7 março 2008 22:30
Numa grande reportagem sobre o Vaticano, não passou o título, que aludia a uma 'Igreja com dores de parto'.
7 março 2008 22:30
Exilado em Paris desde 1970, Mário Soares viajou até ao Brasil. A partir de declarações prestadas à imprensa local, um jornalista do Expresso elaborou uma notícia para a página 3. Chamava-se 'Problemas da emigração e da guerra no Ultramar abordados por Mário Soares no Brasil'. Abria assim: "Em digressão pela América do Sul, o dr. Mário Soares, conhecido oposicionista há três anos no exílio, prestou declarações à imprensa brasileira sobre vários aspectos da actual situação política portuguesa, com destaque para os problemas da emigração e da guerra em Angola, Guiné e Moçambique. O 'Jornal do Brasil' reproduziu algumas afirmações do dirigente da Acção Socialista Portuguesa, que para esta deslocação ao continente americano suspendeu por oito dias a sua actividade de professor de História Contemporânea de Portugal, na Sorbonne". O artigo foi integralmente cortado.
Soares falava igualmente das eleições de Outubro. A cinco dias do fim do prazo do recenseamento eleitoral, o Expresso também falou do assunto. Mais uma vez foi laminada uma local sobre a campanha promovida pela oposição. No caso, em Ponta Delgada. "Elementos ligados, em 1969, à CDE tomaram a iniciativa de uma reunião de esclarecimento no salão paroquial de São Pedro, nesta cidade, que não veio, aliás, a realizar-se, por falta da necessária autorização administrativa". Usando dois pesos e duas medidas, a censura não se opôs à última parte do artigo: "Nos últimos dias numerosas pessoas afirmam ter recebido cartas do deputado Mota Amaral contendo um apelo ao recenseamento". Ainda que ligado à ala liberal, Mota Amaral era candidato pela ANP, o único partido legal.
À época, o país conhecia um fenómeno há muito desconhecido: a inflação. O tema era analisado por dois jovens economistas, António Borges e Miguel Beleza, que assinavam A.C. Castel Branco Borges e L.M. Pizarro Beleza. O artigo foi golpeado por quatro vezes, com especial relevo para a passagem em que se previa "que se multipliquem os sinais de mal-estar e alerta da opinião pública". Curiosamente, igual número de cortes levou o artigo de opinião de um outro economista, Mário Murteira.
A Revista da edição de 10 de Março de 1973 arrancava com uma grande reportagem de Augusto de Carvalho, enviado ao Vaticano. "Consistório de cardeais numa Igreja com dores de parto" era o título escolhido. Ao censor, porém, era inconcebível que se usasse tal figura de retórica ao falar da Santa Sé. O título teve de ser mudado para um neutro e respeitador "Consistório de cardeais no esplendor do Vaticano". Um dos períodos expurgados rezava assim: "Ela não pode deixar de sentir que as suas palavras soam a falso quando, por exemplo, do alto de um trono, ou revestido de ouropéis, com a corte dos grandes do mundo a cercá-lo, fala em humildade, em proximidade com a pobreza, em trilhar novos caminhos". E a seguir: "Como definir o anúncio da nomeação dos cardeais em tempo de Carnaval? Coincidência? Cálculo? Inconsciência? Certo é que, novamente, na Igreja, a máquina das nomeações foi posta em movimento, a máquina das ambições humanas, das festas, do vermelho sobre os ventres e na cabeça... em suma, um espectáculo de Carnaval.
São inconscientes os homens que fazem festa enquanto três quartas partes da Humanidade morre de fome, quando há povos subdesenvolvidos e muita miséria à face da terra". O Vaticano não foi o único tema além-fronteiras a incomodar o Exame Prévio. O mesmo sucedeu com as eleições na Argentina e em França. Aqui, saltou a informação de que o novo Governo de Paris "opor-se-á à candidatura" à CEE "de qualquer país de regime não democrático (Portugal, Espanha e Grécia)". A primeira página titulava: "Boicote à Gulf Oil por causa de Cabinda". Na semana anterior, a mesma notícia estivera congelada, certamente à espera de instruções superiores. Foi libertada com três golpes. Era sobre uma campanha desencadeada no Reino Unido contra a Gulf Oil por causa de Cabinda. O verdadeiro motivo foi cortado: o "apoio prestado pela Gulf à luta portuguesa contra os guerrilheiros que actuam em Angola".
Intramuros, saltou o parágrafo mais 'subversivo' de um protesto popular contra uma acção de despejo em Benavente: "Há dias, uma força da GNR foi a Foros de Almada para fazer cumprir a acção de despejo. Com a guarda seguiam seis carregadores para transportarem os haveres dos rendeiros para fora de suas casas. De súbito, começou a aparecer gente aos magotes. O monte ficou rodeado por centenas de pessoas. Vieram reforços de Santarém, mas a ordem do tribunal ficou por cumprir. Até quando?"
Lisnave
Bardamerda