ARQUIVO O que a censura cortou

DGS processa Mário Soares no exílio

13 fevereiro 2009 21:11

Golpeadas ainda as notícias sobre os processos contra Palma Inácio, Saldanha Sanches e Maria José Morgado.

13 fevereiro 2009 21:11

A DGS instruiu um novo processo contra Mário Soares, devido à entrevista concedida ao semanário francês "L'Express". Com sete cortes, a notícia vinha na capa da edição de 9 de Fevereiro de 1974. Soares encontrava-se "exilado em França aproximadamente desde as penúltimas eleições".

A instrução preparatória, distribuída "ao 2º Juízo Criminal de Lisboa a cujo juiz competirá a elaboração do respectivo despacho de pronúncia, acusa o dr. Mário Soares do cometimento, em concurso real, de dois crimes dolosos, que o tornam susceptível de ser punido com de dois a oito anos de prisão maior".

Já o envio ao tribunal do processo contra Palma Inácio foi golpeado cinco vezes. O jornal recordava o currículo do mais famoso guerrilheiro português, que em tempos conseguira evadir-se da cadeia da DGS no Porto "serrando as grades da cela".

Proibida foi uma notícia sobre o MRPP. "O estudante e publicista José Luís Saldanha Sanches é acusado, num processo instruído pela DGS e agora remetido a tribunal, de ser dirigente da organização de orientação maoísta MRPP. Do mesmo processo figura ainda como arguida Maria José Capelo Morgado, aluna da Faculdade de Direito de Lisboa, que, em liberdade sob caução, aguarda, desde o princípio desta semana, o momento de responder no plenário".

Igualmente expurgado foi o artigo de opinião "O ultramar em maré de confusões". De autor não mencionado, criticava o discurso do deputado por Moçambique Gonçalo Mesquitela. "Um discurso lamentável", era como o classificava um dos editoriais, atingido por quatro facadas. Duas foi quanto levou o outro editorial, acerca da situação na Faculdade de Medicina de Lisboa.

Cinco cartas recebidas na Redacção vieram da rua das Gáveas manchadas de azul, ainda que em proporções diferentes. As de Albino P. Viana e F. dos Dambos foram para o lixo; a primeira comentava o ingresso dos capitães milicianos no quadro permanente; a segunda, referia-se à situação na Baixa Zambézia, com o leitor a advertir à margem: "Só se permite a sua publicação integral".

A carta da administração da empresa Comundo sofreu duas aparadelas. Realce para a passagem sobre os maus capitalistas, "que fazem das suas companhias feudos familiares que engordam a fauna dos áulicos, dos aderentes, dos saprófitas e outra mesclagem sem préstimo que zomba do suor de quem trabalha".

O carimbo 'Proibido' foi aposto em várias notícias na área do ensino, como a entrada da polícia na associação de Medicina de Lisboa e o telegrama a Caetano de 116 professores da Escola Industrial de Matosinhos. O mesmo ocorreu com um longo texto que analisava as razões do aumento da gasolina.

Uma nota relativa aos novos preços do azeite também levou um corte. O regresso do general Costa Gomes da visita a Angola e Moçambique foi um dos cinco cortes da coluna militar. "Das medidas a tomar em relação à conduta das operações nos territórios visitados nada transpirou".

Desta última colónia vinha a resposta de Joana Simeão ao discurso do deputado Gonçalo Mesquitela, e que teve sete cortes. A dissidente da Frelimo defendia que se plebiscitasse "o pensamento de Marcello Caetano e de Rebelo de Sousa" sobre os territórios portugueses de África. A eventual instalação de bases navais americanas em Moçambique levou com o carimbo de demorado, antes de ser proibida.

Da revisão do contrato dos metalúrgicos saltou a reivindicação sindical de "um salário mínimo nacional de 6 contos para os trabalhadores adultos". Nos EUA, Eduardo Mayone Dias fez uma entrevista com quatro jovens ex-combatentes da guerra do Vietname.

"Um atirou uma granada na barraca do nosso comandante. Não foi uma granada 'viva', foi uma granada de exercício. Não tinha nenhum perigo. Mas foi como uma ameaça". Este foi o único corte, mas bem revelador.

Presos 151 estudantes

Um relatório oficial da Comissão Distrital de Lisboa da PSP dava conta de uma assembleia geral dos estudantes do ensino secundário de Lisboa, no dia 16 de Dezembro de 1973, na sala '7 de Maio' da Faculdade de Medicina de Lisboa. "Pelas 18h30, a PSP cercou e entrou na respectiva sala, onde estavam reunidos ilegalmente 151 indivíduos de ambos os sexos, na sua quase totalidade estudantes, que foram detidos e transportados ao Comando da PSP e que tiveram os seguintes destinos: enviados à DGS, 18; apenas identificados por serem menores de 16 anos, 37; autuados por infracção ao decreto 450/72, os restantes 96". Posteriormente, o secretário de Estado da Instrução e Cultura determinou que a todos fossem "levantados processos disciplinares".

MONOTONIA

"Enquanto os trabalhos do plenário se arrastam com monotonia no debate da lei da vinha..." Assim começava a crónica da Assembleia Nacional. O censor riscou a palavra "monotonia".