Empresa recua em comunicado à CMVM

Tavares nega acordo para Casino

16 fevereiro 2008 0:01

Carlos Rodrigues Lima

Estoril-Sol sugeriu uma mudança na lei que seria "imperceptível" e "insusceptível" de ser relacionada com o Casino Lisboa Tavares nega acordo para Casino.

16 fevereiro 2008 0:01

Carlos Rodrigues Lima

O Governo de Durão Barroso nunca prometeu dar o edifício do Casino de Lisboa à Estoril-Sol e só com a alteração à Lei do Jogo, feita em Dezembro de 2004, pelo Executivo de Santana Lopes é que foi possível à Estoril-Sol reclamar a posse do imóvel que, de acordo com a lei anterior reverteria para o Estado.. Estas são, em síntese, as explicações adiantadas ao Expresso pelo ex-ministro da Economia, Carlos Tavares. As declarações contrariam o que até ontem tinha sido dito pela empresa no que diz respeito ao acordo.

Num documento enviado pela concessionária a Telmo Correia em Agosto de 2004, a que o Expresso teve acesso, a empresa afirma que José Luís Arnaut, então ministro-adjunto do primeiro-ministro, Durão Barroso, Pedro de Almeida, ex-secretário de Estado do Turismo, Castanheira Lopes, chefe-de-gabinete do anterior, e o inspector-geral de Jogos, Joaquim Caldeira, foram os interlocutores da Estoril-Sol na primeira fase do processo em que se discutia o Casino no Parque Mayer. A Estoril-Sol garante ter ficado assente que o edifício do Casino e o parque de estacionamento não seriam reversíveis para o Estado. Arnaut disse ao Expresso que a questão, de facto, se colocou, mas só para a localização do casino no Parque Mayer, entretanto vetado por Jorge Sampaio. "Depois do veto do Presidente, já não acompanhei o processo", declarou Arnaut. Pedro de Almeida confirma a tese da Estoril-Sol. "E não foi acordo de boca. Foi assumido que o Estado não quis participar no investimento e portanto o casino não revertia para a sua posse", afirmou o antigo secretário de Estado do Turismo, actualmente conselheiro do Presidente da República, Cavaco Silva.

Versão diferente foi transmitida ao Expresso por Carlos Tavares, antigo ministro da Economia (que, aliás, em Abril de 2003 demitiu Pedro de Almeida) que tutelava a área do Turismo. "Nem o Governo como tal nem o ministro da Economia fizeram tal promessa. Nem sequer ela me foi pedida em momento algum. Essa condição só poderia, aliás, ser estabelecida pelo decreto-lei da concessão, portanto, por decisão colegial do Governo", respondeu o actual presidente da Comissão de Mercado e Valores Mobiliários (CMVM). Acrescentando: "Já depois de publicado o decreto (que autorizou a construção de um casino em Lisboa, sem ser especificamente no Parque Mayer), a questão foi colocada pela Estoril-Sol ao Ministério da Economia, tendo merecido um despacho negativo do então meu secretário de Estado Luís Correia da Silva". Este último, por sua vez, confirmou ao Expresso: "A minha perspectiva é que não estando explícito no decreto-lei que o edifício não revertia, então era porque revertia. Apenas cumpri a lei".

Carlos Tavares atira a responsabilidade para o Governo de Santana Lopes: "Recordo que foi o Governo seguinte que fez uma alteração da Lei do Jogo, que inverteu o princípio geral da reversão (a regra passou a ser a não-reversão, salvo se o decreto de concessão determinasse explicitamente a reversão, o contrário da regra anterior). Foi esta alteração que permitiu a posição assumida posteriormente sobre o caso em apreço". Apesar de confrontado com a versão de Pedro de Almeida (que foi o seu primeiro secretário de Estado com a pasta do Turismo), Carlos Tavares manteve as declarações.

Estoril-Sol recua no compromisso do Governo

Na semana passada, a Estoril-Sol enviou um comunicado à CMVM, dando conta dos passos da criação do Casino de Lisboa. Num dos pontos, a empresa afirma que no caso de Lisboa "o Estado desobrigar-se-ia de pagar 50% de todas as despesas realizadas na aquisição, construção, adaptação ou remodelação do edifício em causa, ao contrário do que ocorre nos demais casinos, com a mesma tributação, que para o Estado revertem no final das concessões". Argumento usado para explicar porque é que este casino não deveria reverter para o Estado.

Porém, o Relatório e Contas da concessionária de 2005 aponta outro entendimento: "Independentemente do Estado comparticipar ou não, os equipamentos e obras em cada um dos casinos cuja exploração é detida pelo Grupo (Casino Estoril, Casino da Póvoa), no final do prazo das concessões todos os bens destas unidades de exploração revertem para a propriedade do Estado". Menos o Casino de Lisboa, por força da entrada em vigor do decreto-lei que alterou a lei do jogo, aprovado pelo Governo de Santana Lopes (que, ao contrário do que o Expresso erradamente mencionou, ainda estava em efectividade de funções) em Dezembro de 2004. Entretanto, a CMVM já pediu à empresa para corrigir algumas informações do comunicado: na segunda versão, a Estoril-Sol já não é tão categórica quanto a um eventual compromisso assumido pelo Governo de Durão Barroso.

Ponto 2. (13 FEVEREIRO) - "As condições definidas pelo Governo de então sempre tiveram como pressuposto que o edifício do casino e os seus parques de estacionamento seriam propriedade plena da ESTORIL-SOL, não revertendo para o Estado no final da concessão".

Ponto 2. (15 FEVEREIRO) - "As condições definidas pelo Governo de então sempre tiveram como pressuposto negocial para a Estoril-Sol, que o edifício do casino e os seus parques de estacionamento seriam propriedade plena da concessionária ESTORIL-SOL, não revertendo para o Estado no final da concessão".

Ponto 4. (13 FEVEREIRO) - "O Decreto-Lei nº15/2003 acolhe as condições fixadas pelo Governo mas não refere explicitamente que o edifício não reverteria para o Estado no fim da concessão, apenas porque o entendimento da Inspecção-Geral de Jogos, desde sempre seguido até àquela data, era o de que essa menção expressa era desnecessária".

Ponto 4. (15 FEVEREIRO) - "O Decreto-Lei nº15/2003 acolhe as condições fixadas pelo Governo mas não refere explicitamente que o edifício não reverteria para o Estado no fim da concessão, uma vez que a sua não reversão resultava directamente do disposto no artigo 23º, nº 1 da Lei do Jogo".

Ponto 5. (13 FEVEREIRO) - "(...) a Inspecção-Geral de Jogos procedeu a uma reanálise da questão, tendo chegado a interpretação contrária à que antes havia emitido, o que o próprio Inspector-Geral, na exemplar postura que sempre o caracterizou, teve a honestidade e frontalidade de reconhecer"

Ponto 5. (15 FEVEREIRO) - "Porém, decorrido cerca de um ano sobre a data de entrada em vigor do citado Decreto-Lei nº 15/2003, e no quadro do estudo das várias hipóteses de localização do casino de que a Comunicação Social deu notícia, a Inspecção-Geral de Jogos procedeu a uma reanálise da questão".

Ponto 6. (13 FEVEREIRO) - "(...) Aquele Secretário de Estado (Luís Correia da Silva) comunicou, por escrito, à ESTORIL-SOL estar a questão a ser analisada devido à sua complexidade jurídica, prometendo para mais tarde uma decisão"

Ponto 6. (15 FEVEREIRO) - "(...) Em 2004-07-06, (Luís Correia da Silva) veio a ratificar o parecer concordante do Sr. Inspector-Geral de Jogos que autorizava a instalação do Casino Lisboa no Pavilhão do Futuro e do parque de estacionamento no mesmo local, no qual se fazia alusão à reversão destes para o Estado no final da concessão".

Ponto 9. (13 FEVEREIRO) - "Após a tomada de posse do Governo presidido pelo Dr. Santana Lopes, a ESTORIL-SOL apresentou ao Ministro do Turismo, Dr. Telmo Correia, um extenso dossier em que (...) se solicitava que fossem, finalmente, tomadas as providências necessárias para dilucidar a situação e formalizar o regime a que estava sujeito o edifício, clarificando a verdade das condições que haviam sido fixadas pelo próprio Governo".

Ponto 9. (15 FEVEREIRO) - Após a tomada de posse do Governo, a ESTORIL-SOL apresentou ao Ministro do Turismo um extenso dossier em que (...) se solicitava que fossem tomadas as providências para dilucidar a situação e formalizar o regime a que estava sujeito o edifício, clarificando-se em definitivo a questão.

"Nem o Governo nem o ministro da Economia fizeram tal promessa (acordo verbal sobre a posse do edifício do Casino Lisboa). Nem sequer ela me foi pedida em momento algum. Já depois de publicado o Decreto, a questão foi colocada pela Estoril-Sol ao Ministério da Economia, tendo merecido um despacho negativo do então meu secretário de Estado Luís Correia da Silva". - Carlos Tavares, ex-ministro da Economia

"O meu entendimento foi que, não estando nada explícito na lei sobre a reversão para o Estado, então o casino reverte para o Estado. Depois dos pareceres da Inspecção de Jogos, apenas fiz cumprir a lei". - Luís Correia da Silva, ex-secretário de Estado

"Não havia nada a esclarecer. A lei em vigor à data era clara, dizendo que os bens afectos à concessão reverteriam para o Estado no final da mesma. A regra era a reversão". - Paula Teixeira da Cruz, membro de um grupo de trabalho que estudou o regime legal de jogos

"A questão da reversibilidade colocou-se aquando da negociação para a instalação de um casino no Parque Mayer. O Presidente da República vetou este diploma e depois já não acompanhei o assunto". - José Luís Arnaut, antigo ministro-adjunto de Durão Barroso

Carta ao Governo de Santana propunha alterações dissimuladas à Lei do Jogo. Roseta fala em "capitalismo de favores"

Um mês e meio após a tomada de posse do Governo de Santana Lopes, que ocorreu a 17 de Julho de 2003, a Estoril-sol enviou um documento ao então ministro do Turismo Telmo Correia, descrevendo todo o processo do Casino de Lisboa. No texto, a concessionária propôs uma alteração ao artigo 27 da Lei do Jogo, que regula o regime da reversibilidade. Tal mudança seria, segundo a empresa, "totalmente imperceptível" e "insusceptível de ser relacionável com a clarificação da situação concreta", ou seja, o novo Casino de Lisboa.

No documento, (disponível em www.expresso.pt), a concessionária chegou mesmo a elaborar uma redacção para o artigo 27. Uma das propostas para um dos pontos estava assim: "Não são reversíveis para o Estado no termo da concessão, os casinos que ainda não se encontram em funcionamento à data de entrada em vigor do presente diploma, quando a lei a que se refere o número 1 não determinar a sua reversibilidade". Traduzindo: o Casino de Lisboa ainda não tinha aberto as portas ao público e o decreto-lei que autorizou a sua instalação é omisso quanto à reversão para o Estado.

Esta exacta proposta de redacção não teve acolhimento, mas o que acabou publicado no Decreto-lei 40/2005, foi uma norma que faz aplicar as alterações a "todos os contratos de concessão em vigor". Ou seja, há um decreto-lei publicado em 'Diário da República' a 17 de Fevereiro de 2005 que tem uma aplicação retroactiva, o que corresponde às pretensões da Estoril-Sol.

A carta de Assis Ferreira indicia que desde o início do processo havia dúvidas sobre a questão da reversibilidade. Mas tais dúvidas ficaram afastadas "do conhecimento público" e foram "mantidas pelo Estado e pela concessionária no domínio da estrita confidencialidade".

Esta será umas das questões em cima da mesa do Conselho Consultivo da Procuradoria-geral da República, a quem o Turismo de Portugal vai pedir um parecer sobre todo o caso. Ao mesmo tempo, a Estoril-Sol enviou toda a documentação para três professores de Direito Administrativo.

Em declarações ao Expresso, Paula Teixeira da Cruz, que integrou um grupo de trabalho constituído pelo Governo de Durão Barroso para estudar o quadro legal do jogo em Portugal, afirmou que a questão da reversibilidade dos casinos nunca foi estudada por aquele grupo. Por uma razão: "Não havia nada a esclarecer. A lei em vigor à data era clara, dizendo que os bens afectos à concessão reverteriam para o Estado no final da concessão. A regra era a reversão".

Já Helena Roseta, vereadora na Câmara Municipal de Lisboa, atribui a "paternidade moral" de toda esta controvérsia a Pedro Santana Lopes, ex-presidente da Câmara de Lisboa, actualmente líder parlamentar do PSD. "O antigo presidente tinha um compromisso no Parque Mayer para ir buscar ao casino uns milhões para pagar ao arquitecto Frank Gerry". Por outro lado, a arquitecta aponta críticas à forma como a Parque Expo vendeu o antigo pavilhão do futuro: "É um edifício que foi construído com capitais públicos para servir como equipamento público". Em resumo, Helena Roseta afirma que todo o processo do Casino de Lisboa "começou e acabou com Santana Lopes". Primeiro, como presidente da autarquia, que impulsionou a construção, depois como primeiro-ministro de um Governo que fez uma alteração à Lei do Jogo, a qual possibilitou à concessionária deter o edifício onde está instalado o Casino.

Publicidade duvidosa

Há 15 dias o Expresso publicou uma manchete sobre um "jackpot" que os ministros do CDS ofereceram ao Casino Lisboa.

Nesse texto, que hoje reafirmamos, salientava-se que seria expectável que a propriedade do edifício onde funciona o Casino revertesse para o Estado no fim da concessão. Tal não acontecera devido a um visto do então ministro do Turismo, Telmo Correia. Este era citado em escutas telefónicas envolvendo Paulo Portas, Abel Pinheiro, Luís Nobre Guedes (todos do CDS) e Assis Ferreira, do Casino Lisboa.

Dessas escutas ficavam claros pedidos de Assis Ferreira e diligências feitas por Abel Pinheiro no sentido de a posse do edifício ficar não para o Estado, mas para o Casino, ou seja, para a sociedade que o explora, a Estoril-Sol.

De então para cá, a história foi-se desenvolvendo. Hoje, sabe-se que um decreto-lei de Dezembro de 2004 (em pleno Governo Santana) abria as portas à reversibilidade do património imobiliário, contrariando a norma que estava então em vigor.

Nesta edição damos novos dados que comprometem, ainda mais, a acção do Governo da altura (Santana Lopes). E que negam uma argumentação central da defesa da Estoril-Sol: que a posse do edifício depois da concessão lhes havia sido prometida no início do negócio no Governo de Durão Barroso.

Face a estas notícias, que alguns órgãos de Comunicação Social repegaram e desenvolveram, resolveu a Estoril-Sol colocar anúncios de página inteira a esclarecer o seu ponto de vista.

Decidimos publicar esse anúncio (página 37 do jornal na versão impressa). Embora o seu conteúdo não seja aqui confirmado (e tenha sido posto em causa pela própria CMVM) e embora, em todos os passos que demos, tenhamos ouvido a Estoril-Sol (e todos os outros envolvidos neste complexo processo) e publicado sempre o que nos pareceu mais relevante da sua argumentação.

Nada nos move contra aquela sociedade, nem pretendemos ignorar o seu ponto de vista. Mas nada nos fará desistir de compreender o modo como o Estado entregou à Estoril-Sol um "jackpot" que vale muitos milhões de euros.