20 fevereiro 2009 18:50
Libertado, nem assim o padre Mário de Oliveira escapou a dois cortes. Para o lixo foram dois textos sobre o feminismo.
20 fevereiro 2009 18:50
"Portugal aparece no relatório relativo a 1973 da OCDE com uma taxa de inflação da ordem dos 20,6%, só superada pela taxa da Grécia, 30,4%. Apenas a Holanda, dos 23 países pertencentes à OCDE, apresenta uma taxa para 1973 mais baixa relativamente à de 1972". Com três cortes, a notícia tornou-se impublicável. O disparar do custo de vida afectou a revisão do CCT dos empregados de escritório. O impasse era ilustrado com o exemplo, proibido, do ordenado mínimo para o 3º escriturário; "à proposta do sindicato que pedia 8500 escudos, contrapunha o grémio apenas 4510$00".
A manchete da edição de 16 de Fevereiro de 1974 era assaz estranha, já que se limitava à transcrição integral de um despacho do secretário de Estado da Instrução e Cultura. O título sugerido era "Proibida a actividade do grupo de Estudo do Pessoal Docente". Foi o único corte, o que deu origem ao título "Circular sobre a actividade dos Grupos de Estudo do pessoal docente".
A capa trazia ainda um artigo de Francisco Balsemão acerca da televisão. Nem todos os seis cortes foram respeitados. "No plano político, esta [A RTP]tem cumprido, sem manifestações externas de enfado, os ditames do poder executivo. Abriu um pouco, quando o regime abriu um pouco; fechou bastante, quando o regime fechou bastante".
Duas breves da coluna 24 Horas foram amputadas. Uma, revelava a publicação em Itália do livro "I Pirati della Liberta", com episódios da vida política portuguesa, entre os quais "o famoso caso de Beja". Outra era uma boa notícia: a libertação, ao cabo de onze meses, do pároco de Macieira da Lixa.
Para a Revista, estavam programadas duas peças sobre o movimento feminista. Cada uma levou meia-dúzia de valentes machadadas, o mesmo que as deitar para o lixo. Uma, era um artigo de Maria Isabel Barreno. "Uma das acções para este ano será precisamente uma greve de mulheres - que não será efectiva, evidentemente, as feministas não estão no reino da utopia, mas o que lhes interessa é o lançamento da ideia. Como forma de consciencialização: a noção da própria força". Por outro lado, Helena Vaz da Silva entrevistava Faith Gillespie, da Women's Liberation inglês. Significativamente, quatro dos cortes incidiram sobra referências feitas ao livro "Novas Cartas Portuguesas" ou às suas três autoras. "No dia 30 vai haver uma manifestação de solidariedade às três Marias em Paris, uma procissão de luto nas ruas".
Três cartas sujeitas à censura vieram de lá com carimbos vermelhos. Na do leitor Brás Luís de Abreu foram chumbadas duas das três propostas de título: "O universo kafkiano" ou "Os alunos de Medicina abandonados". Salvou-se "O labirinto da burocracia".
A demissão do director da Faculdade de Medicina foi proibida. "Depois dos incidentes registados na Associação dos Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa, e tendo por base a forma como eles foram efectuados, o director desta Faculdade, dr. Cândido de Oliveira, apresentou um pedido de demissão ao ministro da Educação Nacional". Uma outra notícia, relativa à agitação universitária, foi golpeada quatro vezes. "Os estudantes das várias faculdades reuniram-se em plenário (...) contra estas medidas que consideram atentatórias à sua vida estudantil. Registe-se que as associações que actualmente estão em funcionamento são apenas as de Agronomia e Económicas".
A Carteira Expresso, de Vicente Marques, foi manchada dias vezes. "Têm circulado uns rumores dando conta de desinteligências no BNU quanto à sua participação (por não ser maioritária), na referida sociedade de investimentos. Como se compreende é difícil confirmar informações deste teor, tanto mais que oficialmente tudo continua como dantes: o BNU tomará 20% do capital da Sociedade de Investimentos".
A revista maoista "O Tempo e o Modo" foi processada, mas nada foi tolerado. "Contra o mensário político "O Tempo e o Modo" está agora em curso a instrução preparatória de um processo intentado pela DGS, referente à publicação de um caderno consagrado a José Estaline (...) Durante uma das incursões daquela polícia à sede de "O Tempo e o Modo" foi detido, por alegado desrespeito à autoridade, cometido sobre a pessoa dos investigadores, um colaborador da revista, Emanuel Augusto Santos, o qual continua internado na cadeia do Forte de Caxias". Emanuel Santos é o actual secretário de Estado do Orçamento.
De Espanha, vinha a notícia da libertação de 31 objectores de consciência. Riscada a informação que haviam sido condenados "por se negarem a cumprir o serviço militar".
Ponto final
Ao cabo de 59 semanas, esta é a última vez que se publica a coluna "O que a Censura Cortou". O motivo é simples: extinção da matéria-prima. Esta coluna, com efeito, baseava-se nas provas do Expresso submetidas, desde o nº1, à Comissão de Exame Prévio e guardadas em dossiês no jornal. Há uns anos, desapareceu o último dossiê, com as provas das edições de 23 de Fevereiro de 1974 até à revolução. Na próxima edição de 25 de Abril, sairá um livro que irá juntar, de uma forma desenvolvida, o que aqui se foi publicando.
Magalhães Mota
"Em tempo de assembleias gerais", era o título do artigo, proibido, do ex-deputado liberal. Começava assim: "Hoje, precisamente hoje, inicia-se a chamada 'Conferência Anual da ANP'. O nome da reunião é, com certeza, bem escolhido e adequado à evolução da continuidade. Não vai longe o tempo em que a actividade política nacional se resumia a escutar o conferencista".