ARQUIVO O que a censura cortou

Preço da gasolina volta a subir

9 janeiro 2009 20:00

Um dossiê sobre as Forças Armadas levou oito golpes. Costa Gomes era um liberal e Spínola um federalista.

9 janeiro 2009 20:00

Subida de preço da gasolina". A manchete do Expresso de 12 de Janeiro de 1974 teve que ser reescrita. A versão inicial foi cortada na totalidade: "Está previsto para as próximas duas semanas novo aumento no preço da gasolina, estimando-se que, para a super, o novo preço se situe nos 10$50. Este aumento, que é justificado pelo agravamento do preço das ramas, irá funcionar como um imposto indirecto". A segunda versão ainda levou um risco: "As ramas a comprar em Cabinda terão, no entanto, que ser pagas em dólares, nos termos do contrato de concessão da Gulf". O petróleo de Cabinda era igualmente tratado na secção de economia e também levou um golpe: "Estamos, pois, e finalmente, a beneficiar do contrato que o Governo português tem com a Cabinda Gulf".

Figura central de Moçambique, a capa noticiava (dois cortes) a demissão de Jorge Jardim do grupo Abecassis. "Le Monde, pela pena de um jornalista exilado, traçou de Jorge Jardim a figura de um político de bastidores, a procurar para Moçambique uma independência estilo rodesiano. A versão não corresponde ao pensamento político de Jorge Jardim, o qual mais se encaixa nos esquemas de uma federação de estados, mediante a participação de todas as raças e etnias".

A nomeação do novo embaixador dos EUA em Lisboa era o tema de um dos editoriais. A talhada foi tal que nada foi publicado. "Neste canto ainda não europeizado da Europa, as instituições não estão devidamente afinadas para que os cidadãos possam vir a desempenhar, por mérito próprio (não por provirem de uma família rica), o papel profissional que lhes competia".

Na passagem do 15º aniversário da revolução cubana, Marques Leal escreveu um longo artigo sobre Fidel que foi para o lixo - apesar do seu tom anti-soviético e anticastrista.

A Revista abria com um trabalho acerca das Forças Armadas. Não assinado, teve oito cortes. "Os conteúdos políticos são dominantes e sempre que eles são ameaçados começa a surgir a conspiração que pode ter êxito maior ou menor consoante os apoios". O general Costa Gomes era apresentado como um "homem conhecido pelas suas tendências liberalizantes". Por outro lado, do general António Spínola "se espera, para breve, um livro sobre o Ultramar em que nos parece que a tese da federação é defendida". O artigo admitia que os sistemas de segurança pudessem vir a "ser perturbados por entidades dotadas de visões políticas não condizentes com as oficiais, tentando impô-las pela força". Um artigo de opinião de Mário Cardoso abordava a mesmíssima agitação militar. Um dos seis cortes foi no título: "Optimismo porquê?", mudado para "Justas situações e incentivos".

A seis colunas, a primeira página trazia a crise universitária em Lisboa. Especialmente em foco estava Medicina. Expurgado o comunicado subscrito por alunos dos três últimos anos, que referia que "os 4º, 5º e 6º anos da Faculdade de Medicina de Lisboa não iniciaram ainda as suas actividades escolares".

O julgamento de oito implicados na ARA foi adiado para Março. A notícia teve dois cortes. A ARA terá "constituído a réplica circunstancialmente necessária" do PCP "a uma das acusações que se lhe faziam mais frequentemente: a de pacifismo. Acusação, aliás, que não partia apenas dos maoistas mas também de organizações de orientação democrático-radicais como a LUAR e a FPLN". Já o julgamento do padre Mário de Oliveira prosseguiu. "Um industrial de Guimarães confessou ter recuperado o sentido da dignidade nas suas relações com os operários da fábrica que possui, por influência das homilias e, sobretudo, do exemplo dado como cristão pelo pároco de Macieira da Lixa". Este foi um dos dois cortes. Quatro levou a absolvição, pelo Tribunal da Relação do Porto, de 25 democratas de Braga, que se haviam recusado a pagar multas por participação numa reunião política. Uma força da PSP "entrou, embora não dispondo de mandado de busca, numa casa particular". Apagado, por duas vezes, o nome do juiz do Tribunal de Braga que os havia condenado. Chamava-se José Marques.

Açores à espera do governador

"O governador do Distrito Autónomo de Ponta Delgada, coronel Basílio Seguro, cessará as suas funções no começo do próximo mês (...) Reina expectativa em Ponta Delgada sobre a nomeação do próximo governador. Expectativa acrescida pelo facto de ser este o primeiro governador civil a nomear pelo novo ministro do Interior, dr. Moreira Baptista. Manter-se-á a linha seguida pelo anterior ministro, dr. Rapazote, de designar para governadores pessoas alheias às ilhas? Passará a consultar-se a ANP, ao contrário do que outrora se fez, com atritos muito explicáveis?". Era para a coluna 24 horas, mas não saiu.

Insuficiente

Com Moçambique atingido por inundações e cólera, "os medicamentos e a alimentação estão a ser fornecidos de forma irregular, insuficiente e atrasada". Três adjectivos seguidos era demasiado. O primeiro foi julgado o bastante.