia de colaboradores, num périplo por bairros sociais - Calvanas, na Ameixoeira; Quinta das Laranjeiras, aos Olivais; Marquês de Abrantes e Bairro do Condado, em Marvila.
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Santana encontra-se com dirigentes associativos. É interpelado por populares, ao virar da esquina, no meio de uma praceta. Em certos momentos o séquito engrossa, com adesões espontâneas de crianças, mulheres, idosos. Mesmo quando viaja de carro, instam-no a parar e lá troca impressões com um grupo de jovens, que fazem campanha por um campo de futebol de 5 em condições.

Um pequeno salto para o homem...
A todos, à medida dos problemas colocados, Santana expõe o seu pensamento para os bairros sociais. Começa por uma declaração de interesses: quer a "extinção imediata" da Gebalis, a empresa municipal que trata deste parque habitacional (mais de 23 mil fogos, dispersos por sete dezenas de bairros). "Transformou-se numa cooperativa de delegações partidárias", diz. Acrescenta que a entidade "é detestada". "Não vou a lado nenhum de Lisboa onde as pessoas me digam bem da Gebalis".
Fora do desígnio programático, Santana acha que a autarquia, directamente ou por interposta agência, tem muitos prédios a cargo. A solução é vendê-los a quem, já neles habitando, os quiser comprar. "Se sentirmos que a casa é nossa cuidamos dela de outra maneira", explica.

... um passo para o candidato
A alienação de imóveis ocorreu quando foi presidente e pretende retomá-la se for eleito. "A Câmara não tem hipóteses de tratar da manutenção de tantos fogos", diz. "Acredito numa EPUL" (a Empresa Pública de Urbanização de Lisboa, que trata do imobiliário sem carácter social) "reconvertida, com divisão de responsabilidades com a Direcção Municipal de Habitação".
Um caminho aparentemente inverso ao percorrido no mandato em que esteve nos Paços do Concelho. Nesse tempo, três dezenas de bairros sob gestão camarária passaram para a Gebalis.
Ao toque das campainhas

Pedro Santana Lopes no Bairro Marquês de Abrantes (Marvila)...
Menos Câmara na gestão dos bairros sociais, já se percebeu o ideário do candidato. E mais responsabilidade dos moradores."A autarquia deve estimular o associativismo. Temos de colocar as pessoas no processo". Santana dá como exemplo o realojamento do Bairro das Calvanas, na extremidade do aeroporto, ao lado da Segunda Circular, trasmutado para moradias unifamiliares em banda cerca de dois quilómetros mais a norte, junto ao forte da Ameixoeira.
Noutro momento do périplo, em Chelas, junto ao espaço onde pretende erguer um Pavilhão Multifunções - uma das âncoras propostas para esta zona da cidade; as outras passam pela "transferência de dois a três ministérios" - olha à volta. Destaca as torres que têm um bom aspecto. "São cooperativas de habitação".

... após inspeccionar um baldio onde a população quer um polidesportivo
Em resposta a alguns pedidos, Santana advoga uma maior participação das juntas de freguesia. Por exemplo, na criação de zonas verdes nos muitos espaços baldios entre as torres de betão. Mas o apelo recorrente vai para um maior envolvimento das pessoas.
Por vezes alguns dos queixosos levam como resposta um "não" do candidato. Um morador lamenta uma falha da Gebalis: "No meu prédio só falta meter as campainhas a funcionar". Santana insurge-se (de forma politicamente irrepreensível, sem correr o risco de perder qualquer voto): "Está à espera da Câmara para colocar as campainhas em condições, ou para reparar os estores? Isso não pode ser!"
Já a entrar pela tarde, a última etapa do roteiro: almoço retemperador no Pelicano Dourado, em Chelas. Aqui, como noutros pontos da visita, Santana é saudado como um velho conhecido, alguém que conhece minimamente os cantos à casa. "Nestas minhas visitas peço sempre para estarem poucas pessoas. Quero ver com calma, conhecer os problemas. Tem sido assim desde Março".

Santana junto a edifícios a demolir. Em frente, as traseiras do prédio do restaurante Pelicano Dourado. No meio, protegido pela construção, um corredor da morte
No restaurante, o ex-presidente da Câmara pergunta à proprietária, D. Leontina Pontes, como está a irmã, que "é bióloga" e "trabalha em Miratejo".
No Pelicano Dourado, no coração da Zona J, onde além do trivial da cozinha portuguesa se respiram sabores e saudades da África natal, todos torcem por uma vitória do candidato social-democrata. "Se ganhar, os festejos não serão no Marquês de Pombal. Venho aqui celebrar", disse Santana na quarta-feira. E uma vez por mês todos os membros do gabinete irão saborear os pitéus de D. Leontina.
Da 'sala privada' do restaurante tem-se vista, através de porta gradeada, para um dos célebres 'corredores da morte', onde ao longo dos anos muitos têm perdido a vida por 'overdose'. O bloco de apartamentos (paralelo à fachada de casas onde está o Pelicano, cuja existência dá resguardo ao espaço), com a maior parte das portas seladas por chapa de metal, aguarda a hora da demolição.
Nos bairros sociais de Lisboa, o horizonte sonhado e o beco esconso do presente, as promessas e a realidade, as boas intenções e as coisas implacáveis da vida vivem paredes meias.
"Agarrámo-nos a ele como uma lapa".
A expressão é de Manuel Meireles, presidente da Associação de Moradores das Calvanas. Refere-se à ida de Santana Lopes ao bairro, na campanha para as eleições de 2001.
O objectivo dos munícipes era forçar o realojamento. "Você fez um discurso a chamar tudo aos políticos, numa sala a abarrotar", recorda o candidato, sorrindo. Não custa muito imaginar Santana a reverter uma atmosfera como a descrita, adversa. A avaliar pela amostra desta semana, duram poucos segundos as contrariedades, quando as há.
Uma moradora no Bairro das Laranjeiras (Olivais), reclama contra a instalação de uma antena de telemóveis no topo do prédio. Diz mesmo ter sido o único condómino a resistir, com queixa em tribunal.
"Mulher corajosa!", exclama o candidato, que a seguir a felicita por "colocar assim os homens na ordem". Nas águas dos contactos com os populares, Santana é peixe que sabe nadar, contra a corrente, em qualquer profundidade.
81.816
é o número declarado de habitantes nos 70 bairros sob gestão da Gebalis. "Mas há muitos clandestinamente",diz fonte municipal. Cruzando aquele valor revisto em alta, com os eleitores inscritos (524 mil em 2007, a corrigir em baixa), o peso dos bairros sociais é de cerca de 20%, o que os coloca no roteiro obrigatório dos candidatos.
Texto publicado na edição do Expresso de 15 de Agosto de 2009