Perfil

Manuel Buíça, o atirador

2 fevereiro 2008 0:01

Nair Alexandra

A sua pontaria ganhou fama após ter morto o rei D. Carlos com um tiro certeira na nuca.

2 fevereiro 2008 0:01

Nair Alexandra

Manuel dos Reis da Silva Buíça, filho do abade de Vinhais, nasceu em Bouçais (concelho de Valpaços) a 24/11/1883. Chegou a fazer o serviço militar, como sargento, e foi instrutor na carreira de tiro de Bragança. A sua pontaria ganhou fama - tudo indica ter sido da carabina Winchester que usou no Terreiro do Paço que partiram os dois tiros fatais para D. Carlos e D. Luís Filipe, na tarde de 1 de Fevereiro de 1908.

 Dele temos a descrição feita por Aquilino Ribeiro em "Um Escritor Confessa-se". Este escritor foi dos que mais informação deixou sobre os regicidas, até porque os conheceu, tendo sido compadre de Buíça: "De corpo era de estatura meã, rosto fino, tez branca a que dava realce a barba preta, em tons de fogo (...) as linhas fisionómicas duma delicadeza que, fora das mulheres, desagrada. A aparência, toda ela de franzino, mascarava-lhe inteiramente o génio assomadiço e a coragem (...) Só os olhos, muito imóveis e azuis, mas sem crueza, traíam nele o ânimo expedito e a índole, que além de resoluta, era exaltada. (...) Galante, franco, liberal, corajoso, blasonador, incoerente muitas vezes, parlapatão mais de uma, sem equilíbrio na vida, sem disciplina moral".

 Esta última descrição contrasta com a imagem que deixou como professor no Colégio Nacional, uma escola privada, do ensino primário que chegara a pertencer aos jesuítas e na altura era propriedade da família Ary dos Santos (Almada Negreiros terá sido o seu aluno mais famoso, chegando a elogiar as qualidades do mestre). Diversos actos seus na preparação do regicídio - para além da participação fundamental que teve - contradizem outra apreciação de Aquilino, segundo o qual Buíça era republicano, "menos por convicção profunda que por 'flanerie' de espírito". 

Era assíduo frequentador do Café Gelo, no Rossio de Lisboa, ponto de encontro de revolucionários e conspiradores (décadas mais tarde, viria a sê-lo dos surrealistas). Bebia ali o seu cálice de conhaque, rodeado de amigos e conhecidos. Tinha a perfeita convicção de que ia morrer no atentado que se preparava. Tanto, que, a 28 de Janeiro de 1908 (data do abortado levantamento republicano em Lisboa que ficou conhecido como Conspiração do Elevador) redigiu um testamento: "Minha família vive em Vinhais para onde se deve participar a minha morte ou o meu desaparecimento caso se dêem. Meus filhos ficam pobríssimos; não tenho nada que lhes legar senão o meu nome (...). Peço que os eduquem nos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade que eu comungo e por causa dos quais ficarão, porventura, em breve, órfãos". 

Viúvo e pai de duas crianças, Buíça tinha uma amante, Maria, a quem escreve, à mesa do Café Gelo, uma última carta, a alvitrar uma iminente morte. Será aí que, no próprio dia 1, almoçará com Alfredo Costa. Ambos comerão omeletas e beberão cerveja. Do café descerão para o Terreiro do Paço. Um informador da polícia desconfia daqueles homens e pergunta ao Buíça ao que vai. Resposta: "O mesmo que o amigo faz, desejo ver passar o nosso rei e saudá-lo como ele merece".