Perfil

Alfredo Costa, o operacional

2 fevereiro 2008 0:01

Nair Alexandra

"Alto, desengonçado de corpo, duma fisionomia séria, quase triste". Alfredo Luís da Costa foi um dos assassinos do rei.

2 fevereiro 2008 0:01

Nair Alexandra

O homem, considerado por autores como Jorge Morais, um dos organizadores do atentado do Terreiro do Paço, nasceu em Casével (Castro Verde), terra ainda hoje muito marcada pela interioridade alentejana. Na altura do regicídio vamos encontrá-lo em Lisboa, onde tinha aprendido o ofício de caixeiro, escrito em jornais e criado uma editora ligada à propaganda republicana.

Membro da Maçonaria e da Carbonária, dele refere Raul Brandão, nas suas Memórias, a propósito de uma entrevista com Rodrigues Laranjeira publicada no "Imparcial" (1/7/1910), que Alfredo Luís da Costa terá preparado o atentado na Loja "Obreiros do Trabalho". Aquilino Ribeiro retrata-o: "Alto, desengonçado de corpo, duma fisionomia séria, quase triste (...), grandes olhos castanhos, lentos a mover-se, com uma fixidez que parecia de sonâmbulo e era de atenção, um nada de barba loura no queixo, o nariz levemente amolgado sobre a esquerda". Na mesma obra "Um Escritor Confessa-se", Aquilino resume-lhe o perfil psicológico: O "seu republicanismo acabara por tornar-se exclusivamente um clima de consciência, soberano e despótico. Não lhe faltava nada para carrasco ou herói".

Tal como Manuel Buíça, tem a consciência de que a sua participação no atentado irá custar-lhe a vida. Segundo Jorge Morais (O Regicídio - A Contagem Descrescente, Zéfiro, 2008), a 31 de Janeiro Alfredo Costa vai ter com o jornalista Meira e Sousa (director do diário republicano "O País") e pede-lhe que, depois da morte tome conta de uma irmã que ainda vive em Casével: "Tenho a certeza de que não escaparei", sublinha. Nessa noite janta com Buíça no Café Gelo, no Rossio, e tenta dissuadir o amigo de participar no assassinato com este argumento: "Você não, que tem filhos". Mas Buíça teimou.

No dia seguinte - a data fatal - Alfredo Costa quer ir pagar uma dívida a um amigo, que lhe responde: "Depois fazemos contas". Segue-se uma interrogação irónica: "Depois?".

Depois a história registou os acontecimentos do Terreiro do Paço. A relativa indiferença com que os lisboetas encararam o funeral das figuras régias, de resto cheio de ilustres convidados estrangeiros, contrastou com algum culto dos autores do atentado, vistos como mártires de uma causa nobre (sobretudo Buíça, de quem se coleccionaram botões e mechas de cabelo). Nas "Memórias", Raul Brandão recorda a visita à morgue de Lisboa, para onde foram os corpos dos regicidas: "O frigorífico é um buraco, e os cadáveres foram atirados uns por cima dos outros a trouxe-mouxe, de mistura com pedaços de gelo. Toda a gente tira o chapéu e fala baixinho".

A notícia das peregrinações populares à campa dos dois homens causa fúria entre os mais próximos da família real. A marquesa de Rio Maior recorda, nas suas Memórias: "Uma das coisas mais horríveis e vergonhosas desses negros dias, foi a romagem que se organizou ao Alto de São João, às sepulturas dos regicidas". Por seu lado o médico do rei, Tomás de Mello Breyner, indigna-se: "Dá vontade de renunciar à nacionalidade! Arre canalha!"O escritor José Gomes Ferreira, filho do republicano Alexandre Ferreira, tinha oito anos e foi levado ao Alto de S. João pela mão do pai: "... senti muita pena dos regicidas... Pena de estarem mortos e sozinhos... E cada vez mais sozinhos, apesar da enorme multidão que acorreu ao cemitério em romagem aos regicidas - que éramos nós todos" (Dias Comuns II).