28 julho 2010 8:00
O ditador esteve para ser operado por um neurocirurgião ligado ao PCP. Alguns dos clínicos que o assistiram mais de perto pertenciam à Maçonaria. Na véspera de morrer, Salazar recebeu uma segunda extrema-unção. Clique para aceder ao dossiê Salazar morreu há 40 anos
28 julho 2010 8:00

Vasconcelos Marques, chefe da equipa de neurocirurgia e o prof. norte-americano Houston Merritt
«a capital» (arquivo gesco)
Nos últimos dois anos de vida - desde a intervenção cirúrgica ao cérebro, até à morte - Salazar foi acompanhado por uma vastíssima equipa de médicos, disponibilizados e pagos pelo Hospital da Cruz Vermelha. Segundo uma listagem feita pelo Expresso, foram 43 os clínicos que o trataram, das mais variadas especialidades (desde neurologia e neurocirurgia, até anestesiologia, passando por urologia e nefrologia).
A listagem baseia-se no próprio processo clínico de Salazar, existente no Hospital da Cruz Vermelha, completado por dois dos principais trabalhos sobre o fundador do Estado Novo: a biografia "Salazar", de Franco Nogueira, e "Salazar. O Fim e a Morte", do seu médico Eduardo Coelho, escrito em parceria com o filho António Macieira Coelho.
Operação acompanhada ao vivo por 13 clínicos
Só no bloco operatório da Casa de Saúde da Cruz Vermelha, a assistir à cirurgia na madrugada de 7 de Setembro de 1968, estiveram 13 médicos.
A operação esteve a cargo dos cirurgiões Vasconcelos Marques, Álvaro de Ataíde e Lucas dos Santos, enquanto a anestesia foi confiada a Maria Cristina da Câmara. De acordo com o biógrafo Franco Nogueira, que à época era o ministro dos Negócios Estrangeiros, à cirurgia assistiram ainda mais nove clínicos: Eduardo Coelho, Almeida Lima, Bissaia Barreto, Lopes da Costa, João de Castro, Ana Maria Monteiro, Silva Santos, João Bettencourt e Jorge Manaças.
O chefe da equipa de cirurgia foi António Vasconcelos Marques, director do serviço de neurocirurgia do Hospital dos Capuchos. Segundo a versão de Eduardo Coelho, o médico pessoal de Salazar, Vasconcelos Marques foi a quarta escolha.
Primeira escolha foi um médico pró-PCP
Os primeiros nomes a serem considerados foram os de Eduardo Moradas Ferreira, Gama Imaginário e Almeida Lima.
Apesar de ligado à Oposição, suspeito mesmo de simpatias pelo PCP, Moradas Ferreira foi a primeira hipótese a ser equacionada. No entanto, "estava fora do Continente, na Madeira"; atendendo ao carácter de extrema urgência da operação, e não havendo forma de ir buscar Moradas Ferreira a tempo, Eduardo Coelho foi obrigado a mudar de ideias.
Alternativas consideradas foram, então, as de Gama Imaginário e Almeida Lima; o primeiro, porém, "estava doente", enquanto o segundo "já não operava".
Médicos ligados à Maçonaria
Impôs-se assim o nome de António Vasconcelos Marques. A primeira incisão, porém, foi efectuada pelo seu colega Álvaro Ataíde, também ele desafecto ao regime salazarista e já pertencente à Maçonaria - de que viria, mais tarde, a ser dos principais responsáveis.
Também à Maçonaria pertencia Bissaia Barreto, velho amigo de Salazar e seu médico pessoal, antes de ser substituído por Eduardo Coelho. O mesmo sucedia com um dos analistas, Fernando Teixeira, bem como o nefrologista Jacinto Simões.
Este foi, aliás, o clínico que mais assiduamente acompanhou o ditador na fase terminal. Sobretudo a partir de 15 de Julho de 1980, quando adoeceu gravemente.
Pároco da Estrela dá segunda extrema-unção
Submetido a hemodiálise, acompanhado por Jacinto Simões, logo surgiram complicações em cadeia: perturbações cardiovasculares, carência da função renal, um edema pulmonar e focos de pneumonia.
No domingo, 26 de Julho, o ditador entrou em agonia, a pondo de ter sido chamado o padre Gomes Duarte, pároco da basílica da Estrela, que deu a extrema-unção a Salazar.
Foi a segunda que este sacramento lhe foi administrado: a primeira fora em 16 de Setembro de 1968, pelo cardeal Gonçalves Cerejeira, quando Salazar entrou em coma, na sequência do violento AVC que se seguiu à cirurgia.
"Um electrocardiograma quilométrico"
Segundo o comunicado oficial emitido pelo Governo, Salazar faleceu às 9.15 horas de 27 de Julho de 1970.
A morte foi confirmada por um electrocardiograma, feito e assinado por três cardiologistas: o médico pessoal, Eduardo Coelho, o filho, Eduardo Macieira Coelho, e J. Silva Maltez.
"Costumo dizer que foi um electrocardiograma quilométrico", recorda Macieira Coelho; "como o dr. Salazar estava clinicamente morto, o resultado só podia ser uma linha contínua".

O cirurgião Vasconcelos Marques. Nas suas memórias, Eduardo Coelho (o médico de Salazar) diz que foi uma quarta escolha
«a capital» (arquivo gesco)
446 mil euros com os médicos
Quase um terço das despesas efectuadas pelo Hospital da Cruz Vermelha relacionam-se com os honorários apresentadas pelos médicos.
Segundo a documentação existente no processo clínico de Salazar, desde o internamento à morte, as despesas com os médicos foram de 1.611.860 escudos, o que equivale atualmente, nos termos de um coeficiente de atualização do INE, a cerca de 446 mil euros.
Desta verba não fazem parte os honorários do chefe da equipa de cirurgia, Vasconcelos Marques, que, compreensivelmente, foi quem apresentou uma "fatura" mais elevada.
Vasconcelos Marques: 152 mil ou 830 mil euros?
No seu livro de memórias, Eduardo Coelho, que viria a incompatibilizar-se com Vasconcelos Marques - a ponto de o caso ser julgado em tribunal -, diz que este "apresentou uma conta de honorários de três milhões de escudos" - 831 mil euros. No processo hospitalar, porém, estão registados apenas 550 mil escudos (152 mil euros), pagos pelo Ministério da Economia.
Eduardo Coelho, o médico pessoal de Salazar, escusou-se a apresentar quaisquer honorários.
A vinda de um especialista norte-americano
Ignora-se ainda o montante das despesas efectuadas com a vinda do médico norte-americano Houston Merritt, professor de neurologia e vice-presidente da Universidade de Columbia, de Nova Iorque.
Por sugestão da administração norte-americana, e a suas expensas, Merritt veio de propósito a Lisboa observar Salazar após o AVC. Pouco mais fez que confirmar o diagnóstico feito pelos colegas portugueses e elogiar o seu trabalho.
"Os cuidados médicos que o Presidente tem recebido e o tratamento que foi instituído para a hemorragia intracerebral foram excelentes e não poderiam ter sido ultrapassados em parte alguma do mundo", escreveu Merritt num relatório de 18 de Setembro de 1968.
Neurocirurgia - António Vasconcelos Marques, Álvaro Ataíde, Almeida Lima, Eduardo Lucas dos Santos, Fernando Silva Santos, Jorge Manaças, João Barros de Bettencourt
Neurologia - João Lobo Antunes, Ermelinda Santos Silva e Miranda Rodrigues
Cardiologia - J. Silva Maltez , J. Correia Marques, Eduardo Macieira Coelho, Lima Faleiro, Eugénia Cohen da Cunha Telles e António Gomes Conceição
Anestesiologia - Maria Cristina da Câmara, João de Castro, Avelino Fortes Espinheira, Ana Maria Monteiro e M. Silva Araújo
Urologia - Cândido da Silva, Alberto Matos Ferreira, Sousa Sampaio, J. Pires Pereira
Cirurgia geral - J. Viana Barreto
Gastrenterologia - J. Pinto Correia
Otorrinolaringologia - Carlos Larroudé
Fisiatria - Henrique Martins da Cunha
Medicina física e de reabilitação - António Eduardo Alves Carpinteiro
Análises clínicas - Manuel H. Nazaré, Fernando Teixeira
Nefrologia - Jacinto Simões
Reumatologia - José de Mendonça da Cruz
Pneumologia - Tomé Vilar
Estomatologia - Ferreira da Costa, Manuel Figueiredo
Oftalmologista - João Saraiva
A estes nomes, haverá que acrescentar o médico de Salazar, Eduardo Coelho, Bissaia Barreto (que desempenhara anteriormente idênticas funções), Luís Lopes da Costa (diretor clínico do Hospital da Cruz Vermelha), Neto Rebelo e o professor americano Houston Merritt.