O Nascimento de Jesus

Outros renascimentos – Moby Dick (6)

21 dezembro 2006 15:06

Em inúmeras passagens do livro de Melville, Moby Dick, a imagem da igreja é comparada à do navio.

21 dezembro 2006 15:06

Ainda antes da partida do Pequod, há um sermão do padre Mapple, na igreja (cap. IX), em que ele incita os devotos (marinheiros) a concentrarem-se: «Que os do quarto de estibordo se acerquem de bombordo! Que os do quarto de bombordo se acerquem de estibordo! Todos ao centro do navio!»

Todos ao centro do navio, todos ao centro da igreja. Num capítulo anterior, Melville escreve, ainda mais explícito: «O mundo é um navio efémero que não conclui a viagem; e o púlpito é a proa desse navio».

Moby Dick é, assim, sob vários pontos de vista, um livro profundamente religioso; ludicamente religioso, acrescente-se. A ironia e o humor acompanham os ecos das palavras de Cristo. Um exemplo apenas: depois de Queequeg, o canibal, salvar do mar um camponês, Melville atribui-lhe estes pensamentos: «Este mundo, em todos os meridianos, é uma associação de socorros mútuos. Nós, os canibais, temos obrigação de ajudar estes cristãos» (cap. XIII).

De entre vários, o episódio que mais remete para uma espécie de renascimento cristão é aquele em que um dos marinheiros cai sobre uma baleia recém-capturada, que seguia acorrentada do lado de fora do barco, estando assim o marinheiro prestes a afogar-se dentro da cabeça da baleia («viu-se a cabeça da baleia, até então inerte, palpitar e erguer-se da superfície do mar, como se naquele momento lhe tivesse ocorrido uma ideia importante», mas não: era o marinheiro que tentava — em vão — sair de dentro da cabeça que se afundava cada vez mais).

O relato do salvamento é bíblico. Queequeg, mais uma vez, mergulha e, debaixo de água, com o seu sabre afiado, abre um buraco na parte debaixo da cabeça da baleia; depois introduz o braço e primeiro puxa por uma perna do marinheiro, mas de dentro da baleia não consegue tirar o resto do corpo. Assim, escreve Melville, Queequeg «voltou a largar a perna e, com uma sacudidela hábil» fez o marinheiro «dar uma cambalhota» e na tentativa seguinte este saiu então «à boa e antiga maneira, com a cabeça à frente».

Melville elogia a «coragem e a habilidade obstétrica de Queequeg», pois foram essas qualidades que evitaram que o outro marinheiro morresse afogado; e termina depois com um sensato conselho: «A obstetrícia deveria ser ensinada a par da esgrima, do pugilismo, da equitação e do remo».

Eis o relato de um invulgar parto; de um invulgar renascimento.