17 fevereiro 2008 18:36

A livraria da Bantam Books é um sinal de que a leitura não deixou de ser um modo de ocupação dos tempos livres
Da recordação de Woodstock à interpretação de Schubert, da teatralização de uma peça de Samuel Beckett até a Hamlet, que este ano chega aos palcos, a agenda cultural está cheia de opções. Teatro, exposições, ballet, poesia, livros, muitos livros. Tudo num único local: o mundo virtual de Second Life.
17 fevereiro 2008 18:36
Para os que por qualquer razão perderam as edições anteriores e não querem procurar o fio da meada, escreveu-se em jeito de balanço e guia de caminho este texto, que traça em passos rápidos o que é, se procurarmos bem, Second Life. Ora vamos lá. Num destes fins-de -semana pegue no computador e... explore o lado virtual da vida.
Vivemos por estes dias tempos únicos. A largura de banda veio alargar horizontes, dinamizando o acesso à Internet e tornando fácil a experiência comunitária. Estamos na Pré-História, sabemo-lo bem, porque novos dias virão, com maior largura e opções, mas por ora brincamos com o que há como, porventura, os primeiros homens brincaram com a roda, tosca, que haviam inventado.
É nesse contexto de expansão que Second Life vive. O mundo virtual que ao longo do Verão de 2007 foi alvo das notícias de toda a Imprensa teve, como resultado dessa exposição mediática, uma explosão demográfica, de cinco para mais de 12 milhões de avatares, ou representações virtuais de seres humanos. É um crescimento inusitado na vida real mas que reflecte, de algum modo, o interesse e sede que as pessoas têm de experimentar algo de novo.
Doze milhões

Os concertos de música clássica encetados em 2007 continuarão a suceder em 2008 por todo o Second Life
E que faz toda essa multidão dentro de um espaço que só existe no interior de grandes servidores? Compra, vende, passeia, explora. Repete, essencialmente, e em muitos casos, o que faria na vida real, mas aqui sem as fronteiras físicas, o que, para quem tiver o estado de espírito necessário, conduz à descoberta de novos horizontes. De facto, em SL torna-se possível assistir a eventos que na vida real seria difícil compatibilizar. Escutar um concerto por músicos irlandeses na Dublin virtual, dar um pé de dança num clube nocturno de Londres, visitar a mais recente exposição de um artista da vida real com mostra numa galeria virtual (e porque não?) ou assistir a uma peça de teatro numa mesma noite são actividades a que se acede com um simples clique do rato.
Comércio sempre aberto

A literatura tem sabido usar o mundos virtual para levar mais longe as apresentações de novas obras de escritores
O comércio não foi esquecido, e algumas empresas, as que souberam adaptar-se, parecem florescer. Lugares de Second Life como os dos fabricantes de automóveis ou de relógios de marca sugerem que o mundo virtual é uma extensão natural dos negócios da vida real, promovendo as marcas 24 horas por dia, sete dias por semana, sem praticamente custos, dado que é possível remeter o visitante para páginas na Web que servem de elo com o mundo real. Um exemplo disso mesmo é a Mercedes, que tem um funcionário algumas horas por dia no seu espaço, mas remete os clientes para as suas páginas, até ao concessionário local, que pode finalizar um negócio que começou com a sedução de um primeiro contacto virtual com o modelo desejado. Outro exemplo, diferente, é o da IBM, que tem funcionários a tempo inteiro em Second Life, para atender uma clientela ao redor do mundo.
Hippies e bailado

O bailado continua em 2008, com a IBM a apoiar o SLBallet, que no final de Fevereiro inaugura uma nova temporada com uma estreia
A IBM é um sinal evidente do possível casamento ente lucro e cultura. A imensa "ilha" da IBM tem diversos espaços culturais e num deles está actualmente presente o SLBallet, o primeiro ballet do mundo virtual, criado em Fevereiro de 2007, interpretando peças escritas propositadamente para aquele mundo tridimensional. Fundado por Inarra Saarinen, dançarina e coreógrafa na vida real, reúne um grupo de gente de diversos locais - Bahrein, Chicago, Dinamarca, Grã-Bretanha, Alemanha, Hawaii, Holanda, Nova Iorque, Seattle, Escócia e Washington - muitos deles profissionais da dança, em torno de uma paixão que seria difícil consumar com a mesma facilidade no mundo real. É dessa capacidade para cruzar as barreiras físicas que SL trata.
Desde a Primavera de 2007, de facto, que SL tem sido palco de intensa actividade cultural, de um musical ao jeito do West End britânico a uma primeira presença organizada de uma orquestra profissional, a Filarmónica de Liverpool, numa estreia de reportório. E foi também espaço de celebração de memórias, desde Woodstock até ao Verão do Amor, quando um grupo de jovens floridos encheu Haight-Ashbury, em São Francisco, e declarou aberto o tempo do "flower power".
Destino turístico

Mesmo o cinema tem encontrado em Second Life um novo espaço experimental para cineastas e guionistas
E sinalizando que é possível investir do lado de lá para promover a vida real, estão investimentos como o do Tourism Ireland, que depois de um ensaio geral em Outubro passado decidiu investir em força na Dublin virtual de Second Life, com exposições, música ao vivo e outras formas de arte e entretenimento social... virtual. Para quê? Para promover o turismo na Irlanda real. Os resultados da primeira experiência sugerem que vale a pena dedicar muito tempo de 2008 a mostrar a Irlanda aos avatares. O turismo holandês, o mexicano e outros mais estão a seguir o mesmo caminho.
Chineses virtuaisO ano de 2008 promete ser um dos mais ricos em termos da experiência dos mundos virtuais. Consolidada a ideia da sua importância - os chineses criaram uma área de 80 quilómetros quadrados perto de Pequim para preparar um assalto em massa aos mundos virtuais, acreditando que é uma forma de chegarem a todo o lado - agora é tempo de explorar todo o potencial da ferramenta.
Tudo parece estar ainda por fazer e descobrir. Da peça de Samuel Beckett "Eh Joe" levada à cena no Teatro Massimo Falcone e Borsellino em Second Life (no simulador de Nuova Sicilia, um destino a descobrir na malha de SL) o caminho prepara-se para a grande redescoberta de Shakespeare, através da SL Shakespeare Company, que pretende recuperar toda a obra do autor britânico para interpretação no Second Life, fundindo a tradição da Arte de Talma com a mais moderna tecnologia. A proposta da avatar Ina Centaur e equipa, que dará vida a outro exemplo de cultura, a reprodução do Globe Theater em SL, é um dos momentos altos do calendário do mundo virtual, que continua a desdobrar-se em eventos culturais. Grupos de discussão literária, como o que pode ser encontrado na ilha de SLiterary, um nome associado à cultura no mundo virtual da Linden Lab, sugerem como em SL as pessoas podem alargar as fronteiras além da sua rua ou bairro, descobrindo na universalidade do mundo virtual, facilmente, outros que partilham os mesmos interesses. Independentemente da raça, cor ou credo.
O prazer de lerO exemplo da SLiterary, que tem um espaço para apresentação de obras e autores em SL, com entrevistas "ao vivo" e mantém uma revista dedicada à escrita de ficção, devolve-nos ao cordão umbilical entre comércio e cultura, provado possível em SL. E a confirmar isso, a SLiterary não está só. Quando se entra em locais como a livraria virtual da Bantam Books e se escolhe um cadeirão para sentar e deliciar com páginas de livros apanhados a eito nos escaparates, percebe-se que sabe bem sentar ali - quase se pode sentir o cheiro de livros e do couro dos sofás, quiçá de um café - e folhear virtualmente obras, descobrir as novidades, escutar as palavras de alguma apresentação, por vezes pelos autores, de novos títulos. Irritantemente virtual, dirá o leitor. Bem, a verdade é que sem substituir-se à experiência de entrar numa livraria do mundo real, esta outra experiência de leitura, alarga a relação que cada um de nós tem com os livros. A partir da livraria em SL é possível aceder às páginas bidimensionais do site da Bantam, devorar um capítulo da obra escolhida, até comentá-la, e mesmo encomendar a dita. É essa fusão de 2D/3D que SL permite. O futuro da Web passa por ali. E provavelmente muito do nosso futuro colectivo na eterna demanda do saber.
IBM lança mundo virtual
Na esteira das suas experiências em Second Life e outros mundos virtuais a IBM lançou a 15 de Fevereiro o seu mundo virtual PowerUP, um universo 3D centrado na exploração de energias alternativas e conservação ambiental. O jogo/mundo, grátis, e com versões para pessoas com deficiência física (é referida ainda a preparação de uma versão para invisuais) pretende associar o aspecto sedutor dos jogos a uma vertente cultural e educativa.
Windlight renovado
Os frequentadores habituais de Second Life que usam o navegador com a versão Windlight - a tal muito bonita mas a exigir computadores com alguma potência gráfica - terão percebido que a Linden Lab está a remendar o programa, pelo ritmo de sucessivas versões novas que tem sido necessário descarregar nos últimos dias. Tudo para tornar o programa mais eficaz já que a tendência será que todos os utilizadores sigam naquela direcção. As imagens usadas pelo Expresso neste dossiê são sempre obtidas com Windlight.
Publicidade não
Os grandes cartazes publicitários que enchem algumas áreas de Second Life vão ter de desaparecer, indicou a Linden Lab recentemente, num sinal mais de que as liberdades do mundo virtual original vão sendo restringidas à medida que mais gente chega ao universo paralelo. A medida visa eliminar, pelo menos oficialmente, a utilização abusiva de cartazes para tapar um terreno, tornando-o menos interessante e portanto de menor valor no mercado imobiliário. Depois basta sugerir um preço, adquirir a área e... retirar os cartazes. Agora acabou-se, diz a Linden Lab.