19 maio 2011 13:16
Na conferência de imprensa de Cannes, o cineasta baralhou-se e afirmou que era nazi e compreendia Hitler (ver vídeo). Mais tarde, saiu um comunicado do seu agente de imprensa com um pedido de desculpas. Tudo isto a propósito da estreia de "Melancholia", um filme que acaba literalmente com o mundo. Clique para visitar o dossiê Cannes 2011
19 maio 2011 13:16
Foi uma trapalhada escusada a que se viu ontem na conferência de imprensa de "Melancholia". Lars von Trier tem um dom especial para gerar polémica à sua volta, pelos filmes e também pelo que lhe sai da boca. E nunca Cannes teve tanta vontade de lhe cortar a voz como ontem.
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Interrogado por uma jornalista inglesa sobre uma entrevista em que Trier revelava gostar da estética nazi, o dinamarquês explicou-se, afirmando que julgou muito tempo ser judeu ("com prazer", disse) antes de descobrir que era de facto "de origem alemã, logo nazi, igualmente com prazer!: o que posso dizer? Compreendo Hitler. Acho que fez algumas coisas erradas mas consigo imaginá-lo no bunker nos seus últimos dias (...) Simpatizo com ele um pouco." Afirmou, depois, que era uma piada, certamente de mau gosto. Duas horas mais tarde, a sua agência de imprensa emitia um comunicado com um pedido de desculpas.
O casamento
Lars von Trier é um produto de Cannes. Apresentou-se na Croisette à corrida pela Palma de Ouro pela nona vez (deve ser um recorde!), com um filme sereno, atmosférico, infinitamente mais valioso que o seu último trabalho, "Anticristo". Elenco luxuoso: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Charlotte Rampling, Kiefer Sutherland... Trier queria Penélope Cruz (a quem agradece no final do genérico) mas a espanhola preferiu fazer o quarto episódio de "Piratas das Caraíbas".
"Melancholia" começa com um ralenti operático e wagneriano (ouve-se a abertura de "Tristão e Isolda") e um casamento. Tem duas partes, cada uma com a sua irmã, Justine (Dunst), a loira, e Claire (Gainsbourg), a morena. São as partes solar e lunar do filme. Justine é a noiva. Está numa limousine branca, ao lado do marido, já de anel no dedo. Dirige-se para o espantoso castelo da irmã e do cunhado, que lhe oferecem a boda.
A cena tem um humor inesperado já que a limousine de 5 metros não consegue passar numa curva: há já bastante tempo que não se sorria tanto num filme de Trier. Resultado: os noivos chegam à sua própria festa com duas horas de atraso. Está tudo filmado à moda do Manifesto Dogma, câmara ao ombro, personagens à procura do conflito - Trier não perdeu o jeito.
No final dessa noite, Justine faz um disparate e o casamento está desfeito. Felicidade no cinema do dinamarquês é coisa que dura pouco. Mas o filme entretanto já ganhou personagens. Kirsten Dunst parece um anjo vulnerável e sublime, é certamente a primeira personagem feminina de Trier que se oferece como objecto de desejo. John Hurt interpreta o pai bondoso de Justine. Charlotte Rampling é a mãe, severa e judiciosa: está contra o casamento da filha. Tudo filmado, voltamos a dizê-lo, com uma serenidade inesperada em Trier, uma calma de fim de mundo.
Apocalipse
Enquanto o casamento se faz e desfaz em "Melancholia", descobre-se que os dias e noites seguintes serão de agonia já que, no sistema solar, anda um planeta gigantesco e de órbita irregular que se prepara para esmagar a Terra. A ciência astronómica acredita na salvação. Mas Trier, e isto não é novo, não é cineasta de salvar nada. A sua falta de esperança na humanidade é total. O seu ponto de vista sobre o mundo é o de Justine, que de algum modo se sente tocada pela influência do planeta exterminador.
Não é a primeira vez que Trier desenha o retrato de uma mulher em histeria e, neste ponto, "Melancholia" é um regresso claro a "Dancer in The Dark", de 2005, o filme com que o dinamarquês venceu aqui a sua primeira e única Palma de Ouro. Só que a histeria de Justine é branda, catatónica, tem uma melancolia que lhe fica bem. E será assim que chega o Apocalispse, no oposto absoluto dos filmes-espetáculo de Hollywood. Foi Trier quem o disse, na mesma conferência de imprensa: "nem é o fim do mundo que me interessa, antes um estado de espírito."
Virtuosismo operático
Carregado de Wagner do princípio ao fim, "Melancholia" é o grande filme romântico de Lars von Trier e inventa, tal como Malick, um espaço de atmosferas com novas imagens de um cosmos desconhecido que darão magníficos papéis de parede para os vossos computadores. É curioso notar como "The Tree of Life" e "Melancholia", o primeiro falando da origem da vida e o outro do fim dela, afinal se assemelham tanto na superfície da tela. Essas imagens objectivamente belas são o que de mais intrigante Lars von Trier realizou nos últimos tempos. Inventam um êxtase que é um um desejo da morte de Deus, do homem, de tudo. Mas o espectador não deixará igualmente de perguntar-se: emoção cinematográfica pura ou um videoclip de fim do mundo?
Conferência de imprensa: "I understand Hitler"

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